Imagem: Um próton de alta energia produzindo 26 partículas na câmara de bolhas de hidrogênio do Fermilab, em Illinois

A crise na ciência: progresso, estagnação e revolução

A história da ciência é a busca da humanidade para compreender o funcionamento do universo, livre de misticismo e forças sobrenaturais. Neste artigo, Adam Booth explora o processo revolucionário pelo qual avançam as ideias científicas, a ligação entre os desenvolvimentos na ciência e a sociedade em geral e a crise da ciência sob o capitalismo hoje.

A ciência está estagnando. Embora as bolsas de valores tenham disparado devido ao entusiasmo com a inteligência artificial (IA) e a mídia frequentemente anuncie as últimas descobertas supostamente “revolucionárias”, esse otimismo não é compartilhado pela comunidade científica. Pelo contrário, cresce a preocupação de que a ciência, como disciplina, esteja enfrentando uma “crise existencial”1.

Uma série de sintomas reforça esse pessimismo. O mais evidente é a falta de pesquisas “disruptivas” que empurrem as fronteiras do conhecimento humano.

Uma meta-análise de milhões de artigos e patentes publicados ao longo de seis décadas divulgada na revista científica Nature em janeiro de 2023 apontou que a pesquisa está se tornando “menos disruptiva ao longo do tempo”2.

Os autores constataram evidências fortes de que “o progresso está desacelerando em vários campos importantes” e que “artigos e patentes são cada vez menos propensos a romper com o passado e impulsionar ciência e tecnologia em novas direções”3.

Em vez disso, eles sugerem que pesquisadores modernos têm uma tendência a confiar “em um conjunto mais restrito de conhecimentos já existentes”, privilegiando investigações que realizam avanços incrementais em vez de explorar territórios potencialmente inovadores4. Em resumo, a ciência tornou-se monótona, não pioneira.

“De modo geral”, conclui o artigo da Nature, “nossos resultados sugerem que a desaceleração nas taxas de ruptura pode refletir uma mudança fundamental na natureza da ciência e da tecnologia”5.

Outro estudo, de abril de 2020, questiona: “as ideias estão ficando mais difíceis de encontrar?”. A resposta curta é: sim. “O esforço de pesquisa está aumentando substancialmente, enquanto a produtividade da pesquisa está diminuindo drasticamente”, afirmam os economistas6.

Ao mesmo tempo, persistem preocupações antigas sobre uma “crise de replicação” na ciência: uma incapacidade de confirmar a validade dos resultados publicados, levando à desconfiança generalizada sobre a qualidade das pesquisas sancionadas oficialmente.

Uma pesquisa de 2016 realizada com mais de 1.500 cientistas revelou que mais de 70% deles “tentaram e falharam em reproduzir experimentos de outro cientista”7. Estudos anteriores em pesquisas sobre câncer e desenvolvimento de medicamentos mostraram que, respectivamente, apenas 11% e 25% das descobertas mais importantes nesses campos puderam ser reproduzidas8.

Ainda pior, foi relatado que mais de 10 mil artigos científicos tiveram que ser retirados em 2023 por suspeitas de fraude9. E há temores de que essas fraudes descobertas sejam apenas a “ponta do iceberg”10, especialmente com o receio de que a IA esteja agravando a situação, permitindo que artigos falsos sejam produzidos em larga escala.

Se a produção científica não pode ser verificada ou considerada confiável, isso gera profundas dúvidas sobre o estado atual da ciência. Muitos questionam: qual o propósito da ciência se ela não consegue produzir resultados críveis e realmente avançar o conhecimento humano?

Além disso, cresce o ceticismo entre o público em relação à ciência e uma hostilidade geral contra os chamados “especialistas” frequentemente utilizados pela classe dominante para justificar suas políticas cínicas.

Não apenas a ciência em geral parece estar em crise, mas também há desconforto crescente de que as teorias atualmente dominantes em certas áreas possam estar fundamentalmente equivocadas.

