A Comuna de Paris foi um dos maiores episódios da história da classe trabalhadora francesa. Entre a revolta de 18 de março e a “Semana Sangrenta” no final de maio, Paris foi governada pelos órgãos democráticos dos trabalhadores, que tentavam reorganizar a sociedade sobre bases inteiramente novas – sem exploração ou opressão. As lições desses eventos ainda são muito relevantes hoje.
Vinte anos antes, Napoleão III havia tomado o poder durante o golpe militar de 2 de dezembro de 1851. A princípio, seu regime parecia inabalável. As organizações de trabalhadores foram reprimidas. Mas, no final da década de 1860, o regime imperial estava seriamente enfraquecido pelo esgotamento do crescimento econômico, as repercussões das guerras (na Itália, Crimeia, México) e o ressurgimento do movimento operário. Somente uma nova guerra – e uma vitória rápida – poderia atrasar a queda de “Napoleão, o Pequeno”. Em julho de 1870, ele declarou guerra à Prússia de Bismarck.
Guerra e revolução
A guerra geralmente leva à revolução. E por um bom motivo: a guerra repentinamente arranca as pessoas de suas rotinas diárias e as joga na arena de grandes ações históricas. As massas examinam o comportamento de chefes de Estado, generais e políticos com muito mais cuidado do que em tempos de paz. Isso é especialmente verdadeiro no caso de uma derrota. No entanto, a ofensiva militar lançada por Napoleão III rapidamente se transformou em um fiasco. Em 2 de setembro, perto de Sedan, o imperador foi preso pelo exército de Bismarck, junto com 75 mil soldados. Em Paris, grandes manifestações exigiram o fim do Império e a proclamação de uma República democrática.
Sob a pressão das ruas, a oposição republicana “moderada” proclamou a República em 4 de setembro. Um “Governo de Defesa Nacional” foi instalado. O Ministro das Relações Exteriores, o republicano burguês Jules Favre, declarou pomposamente que “nem um centímetro de terra e nem uma pedra de nossas fortalezas” seriam cedidos aos prussianos.
As tropas alemãs se aproximaram de Paris rapidamente e colocaram a cidade sob cerco. No início, a classe trabalhadora parisiense deu seu apoio ao novo governo, em nome da “unidade” contra o inimigo estrangeiro. Mas o curso subsequente dos eventos quebrou essa unidade e trouxe à luz os conflitos de interesses de classe que ela havia ocultado.
Na realidade, o Governo de Defesa Nacional não acreditava que fosse possível ou mesmo desejável defender Paris. Além do exército regular, uma poderosa milícia de 200 mil combatentes, a Guarda Nacional, declarou-se pronta para defender a cidade. Mas esses trabalhadores armados dentro de Paris representavam uma ameaça muito maior aos interesses dos capitalistas franceses do que o exército estrangeiro nos portões da cidade. O governo achou melhor capitular o mais rápido possível a Bismarck. No entanto, devido ao estado de ânimo combativo da Guarda Nacional, o governo não pôde declarar publicamente suas intenções. O ministro e general Trochu contava com os efeitos econômicos e sociais do cerco para quebrar a resistência dos trabalhadores parisienses. O governo queria ganhar tempo; embora se declarasse favorável à defesa de Paris, entrou em negociações secretas com Bismarck.
Com o passar das semanas, a hostilidade dos trabalhadores parisienses em relação ao governo aumentou. Circulavam boatos sobre negociações com Bismarck. Em 8 de outubro, a queda de Metz desencadeou uma nova manifestação de massa. Em 31 de outubro, vários contingentes da Guarda Nacional atacaram e ocuparam temporariamente o Hôtel de Ville [edifício-sede da prefeitura de Paris]. Nesse momento, porém, a massa de trabalhadores ainda não estava preparada para uma ofensiva decisiva contra o governo. Isolada, a insurreição rapidamente perdeu força.
Em Paris, o cerco provocava consequências desastrosas. Era uma tarefa urgente rompê-lo. Após o fracasso da retirada para a aldeia de Buzenval, em 19 de janeiro de 1871, o General Trochu não teve outra escolha a não ser renunciar. Ele foi substituído por Vinoy, que imediatamente declarou que não era mais possível derrotar os prussianos. Estava claro para todos agora que o governo queria capitular – o que fez em 27 de janeiro.
