No Brasil, a classe média é geralmente foco de discurso político dos governantes com diversas promessas e programas governamentais.
No Brasil, a classe média é geralmente foco de discurso político dos governantes com diversas promessas e programas governamentais. Crescimento do consumo, casa própria, facilidade de acesso ao crédito, fomento da microempresa, etc. Mas como essa classe média pode pensar o Brasil atual? Pouco ultimamente tem se debruçado na investigação dessa classe, a pequena burguesia. Frequentemente vemos nas manchetes de jornais de esquerda críticas diretas à classe média e suas divisões internas, chamando-as de conservadoras, ignorantes e até mesmo de fascistas (uma completa vulgarização do que seria o fascismo). Independente de um adjetivo sucinto para a classe média, o que seria impossível visto sua complexidade, algumas atitudes desta chamam a atenção e incomodam principalmente setores autointitulados “progressistas”. Esses irritam-se com o movimento dos bate-panelas na janela, as mobilizações pelo Impeachment de pessoas bem alimentadas vestindo camisas da CBF, o apoio ao Poder Judiciário relacionado à operação Lava Jato coordenada pelo juiz Sérgio Moro, o ódio ao PT e à esquerda política, etc. Apesar de geralmente não muito investigada dentro da luta de classes, a classe média tem papel fundamental em seu desenvolvimento. E é sobre ela que o presente artigo fará uma breve exploração.
O que é a classe média?
Primeiro de tudo é preciso definir o que chamamos de classe média nessa matéria. Para nós, ela é a classe intermediária, que não é nem aquela que depende da venda da força de trabalho para um patrão (classe inferior, proletária), nem a burguesa (classe superior, capitalista), que vive exclusivamente da administração do capital extraído da mais-valia possibilitada pela compra da força de trabalho do proletário. Portanto, a classe média para nós é a classe intermediária que tende à extinção com o avanço das forças produtivas, difícil de ter suas fronteiras delineadas de forma precisa, tanto para cima quanto para baixo, podendo ser chamada também de pequena burguesia. Sua camada superior confunde-se à classe da grande burguesia, dos capitalistas (acionistas, banqueiros, industriais, rentistas, em suma grandes proprietários que podem apenas “administrar a riqueza para gerar mais riqueza”), enquanto sua camada inferior confunde-se ao trabalhador assalariado, proletário. Hoje no Brasil a noção de “empreendedorismo” ou “microempreendedorismo” está muito associada à essa classe de lojistas proprietários, profissionais autônomos, artesãos não-assalariados de todo o tipo. Em suma, o pequeno burguês é aquele com poucas propriedades, que não vende sua própria força de trabalho para outro (se fizesse isso seria proletário), também sendo aquele que em certos casos contrata força de trabalho em pequena e média escala (geralmente local ou nacional).
Na classe média podem haver ricos e pobres. Ser classe média não tem a ver com ter rendimentos acima de determinada quantia ou abaixo de outra. Ao contrário dos índices que definem as classes por renda média ou renda familiar, nós vemos as classes de acordo com sua função no sistema econômico, e é assim que elas devem ser vistas, não de acordo com agências governamentais que estipulam lentes que veem a realidade de acordo com seus próprios interesses. É preciso enxergar a relação de interesses desconfiado da visão proposta pelo Estado brasileiro, controlado por uma burguesia que tem interesses próprios e específicos.
Classificar uma posição social de classe pelos rendimentos é empobrecer toda uma rede de relações que possibilita a produção e reprodução da vida de uma sociedade. Seria como dividirmos as classes sociais indígenas pela quantidade de peixes pescados, porcos-da-índia abatidos ou mandiocas colhidas. A classificação quantitativista pode parecer não tão absurda hoje, o que é compreensível a partir dos fenômenos da ideologia, mas não deixa de conservar uma estranheza quando entendemos as relações humanas como algo que vai além do dinheiro no banco.
Portanto, o lucro em determinada atividade ou renda pessoal é apenas a ponta da ponta do Iceberg. Ser classe média significa ocupar um lugar na sociedade e estar envolvido no processo de produção e reprodução da vida nessa própria sociedade. Munidos de uma análise material, prontos para localizar os conflitos sociais na história e atentos para as constante transformações dialéticas das classes é que devemos tocar no tema do pensamento político da classe média atual no Brasil.