Mais notavelmente, contradições estão se acumulando no campo da cosmologia – o estudo do universo. Um número crescente de ajustes arbitrários está sendo inventado para encaixar os fatos no “modelo padrão” da teoria do Big Bang.

Isso inclui conceitos como “matéria escura” e “energia escura”, cuja busca consumiu milhões em novos aceleradores de partículas, telescópios e outras tecnologias sem produzir descobertas. E qualquer tentativa de questionar esses ajustes encontra forte resistência.

Novos dados de instrumentos como o Telescópio Espacial James Webb estão revelando galáxias antigas e grandes demais para serem explicadas pela hipótese do Big Bang, que sugere um início do espaço e tempo há bilhões de anos. Mesmo assim, a teoria persiste. A ciência disruptiva está bloqueada.

“Acontece que encontramos algo tão inesperado que cria problemas para a ciência”11, comenta Joel Lega, astrofísico da Universidade Estadual da Pensilvânia. “Agora me pego acordado às três da manhã me perguntando se tudo que fiz está errado”, complementa Allison Kirkpatrick, astrônoma da Universidade do Kansas, em um artigo da Nature12.

No entanto, apesar dessas preocupações, nenhum desses cientistas está disposto a questionar os pressupostos fundamentais de seu campo. “Se o Big Bang estiver errado”, conclui o escritor científico Eric Lerner, “então muitas das ideias básicas da física fundamental também estão erradas”13.

Essa crise multifacetada da ciência também se estende ao questionamento da própria base filosófica da ciência.

O método científico é baseado no princípio de que a realidade é objetiva, que existe um mundo material, independente de nós, que pode ser investigado e compreendido. Em meio a esses desafios, no entanto, uma parcela filosoficamente idealista da comunidade científica está promovendo uma perspectiva solipsista e mística.

Não é incomum encontrar publicações consagradas, como a revista New Scientist, promovendo ideias excêntricas que questionam a objetividade – e até mesmo a própria existência – da realidade, com suas capas trazendo perguntas como “algo existe quando não estamos olhando?” e “nós criamos o espaço-tempo?”.

A ciência moderna, portanto, está em crise. Descobertas ainda estão sendo feitas em certas áreas. Mas, em geral, o próprio motor do conhecimento humano está falhando.

Para entender por quê, precisamos dar um passo atrás e examinar a dinâmica do desenvolvimento científico em si, incluindo a relação entre a ciência e as relações sociais.

Como a ciência progride e avança, tanto em campos específicos quanto de maneira mais geral ao longo da história? Por que observamos um florescimento de descobertas em alguns períodos e uma relativa estagnação em outros? E quais são as barreiras que estão restringindo a ciência atualmente?

A primeira pergunta a ser feita é: o que é ciência?

Por um lado, a ciência é um método: uma estrutura – baseada na observação e na medição, na conjectura e na experimentação prática – que nos permite compreender a natureza, dar sentido aos fenômenos materiais e estruturar esse conhecimento na forma de teorias verificadas.

“O conhecimento científico”, explica o cientista e autodeclarado marxista J.D. Bernal em seu livro Science in History, “não é simplesmente uma lista de resultados”.

“Antes que esses resultados possam ter qualquer utilidade […], é necessário reuni-los, por assim dizer, em conjuntos, agrupá-los e relacioná-los uns aos outros”, Bernal continua, “[levando] à criação contínua do edifício mais ou menos coerente das leis científicas, princípios, hipóteses e teorias”14.

Outro aspecto importante da ciência é o de uma instituição social, composta por organizações e profissionais dedicados responsáveis por conduzir pesquisas, sancionar hipóteses e resultados e fornecer a base para futuras investigações.

E em seu sentido mais geral, a ciência representa o corpo acumulado e coletivo de conhecimento da sociedade.

Nesse aspecto, ao examinar a história da ciência, pode-se notar uma tendência ao progresso – embora este progresso não seja, de modo algum, linear. Nossa compreensão do mundo, em geral, aumenta com o tempo.

Cada geração sucessiva de cientistas constrói seu trabalho sobre o dos seus predecessores. Nas palavras do famoso físico Isaac Newton, aqueles que expandem as fronteiras do entendimento humano fazem isso “apoiando-se sobre os ombros de gigantes”.