Os parisienses e os camponeses
Nas eleições para a Assembleia Nacional em fevereiro, os votos dos camponeses deram uma esmagadora maioria aos candidatos monarquistas e conservadores. A nova Assembleia nomeou Adolphe Thiers – um reacionário embrutecido – como chefe do governo. Um conflito entre Paris e a assembleia “ruralista” era inevitável. Mas, ao erguer a cabeça, o perigo contrarrevolucionário propiciou um ímpeto poderoso à revolução parisiense. As manifestações armadas da Guarda Nacional se multiplicaram, apoiadas massivamente pelas camadas mais pobres da população. Os trabalhadores armados denunciaram Thiers e os monarquistas como traidores e convocaram uma “guerra total” para a defesa da República.
A Assembleia Nacional provocava constantemente os parisienses. O cerco deixou muitos trabalhadores desempregados; as indenizações pagas aos Guardas Nacionais eram tudo o que os livrava da fome. No entanto, o governo aboliu os subsídios pagos a cada guarda nacional que não pudesse provar que estava incapacitado para o trabalho. Também decretou que os aluguéis em atraso e todas as dívidas deveriam ser pagas dentro de 48 horas. Essas e outras medidas atingiram mais duramente os mais pobres, mas também levaram à radicalização das classes médias.
A capitulação do governo diante de Bismarck e a ameaça de uma restauração monárquica levaram à transformação da Guarda Nacional. Foi eleito um “Comitê Central da Federação da Guarda Nacional”, representando 215 batalhões equipados com 2 mil canhões e 450 mil fuzis. Novos estatutos foram adotados, estipulando “o direito absoluto da Guarda Nacional de eleger seus dirigentes e de demiti-los assim que perdessem a confiança de seus eleitores”. Este Comitê Central e as estruturas correspondentes, em nível de batalhão, prefiguraram os sovietes de operários e soldados que surgiram na Rússia durante as revoluções de 1905 e 1917.
A nova direção da Guarda Nacional logo teve a oportunidade de testar sua autoridade. Enquanto o exército prussiano se preparava para entrar em Paris, dezenas de milhares de parisienses armados se reuniram com a intenção de atacar os invasores. O Comitê Central interveio para evitar uma luta para a qual ainda não estava preparado. Ao impor sua vontade sobre o assunto, o Comitê Central demonstrou que sua autoridade era reconhecida pela maioria da Guarda Nacional e pelos parisienses. As forças prussianas ocuparam parte da cidade durante dois dias, depois se retiraram.
18 de março
Aos “ruralistas” da Assembleia, Thiers havia prometido restaurar a monarquia. Mas sua tarefa imediata era acabar com a situação de “duplo poder” que existia em Paris. Os canhões sob o controle da Guarda Nacional – e em particular os que estavam no alto de Montmartre – simbolizavam uma ameaça contra a “ordem” capitalista. No dia 18 de março, às 3 da manhã, 20 mil soldados e gendarmes foram enviados, sob o comando do general Lecomte, para apreender essas canhões. Isso foi feito sem muita dificuldade. No entanto, os comandantes da expedição não se lembraram de levar o pessoal especializado e os equipamentos necessários para movimentar os canhões. Às 7 horas, essas equipes ainda não haviam chegado. Em sua “História da Comuna”, Lepelletier descreve o que aconteceu:
“Logo depois que o alarme começou a tocar, ouvimos, na estrada de Clignancourt, a bateria tocando uma marcha vigorosa. Rapidamente, foi como uma mudança de cenário em um teatro: todas as ruas que levavam ao Butte estavam cheias de uma multidão agitada. As mulheres formavam a maioria; também havia crianças. Guardas nacionais isolados saíram armados e se dirigiram para o Chateau-Rouge.”
Os soldados foram cercados por uma multidão cada vez maior. Os habitantes do distrito, os guardas nacionais e os homens de Lecomte foram pressionados uns contra os outros. Alguns soldados confraternizaram abertamente com os guardas. Em uma tentativa desesperada de reafirmar sua autoridade, Lecomte ordenou que seus homens atirassem na multidão. Ninguém disparou. Os soldados e guardas nacionais aplaudiram e se abraçaram. Muito rapidamente, Lecomte e Clément Thomas foram presos. Soldados furiosos os executaram pouco depois. Clément Thomas era conhecido por ter atirado contra trabalhadores insurgentes em junho de 1848.