Em suma ficaremos com a descrição de Friedrich Engels para a classe média:
“A sua posição intermediária entre a classe dos grandes capitalistas, comerciantes e manufatureiros, a burguesia propriamente dita, e a classe proletária ou industrial determina o seu caráter. Aspirando à posição da primeira, o menor golpe adverso da fortuna deita abaixo os indivíduos dessa classe para as fileiras da segunda. (…) Desse modo, eternamente sacudida entre a esperança de entrar nas fileiras da classe mais rica e o medo de ser reduzida à condição de proletários ou mesmo de pobres; (…) essa classe é extremamente vacilante nas suas posições.” [1]
É importante destacar que a classe burguesa descrita por Engels em seu texto de 1851 tem sua composição característica da época em que o texto foi produzido, mas o conflito inerente à posição intermediária da classe média não perdeu sua atualidade.
A classe média e a política institucional
Hoje no comando do poder executivo federal temos Michel Temer. Este é membro do PMDB, cuja história remonta à própria história da República, não só da Nova. Nasceu formalmente como partido de oposição à ditadura militar, representando uma unificação de diversas forças de diversas classes, que se opunham à ditadura militar. Depois da democratização, manteve-se como principal representante da continuidade de um projeto político conservador. Conservador no sentido que mantinha a correlação de forças de dominação do capital sobre o trabalho inalteradas, e pautava a continuação da dominação sob o proletariado. A classe média no processo de democratização foram pouco consideradas, convocadas apenas como classe social complementar a qual a burguesia necessitava de apoio para governar, seduzida por promessas de ascensão à restrita classe que administra o grande capital (classe que produz mais por menos). Ao contrário do prometido pela falácia liberal do livre mercado, a grande burguesia arrancou e arranca mais a cada dia os lucros da pequena burguesia. Mas esse despojamento não é a troco de nada. Quando a burguesia retira da pequena burguesia é porque quer ampliar os próprios negócios, e tem muito mais condições materiais para fazer isso do que a pequena burguesia. Para complicar ainda mais a vida do pequeno burguês, o grande ainda tem a ajuda e conivência do Estado em suas ações. Esse que é vendido pelo melhor lance exatamente como vemos nas delações recentes dos presos pela Operação Lava Jato. O favorecimento estatal de pequenas e médias empresas é pífio perto do que as grandes multinacionais ganharam em negócios legais e ilegais com o Estado.
Os governos pós-democratização trataram de agradar a classe média até o limite colocado pela verdadeira classe dominante: a grande burguesia. Ninguém governa sem o apoio da classe média. Tê-la ao seu lado é objeto de estratégia para a conservação ou derrubada de qualquer representante, principalmente nos países atrasados onde ela ainda é numerosa. O foco publicitário na classe média por governos e campanhas de políticos burgueses e reformistas é uma demonstração de sua importância. Lula e Dilma durante a aplicação do chamado “Programa Democrático-Popular (PDP)” dialogaram diretamente com os setores médios da população, chamando-os para dialogar com os trabalhadores – com uma aliança historicamente fracassada (desde o século XIX) baseada em um programa de ditas reformas progressivas. Da mesma maneira, seria impossível na Nova República (pós-1988) pensar em impeachment sem o apoio da classe média descontente, tanto no de Fernando Collor quanto no de Dilma Rousseff.
O vácuo de liderança socialista
Diante da falta da existência e reconhecimento da classe média por uma liderança proletária que aponte para uma saída socialista e revolucionária para a decadência de seus negócios, essa classe opta no momento por uma direção Estatal burguesa que pelo menos não piore as coisas, apesar dessa tarefa demonstrar ser cada vez mais improvável de ser possível. Nas eleições a classe média ainda conserva a esperança de que o próximo candidato irá garantir o livre mercado e concorrência. Acreditam ainda em ética na política, capitalismo sustentável e ecologicamente correto, fim da corrupção sob o capitalismo, estado de bem-estar social, etc.
Em suma, a classe média está aguentando até o limite, mas não sabe para onde dar o próximo passo. Devido à impossibilidade de uma consciência própria por sua pluralidade de interesses internos que se dividem entre querer ascender e evitar decair, vivem em estado de confusão permanente. Esta classe média hoje oscila entre a falsa consciência de classe burguesa que crê em seu próprio domínio eterno enquanto classe e entre o proletariado com seu socialismo.