E acrescentaríamos: não somente desenvolvendo as ideias de homens individuais de gênio. A ciência depende das contribuições essenciais de milhares e milhões de homens e mulheres comuns que mantêm a máquina da pesquisa científica funcionando, bem como do impulso – e das descobertas geradas – pela indústria e pelo trabalho humano.

Voltemos à nossa questão central: como a ciência – no sentido de uma compreensão sistemática dos processos e fenômenos naturais – se desenvolve e progride?

Os marxistas entendem que a realidade é objetiva, existindo independentemente dos seres humanos e da nossa consciência. Ao mesmo tempo, a natureza é passível de ser conhecida. Por meio da prática, interagindo com nosso ambiente, podemos revelar a dinâmica da matéria em movimento em todos os níveis.

Com o tempo, a ciência constrói uma imagem cada vez mais clara e completa do mundo. Por meio da investigação e da experimentação, nosso entendimento dos fenômenos naturais melhora, tornando-se mais rico e refinado.

O que antes era desconhecido e envolto em mistério torna-se conhecido e compreendido. A ignorância é substituída pela compreensão e cognição racional. Começamos a enxergar relações, padrões e ordem, a necessidade por trás do que parecia “acidental”, expressa como leis científicas.

Essa é a base do conhecimento real, proporcionando maior domínio sobre a natureza e, assim, abrindo a possibilidade de novos insights e técnicas.

Esse conhecimento, no entanto, é sempre relativo. O universo é infinitamente complexo. Tudo está interligado, em constante mudança, com diferentes dinâmicas surgindo e ocorrendo em níveis distintos – desde o subatômico até o galáctico.

As relações que governam a escala quântica são qualitativamente diferentes daquelas que governam a matéria orgânica, por exemplo. Embora todos sejamos compostos de partículas, não é possível reduzir a biologia a um ramo da física quântica. Da mesma forma, as relações sociais não podem ser reduzidas à evolução darwiniana e às leis da seleção natural.

Portanto, cada fenômeno e processo deve ser estudado concretamente para revelar as dinâmicas, tendências e inter-relações aplicáveis ao sistema em questão.

Nossas teorias científicas, leis e modelos são todos aproximações relativas desses processos, tentativas de descrever e explicar o movimento material e a realidade dentro de certos limites. Nenhuma teoria pode encapsular completamente um fenômeno específico.

Uma “exposição científica absoluta” das interconexões da natureza, nota Engels em sua brilhante polêmica Anti-Dühring, “é impossível para nós, e sempre permanecerá impossível”15.

No entanto, através do “desenvolvimento progressivo infinito” da ciência, continua Engels, gerações sucessivas aprimoram essas teorias e modelos, aprofundando o conhecimento da humanidade sobre os fenômenos naturais.

Dessa maneira, Lênin explica em sua obra filosófica Materialismo e Empiriocriticismo que a “verdade relativa” contida em nossas teorias se aproxima cada vez mais da “verdade absoluta”:

“Cada passo no desenvolvimento da ciência adiciona novos grãos à soma da verdade absoluta, mas os limites da verdade de cada proposição científica são relativos, ora se expandindo, ora se retraindo com o crescimento do conhecimento.”16

Este reconhecimento da natureza relativa dos nossos modelos científicos, no entanto, não significa que os marxistas sejam “relativistas”, negando a existência de uma realidade objetiva e cognoscível, como fazem os pós-modernistas. Como Lênin enfatiza:

“A dialética materialista de Marx e Engels certamente contém relativismo, mas não se reduz ao relativismo, ou seja, reconhece a relatividade de todo o nosso conhecimento não no sentido de negar a verdade objetiva, mas no sentido de que os limites da aproximação do nosso conhecimento a essa verdade são historicamente condicionados.”17

Em outras palavras, cada “verdade” descoberta pela ciência sempre conterá um grau de erro. As teorias e modelos só permanecem válidos até certo ponto. Eventualmente eles se mostrarão insuficientes, precisando ser aprofundados, refinados e enriquecidos continuamente.