Thiers não previra a deserção das tropas. Em pânico, fugiu de Paris. Ele ordenou que o exército e as administrações evacuassem completamente a cidade e os fortes ao redor. Ele queria manter o exército longe do “contágio” revolucionário. Alguns dos soldados – alguns abertamente insubordinados, entoando consignas revolucionárias – recuaram em desordem em direção a Versalhes.
Com o colapso do antigo aparelho de Estado em Paris, a Guarda Nacional tomou todos os pontos estratégicos da cidade sem encontrar resistência significativa. O Comitê Central não desempenhou nenhum papel nesses eventos. No entanto, na noite de 18 de março, descobriu que, apesar de si mesmo, havia se tornado o governo de fato de um novo regime revolucionário baseado no poder armado da Guarda Nacional.
Vacilos do Comitê Central
A primeira tarefa que a maioria dos membros do Comitê Central se impôs foi livrar-se do poder. Afinal, eles disseram, não temos um “mandato legal” para governar! Após longas discussões, o Comitê Central concordou relutantemente em permanecer na Prefeitura pelos “poucos dias” durante os quais as eleições municipais (comunais) poderiam ser organizadas.
O problema imediato enfrentado pelo Comitê Central era o exército a caminho de Versalhes, sob a liderança de Thiers. Eudes e Duval propuseram que a Guarda Nacional marchasse imediatamente sobre Versalhes, a fim de quebrar o que restava de força à disposição de Thiers. Mas eles não foram ouvidos. A maioria do Comitê Central considerou preferível não “aparecer como os agressores”. O Comitê Central era composto, em sua maioria, por homens honestos, mas muito moderados, moderados demais.
A energia do Comitê Central foi exaurida em longas negociações sobre a data e a forma das eleições municipais. Estas foram finalmente combinadas para 26 de março. Thiers usou esse tempo precioso a seu favor. Com a ajuda de Bismarck, o exército reunido em Versalhes foi fortemente reforçado em termos de tropas e armas, com o objetivo de lançar um ataque a Paris.
Na véspera das eleições, o Comitê Central da Guarda Nacional emitiu uma declaração notável que resume o espírito de abnegação e probidade que caracterizou o novo regime:
“Nossa missão acabou. Vamos ceder passagem em nossa Prefeitura aos seus novos representantes eleitos, aos seus representantes habituais.”
O Comitê Central tinha apenas uma instrução para dar aos eleitores:
“Não percais de vista que os homens que melhor vos servirão são os que escolheres entre vós, vivendo a vossa própria vida, sofrendo dos mesmos males. Cuidado com ambiciosos e arrogantes […] Cuidado com os faladores, incapazes de agir […]”
O programa da Comuna
A recém-eleita Comuna substituiu o comando da Guarda Nacional como o governo oficial da Paris revolucionária. A maioria de seus 90 membros pode ser descrita como “republicana de esquerda”. Os militantes da Associação Internacional dos Trabalhadores (liderados, entre outros, por Karl Marx) e os Blanquistas (homens enérgicos, mas politicamente confusos) juntos representavam quase um quarto dos funcionários eleitos da Comuna. Os poucos direitistas eleitos renunciaram a seus cargos sob vários pretextos.
Sob a Comuna, todos os privilégios dos altos funcionários do Estado foram abolidos. Em particular, foi decretado que eles não deveriam receber mais por seus serviços do que o salário de um trabalhador qualificado. Eles também eram revogáveis a qualquer momento.
Os aluguéis foram congelados. As fábricas abandonadas foram colocadas sob o controle dos trabalhadores. Medidas foram tomadas para limitar o trabalho noturno e garantir a subsistência dos pobres e doentes. A Comuna declarou que queria “pôr fim à competição anárquica e ruinosa entre os trabalhadores em benefício dos capitalistas”. A Guarda Nacional estava aberta a todos os homens aptos para o serviço militar e organizada segundo princípios estritamente democráticos. Os exércitos permanentes “separados do povo” foram declarados ilegais.