A grande classe proletária hoje hesita em assumir seu destino histórico formando um movimento independente dos patrões baseada em um programa de transição para o socialismo. Hoje tanto o oportunismo reformista quanto o sectarismo esquerdista funcionam como amarras para a consciência de classe para-si. Hoje para atrair a atenção da classe média, desiludida com o reformismo e oprimida pelo capital monopolista, será preciso superar a velha crença progressista da acumulação de forças via reformas eleitorais, assim como fórmulas prontas universalizantes supostamente marxistas que desconsideram as condições concretas das batalhas travadas em uma conjuntura acelerada.
O PT, que se apresentou como uma promessa de liderança proletária, funcionou por muito tempo como um farol para a maioria oprimida. Nele milhares apostaram suas esperanças e investiram energias para a construção de um partido que pudesse trazer a necessária organização à classe proletária com a finalidade de construir uma alternativa política do trabalho para derrotar o capital.
A decepção diante dos caminhos tomados por esse partido ainda afeta o pensamento da classe média. Afinal, como confiar em um partido ou liderança operária novamente se no final ela acabará aliando-se ao grande capital, até mesmo ao imperialista, para oprimir a si mesmo (incoerência maior criada pelos oportunistas) e a pequena burguesia a serviço da grande burguesia nacional e imperialista? Reconquistar a confiança da classe média depois de anos de reformismo e oportunismo é uma das tarefas do movimento socialista no Brasil atual.
Um futuro explosivo
Como analisado em recente artigo divulgado pela Esquerda Marxista [2], a Nova República está chegando perto de seu final, e um novo regime está prestes a surgir. O governo dos mortos-vivos de Temer é frágil e sem base social de massas. A burguesia nacional pressionada pelo mercado financeiro internacional, pela baixa produtividade do trabalho no Brasil, e por algumas conquistas da classe trabalhadora, decidiu acelerar as medidas que vinham sendo implementadas já nos governos Lula e Dilma impondo um impeachment por manobras palacianas. Agora sob comando do PMDB, a burguesia nacional não tem mais as amarras dos movimentos sociais e pode seguir suas (contra)reformas à vontade.
Sempre buscando aumentar sua influência sob os países atrasados, na retaguarda a burguesia imperialista prepara seus planos em partidos como o PSDB e em movimentos de juventude como o MBL, ambos com presença de investimento imperialista. O Brasil é um país independente sim, mas não do capital imperialista. O processo de desmoralização do PMDB atende aos interesses do imperialismo na medida que favorece o surgimento de novas lideranças aparentemente “limpas de corrupção”, que ajam de acordo com os interesses das multinacionais imperialistas.
No PT, depois da gritaria da propaganda partidária contra o “golpe de estado”, seu Diretório Nacional já anunciou “oposição responsável”, e após abandonar a campanha massiva pelo “volta Dilma”, visivelmente desgastada, cada vez mais aposta suas fichas na corrida presidencial de 2018 com a propaganda da futura candidatura de Lula – como mostrou no 33º congresso da CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação) [3]. Tal opção por 2018 desmobiliza as massas pela derrubada de Michel Temer nas ruas e transforma o já péssimo lema “Eleições Diretas”, assim como o lema “Fora Temer” que não critica o Congresso Nacional, em fraseologia eleitoreira que nas bocas petistas prega uma combatividade que não existe, já que para o PT ao final de toda mobilização a decisão final cabe dentro das urnas burguesas.
Para ver a fé na institucionalidade burguesa que a direção do PT tem, basta olhar textos e discursos com a proposta recuada de “defesa do Estado Democrático de Direito”. Termos como “revolta popular”, “movimento de massa” e “socialismo” fazem o PT e seus aliados correrem amedrontados, como se essas palavras evocassem monstros assustadores. Os oportunistas temem perder seus cargos assim como a burguesia teme perder seu domínio, ou seja, há muito mais em comum entre o oportunismo no movimento operário e a burguesia nacional e imperialista do que pode parecer. No meio disso há um Temer.
Referências:
[1] Friedrich Engels. A revolução antes da revolução. São Paulo: Expressão Popular, 2010. p. 169 [2] https://www.marxismo.org.br/content/nova-republica-se-fragmenta-e-um-novo-regime-vai-surgir-perspectivas-para-o-brasil – Acessado em 31/01/2017 [3] https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2017/01/12/em-tom-de-campanha-lula-fala-em-tirar-o-pais-da-lama.htm – Acessado em 31/01/2017