Assim, vemos o desenvolvimento infinito da ciência em direção a níveis superiores de conhecimento e compreensão – um processo que nunca está “completo” ou “finalizado”.

“O longo desenvolvimento histórico da ciência”, resume Engels, “ascende de níveis mais baixos para níveis cada vez mais altos de conhecimento sem jamais alcançar, pela descoberta da chamada verdade absoluta, um ponto onde não possa avançar mais”18.

Como então, em geral, o método científico ajuda no avanço do progresso científico?

Em sua obra inacabada sobre a Dialética da Natureza, Engels fornece os traços gerais desse processo.
“A forma de desenvolvimento da ciência natural”, explica ele, “é a hipótese”. Em certo ponto, no entanto, novas observações e fatos entram em conflito com a hipótese comumente aceita. “A partir desse momento”, continua Engels, “novos métodos de explicação são necessários”, capazes de assimilar os dados mais recentes19.

A antiga teoria não é completamente abolida ou invalidada nesse processo, mas dialeticamente negada. O novo modelo incorpora tudo que é verdadeiro no seu predecessor. Ao mesmo tempo, ele vai além, fornecendo a capacidade de explicar racionalmente novas observações e fazer previsões adicionais mais precisas.

A acumulação progressiva do conhecimento científico, entretanto, não é linear. Períodos de estagnação e até mesmo de declínio, saltos e revoluções são tão parte do desenvolvimento científico quanto são do desenvolvimento social.

Esse processo dialético do progresso científico foi delineado ainda mais claramente pelo filósofo da ciência do século XX Thomas Kuhn em seu maravilhoso livro sobre A Estrutura das Revoluções Científicas.
Estudando a história da ciência, com exemplos de várias áreas, Kuhn mostrou que a ciência não progride gradualmente, em linha reta, mas através de avanços incrementais seguidos por surtos e saltos ocasionais.

A maioria dos pesquisadores, durante a maior parte de suas vidas, ele diz, está envolvida no que descreve como “ciência normal”, composta pela resolução de “quebra-cabeças”. Trabalhando dentro de um determinado arcabouço teórico ou escola de pensamento, a principal atividade das carreiras científicas é aplicar ideias existentes a novos problemas e exemplos, e não desenvolver hipóteses inéditas.
Kuhn popularizou o termo “paradigma” para descrever esses arcabouços e escolas de pensamento. Em qualquer período, dentro de determinado setor da comunidade científica, haverá um paradigma dominante que fornece diretrizes nas quais as pesquisas são conduzidas.

A “ciência normal” consiste, em grande parte, em “operações de limpeza”, diz Kuhn, “estendendo o conhecimento daqueles fatos que o paradigma aponta como particularmente reveladores, aumentando a correspondência entre esses fatos e as previsões do paradigma e articulando mais detalhadamente o próprio paradigma”20.

Em determinado momento, entretanto, durante a condução da “ciência normal”, os pesquisadores se deparam com anomalias: fenômenos que não podem ser explicados pelo paradigma vigente. Isso, afirma Kuhn, provoca o “reconhecimento de que a natureza violou, de algum modo, as expectativas induzidas pelo paradigma que governa a ciência normal”21.

Um pequeno número dessas anomalias pode inicialmente não levar a questionamentos sobre a teoria existente. Supõe-se que algum mal-entendido ou erro experimental será encontrado como explicação. Mas o acúmulo dessas descobertas acaba levando certos grupos dentro da comunidade a buscar explicações alternativas, a formular um novo paradigma.

O progresso científico, em outras palavras, geralmente não é tão conscientemente direcionado como o senso comum pode sugerir. Descobertas e avanços não são simplesmente produtos de “homens de gênio” individuais, atingidos por um momento “eureka!”. Eles são resultado do acúmulo de contradições – surgidas na realização de pesquisas rotineiras – que eventualmente emergem à superfície.