A Igreja foi separada do Estado e a religião declarada um “assunto privado”. Moradias e prédios públicos foram requisitados para os moradores de rua, a educação pública foi aberta a todos, assim como locais de cultura e aprendizado. Os trabalhadores estrangeiros eram vistos como aliados na luta por uma “república universal”. As reuniões eram realizadas dia e noite; milhares de homens e mulheres comuns estavam discutindo como os diferentes aspectos da vida social deveriam ser organizados no interesse do “bem comum”. As características da nova sociedade que se formava em Paris eram claramente socialistas.
A derrota
É verdade que os communardos cometeram muitos erros. Marx e Engels os censuraram – com razão – por não terem assumido o controle do Banco da França, que continuava a pagar milhões de francos a Thiers, dinheiro que ele utilizava para armar e reorganizar suas forças.
Da mesma forma, a ameaça dos Versalheses foi claramente subestimada pela Comuna, que não só não tentou atacar – pelo menos até a primeira semana de abril – mas nem mesmo preparou seriamente uma defesa. Em 2 de abril, um destacamento dos communardos dirigindo-se a Courbevoie foi atacado e empurrado de volta a Paris. Os prisioneiros nas mãos das forças de Thiers foram executados. No dia seguinte, sob pressão da Guarda Nacional, a Comuna lançou um ataque a Versalhes. Mas, apesar do entusiasmo dos batalhões communardos, a falta de preparação militar e política condenou essa empreitada tardia ao fracasso. Os dirigentes da Comuna acreditavam que, como em 18 de março, o exército de Versalhes se reuniria à Comuna à simples vista da Guarda Nacional. Isso não aconteceu.
Esse revés causou uma onda de derrotismo que varreu Paris. O otimismo resoluto das primeiras semanas deu lugar a um clima de derrota iminente, que abalou as divisões em todos os níveis do comando militar. Finalmente, o exército de Versalhes entrou em Paris em 21 de maio. No Hotel de Ville, a Comuna estava privada, no momento decisivo, de uma séria estratégia militar. Ela simplesmente deixou de existir, abdicando de todas as suas responsabilidades em favor de um Comitê de Segurança Pública totalmente ineficaz.
Os Guardas Nacionais estavam mobilizados em “seus quarteis”, sem comando centralizado. Esta decisão impediu qualquer concentração das forças comunais capazes de resistir ao impulso das tropas de Versalhes. Os communardos lutaram com imensa coragem, mas foram gradualmente empurrados de volta para o leste da cidade e finalmente derrotados em 28 de maio. Os últimos communardos que resistiram foram fuzilados no 20º distrito, no “Muro Federado”, que ainda pode ser visto em Père Lachaise. Durante a “Semana Sangrenta”, as forças de Thiers massacraram pelo menos 30 mil homens, mulheres e crianças, e fizeram cerca de 20 mil vítimas adicionais nas semanas seguintes.
O Estado dos trabalhadores
A Comuna de Paris foi o primeiro governo operário da história. Em A Guerra Civil na França, Marx explicou que a Comuna havia provado o seguinte: os trabalhadores “não podem (…) contentar-se em pegar o aparelho de Estado existente e operar este instrumento por conta própria. A primeira condição para reter o poder político é (…) destruir este instrumento de dominação de classe.” Precisamente, os communardos tentaram construir um novo Estado – um Estado dos trabalhadores – sobre as ruínas do Estado capitalista (em Paris). Ao fazer isso, eles mostraram as características básicas de um Estado operário: sem burocracia; nenhum exército separado do povo; sem funcionários privilegiados; eleição e revogabilidade de todos os funcionários etc.
Os communardos não tiveram tempo para consolidar seu poder. Seu isolamento – em uma França ainda amplamente camponesa – foi fatal para eles. Hoje, ao contrário, a maioria das pessoas na sociedade são trabalhadores assalariados. As bases econômicas da revolução socialista estão muito mais maduras do que no século 19. Cabe a nós, portanto, realizar a sociedade socialista, livre e democrática pela qual os Communardos lutaram e morreram.
TRADUÇÃO DE FABIANO LEITE.
PUBLICADO EM MARXIST.COM