Como Kuhn explica:

“A ciência normal não busca novidades factuais ou teóricas e, quando bem-sucedida, não encontra nenhuma. Entretanto, fenômenos novos e inesperados são repetidamente descobertos pela pesquisa científica e teorias radicalmente novas têm sido criadas continuamente por cientistas.”22

A transição de um paradigma para outro, entretanto, nunca é um processo tranquilo, nota Kuhn. Em vez disso, tais “mudanças de paradigma”, explica ele, “necessariamente requerem um período de crise dentro da comunidade”.

Uma velha guarda, com interesses pessoais e frequentemente materiais na manutenção do modelo existente, tenderá a resistir à mudança e se apegará a ideias antiquadas. Em vez de aceitar a necessidade de uma nova teoria, buscará adaptar seu arcabouço ultrapassado – mesmo quando isso se torna cada vez mais insustentável e as anomalias acumuladas não podem mais ser ignoradas.

Nos tempos modernos, os defensores do velho paradigma frequentemente são aqueles que ocupam altos cargos nas instituições científicas, tendo construído grandes departamentos e reputações poderosas com base no avanço de uma teoria específica.

Dessa forma, uma estrutura científica estabelecida se desenvolve em determinado campo. E, tendo levado o assunto adiante no passado, essas pessoas estimadas eventualmente tornam-se uma barreira ao progresso posterior.

Quanto mais “disruptiva” – quanto mais fundamental – for a mudança de paradigma em determinado campo, mais carreiras serão afetadas por ela.

Por razões semelhantes, observa Kuhn, não é coincidência que aqueles que introduzem paradigmas alternativos frequentemente sejam “forasteiros”, vindos de uma nova geração que não foi inculcada na velha ortodoxia e paradigma ossificado.

Uma “mudança de paradigma”, portanto, implica a derrubada de um modelo existente e sua substituição por outro totalmente novo. Não uma simples modificação ou remendo da teoria atual, mas o necessário deslocamento de uma visão de mundo em favor de outra perspectiva que mantém o núcleo racional da antiga, porém sobre uma nova base.

É por isso que Kuhn conscientemente escolhe o termo “revolução científica” para descrever esse processo – e até faz explicitamente a analogia com as revoluções sociais e políticas.

Como revoluções políticas, observa ele:

“As revoluções científicas são inauguradas por um crescente senso […] de que um paradigma existente deixou de funcionar adequadamente na exploração de um aspecto da natureza para o qual aquele mesmo paradigma havia previamente aberto caminho.”23

Esse “senso de mau funcionamento”, por sua vez, provoca uma crise, onde a escolha entre paradigmas concorrentes representa “modos incompatíveis de vida comunitária”24.

Kuhn dá uma variedade de exemplos para demonstrar essa “estrutura das revoluções científicas”. A derrubada da mecânica newtoniana pela teoria da relatividade de Einstein foi uma dessas revoluções.
Newton descreveu o universo como um mecanismo de relojoaria, governado por tempo e espaço absolutos, onde o tempo fluía uniformemente e o espaço era um cenário fixo para o movimento. Essa visão newtoniana dominou por 200 anos.

O sucesso aparente desse modelo levou o físico Lord Kelvin supostamente a afirmar no final do século XIX: “não há mais nada a descobrir na física. Tudo que resta são medições cada vez mais precisas”. A física parecia meramente uma “operação de limpeza”, como disse Kuhn.

Porém, problemas não resolvidos permaneceram. O comportamento da luz desafiava explicações. Experimentos não conseguiram detectar o “éter luminífero”, suposto meio para sua propagação.
Resultados contraditórios se acumularam, e outras anomalias surgiram, como partículas ganhando inércia em altas velocidades – fenômenos que a física newtoniana não conseguia explicar. O acúmulo dessas contradições abriu uma crise na ciência.

Foi nesse contexto que um jovem funcionário de patentes, Albert Einstein, revolucionou a física com sua teoria da relatividade especial. Esta, juntamente com sua posterior teoria da relatividade geral, provocou uma brilhante revolução científica, mostrando como o tempo e o espaço em si podiam se distorcer, expandir ou contrair em diferentes quadros de referência.

O mesmo processo de desenvolvimento científico pode ser observado em todos os campos: desde a nossa compreensão da luz e da óptica até o campo da química e a descoberta de novos elementos.
Primeiramente, um acúmulo quantitativo de pesquisas dentro de um determinado marco teórico abre caminho para uma crise, à medida que a teoria existente entra em contradição com os fenômenos recém-observados.

Eventualmente, ocorre uma ruptura dentro da comunidade científica, quando as antigas elites e suas ideias são desafiadas por uma nova onda de pesquisadores, promovendo um modelo alternativo e superior com maior poder explicativo.

Por fim, o novo paradigma prevalece. Ocorre um salto qualitativo, envolvendo uma mudança radical de perspectiva dentro do campo e o avanço do progresso científico continua – até a próxima crise e revolução.

“A maior dificuldade da descoberta não é tanto fazer as observações necessárias”, observa Bernal, “mas romper com as ideias tradicionais ao interpretá-las”25. Ele continua:

“Desde o momento em que Copérnico estabeleceu o movimento da Terra […] a verdadeira luta tem sido menos para penetrar os segredos da natureza e mais para derrubar ideias estabelecidas, mesmo que estas, em seu tempo, tenham ajudado a avançar a ciência.”26

As teorias e modelos científicos, conclui Bernal, devem, portanto, “ser continuamente e muitas vezes violentamente desfeitos de tempos em tempos e refeitos diante de novas experiências no mundo material e social”27.

Assim, vemos o movimento dialético não apenas na natureza e na sociedade, mas no desenvolvimento do conhecimento e do próprio pensamento.

O progresso científico em qualquer campo específico, portanto, não ocorre em linha reta. Cada ramo ou área da ciência se desenvolveu ao longo do tempo por meio de uma série de crises e revoluções.

Em uma perspectiva mais ampla, entretanto, ao observarmos a história, fica claro também que tais revoluções científicas não ocorrem de forma uniforme ou aleatória. Bernal observa:

“O progresso da ciência tem sido tudo menos uniforme no tempo e no espaço. Períodos de rápido avanço alternaram-se com períodos mais longos de estagnação e até mesmo de declínio.”28

“Mas o ‘onde’ e o ‘quando’ da atividade científica são tudo menos acidentais”, Bernal continua. “Seus períodos florescentes coincidem com atividade econômica e avanço técnico”29.

Em outras palavras, para compreendermos plenamente o amplo alcance do progresso científico, precisamos investigar e entender a relação entre a ciência e a sociedade.

Ao fazer isso, vemos que existem fatores materiais que impulsionam a ciência em várias disciplinas em algumas épocas e a retardam em outras. Os indivíduos certamente têm um papel, mas somente sob condições adequadas, em ambientes sociais, econômicos e políticos favoráveis à exploração e à geração de novas ideias.

A falta dessa perspectiva foi uma das principais limitações de Kuhn. Embora ele tenha fornecido muitos exemplos históricos de mudanças de paradigma em diversos ramos da ciência, não explicou como nem por que essas revoluções científicas estavam relativamente concentradas em certas épocas e lugares específicos e não em outros.

O grande progresso e os avanços realizados pela ciência na era moderna, por exemplo, a partir do século XVI, coincidiram com o desenvolvimento inicial do capitalismo.

A aristocracia feudal baseava-se em uma economia conservadora, rural e senhorial e estava profundamente ligada à Igreja e a todo o absurdo místico, religioso e supersticioso que desempenhava um papel fundamental na manutenção do seu domínio.

Em contraste, a nascente classe capitalista tinha interesse em promover a ciência, em compreender o mundo para transformá-lo – em seu benefício.

O primeiro passo da Revolução Científica inaugurada pela burguesia em ascensão foi romper com a dominação da Igreja. O ponto de partida foi dado por Copérnico. Seu livro, De revolutionibus orbium coelestium, procurava derrubar a antiga visão geocêntrica (centrada na Terra) do universo em favor de uma visão heliocêntrica (centrada no Sol).

E, uma vez reconhecido o desafio que isso representava, enfrentou resistência furiosa da Igreja, para a qual o geocentrismo era uma pedra angular da ordem universal divinamente estabelecida.

A antiga visão realmente teve seus sucessos: explicava como o Sol, a Lua e as estrelas giravam em círculos pelo céu noturno. Porém, outras coisas eram mais complexas, como o movimento peculiar dos planetas. Para explicá-los, supunha-se que os planetas se moviam ao longo de pequenos círculos chamados “epiciclos”, que por sua vez se moviam em círculos maiores centrados na Terra, chamados “deferentes”.
Esses “círculos dentro de círculos” continuavam se acumulando para acompanhar medições mais precisas. Na época de Copérnico, o sistema abrangia cerca de 80 círculos para explicar os movimentos dos cinco planetas conhecidos.

A cosmologia estava em crise. Mas, na verdade, já estava em crise por séculos antes da chegada de Copérnico.

O antigo sistema clamava por uma revolução. Mas isso só seria possível quando uma classe revolucionária na sociedade, produzindo pensadores ousados, assumisse a luta para libertar a ciência da sufocação dos dogmas da Igreja.

Em outras palavras, a ciência se desenvolve de acordo com suas próprias leis, mas estas não ocorrem no vácuo. Quando um paradigma entra em crise, essa crise pode se tornar prolongada devido a fatores sociais, políticos e econômicos que dificultam a ciência.

A ascensão da burguesia deu um enorme impulso à ciência em todos os aspectos. O comércio e a navegação, em busca de novos mercados e fontes de lucro, exigiam novas tecnologias, o que, por sua vez, levou a descobertas científicas correlatas.

Como Engels observa:

“A verdadeira ciência natural data da segunda metade do século XV, e desde então tem avançado com uma rapidez constantemente crescente. A análise da natureza em suas partes individuais, a agrupação dos diferentes processos e objetos naturais em classes definidas, o estudo da anatomia interna dos corpos orgânicos em suas variadas formas – estas foram as condições fundamentais dos gigantescos avanços em nosso conhecimento da natureza que foram feitos nos últimos quatrocentos anos.”30

Inovações como a lente polida ajudaram a aprofundar o conhecimento científico sobre a luz e a óptica. A invenção do telescópio forneceu evidências empíricas que apoiaram a visão copernicana. Relógios de pêndulo para uma medição precisa do tempo estimularam avanços na mecânica. Termômetros e barômetros para medir temperatura e pressão promoveram uma maior compreensão das propriedades dos líquidos e gases.

Nesse período, ciência, filosofia e religião – anteriormente interligadas dentro do sistema feudal – começaram a se separar. Surgiram ramos distintos da ciência, com pensadores especializados concentrando suas investigações de maneira mais específica em determinados aspectos da natureza.

Filósofos como Francis Bacon e René Descartes foram produtos dessa burguesia emergente e de sua ruptura com o efeito sufocante da antiga ordem religiosa. Eles ajudaram a desenvolver e promover um método sistemático, racional e científico de pensamento, baseado na observação empírica, experimentação e raciocínio indutivo e dedutivo. Com o auxílio da imprensa, enquanto isso, o conhecimento podia se espalhar mais rápida e amplamente.

Mais tarde, especialmente após as revoluções burguesas na Inglaterra e na Holanda, surgiram os grandes pensadores do Iluminismo. Sua insistência na razão e desprezo pelo misticismo proporcionaram um impulso adicional ao progresso científico.

A Revolução Industrial dos séculos XVIII e XIX acelerou esses processos. A introdução de máquinas em larga escala na produção exigiu novas tecnologias e técnicas. Isso, por sua vez, significava aplicar o conhecimento científico em todos os aspectos da indústria.

“Uma vez que a Revolução Industrial estava bem encaminhada, a posição da ciência como parte integrante da civilização estava garantida”, comenta Bernal em outra ocasião. “De mil maneiras, a ciência foi necessária tanto na medição e padronização da indústria quanto na introdução de economias e novos processos.”31

Novos paradigmas trazidos por revoluções na termodinâmica, eletromagnetismo e química levaram à invenção do motor de combustão interna, do motor elétrico, do telégrafo e do fertilizante sintético, entre outras inovações importantes, além de melhorias em tecnologias existentes como a máquina a vapor.

A principal força motriz por trás dessas novas tecnologias não foi científica, mas econômica. O conceito de motor movido a vapor, por exemplo, já existia desde tempos antigos. Porém, só foi plenamente desenvolvido e amplamente aplicado sob o capitalismo, onde o motivo do lucro proporcionou o incentivo necessário para aumentar a produtividade do trabalho.

As máquinas introduzidas na produção durante a Revolução Industrial, nesse aspecto, incorporaram o “trabalho morto” de gerações de pesquisa científica e entendimento, substituindo o trabalho vivo dos trabalhadores qualificados por automação baseada na utilização – e no aprofundamento – de nosso conhecimento das forças naturais.

Ao longo da história, portanto, vemos como os avanços na ciência estão intimamente ligados ao desenvolvimento das forças produtivas. Mudanças fundamentais nas relações sociais transformam radicalmente a sociedade e, com isso, todas as antigas ideias e tradições – abrindo caminho para saltos qualitativos no conhecimento e no pensamento humanos.

Mas o mesmo também é verdade no sentido inverso. Quando um sistema econômico começa a estagnar e chega a um impasse, isso se reflete em todas as esferas da vida – inclusive na ciência.

As relações sociais e econômicas que antes promoviam o desenvolvimento científico convertem-se em seu oposto. O que antes era progressista torna-se retrógrado e reacionário.

Em seu auge, a classe capitalista buscava uma compreensão materialista do mundo, a serviço de seus interesses econômicos. Isso proporcionou um impulso tremendo ao avanço da ciência. A força motriz do lucro e da concorrência estimulou um colossal desenvolvimento das forças produtivas.

Porém, hoje o sistema capitalista, incluindo o chamado mercado “livre”, tornou-se um enorme entrave para a ciência e a tecnologia. As relações sociais capitalistas – especialmente a propriedade privada e o estado-nação – tornaram-se barreiras gigantescas ao progresso em todas as áreas da sociedade, incluindo a ciência.

Sob o capitalismo, as próprias ideias tornaram-se propriedade privada, na forma de “direitos de propriedade intelectual” (DPI) e patentes. E essa apropriação privada do conhecimento, por sua vez, sufocou as possibilidades e o potencial de avanço da pesquisa.

Em última análise, todo conhecimento científico é produzido socialmente: resultado do avanço de gerações. Todas as descobertas científicas exigem o conhecimento prévio acumulado ao longo de séculos de trabalho árduo.

Para ser mais eficaz, a ciência exige colaboração e comunicação, um compartilhamento de ideias e métodos entre muitas equipes, instituições e países. Entretanto, sob o capitalismo, prevalece a lógica do “vencedor leva tudo”. O conhecimento social torna-se propriedade privada, secretamente guardada pelos grandes monopólios para proteger seus mercados e lucros.

Em vez de organizar todos os recursos intelectuais e científicos disponíveis para a humanidade a fim de solucionar os problemas da sociedade, a pesquisa é fragmentada em nome da concorrência. Os frutos desse trabalho – o desenvolvimento de novas tecnologias e técnicas – são então apropriados privadamente em nome do lucro.

Isso não só limita o escopo do trabalho dos cientistas, como também torna seus resultados inacessíveis a um público mais amplo, tanto dentro da comunidade científica quanto na sociedade em geral. Por sua vez, a sociedade torna-se alienada da ciência, criando um terreno fértil para ideias excêntricas e teorias conspiratórias.

Os direitos de propriedade intelectual (DPI), portanto, são um dos sintomas mais repugnantes da natureza parasitária do capitalismo, que se apropria privadamente dos produtos do trabalho social.

Poderia se supor que tal competição, com sua ineficiência e desperdício decorrentes da duplicação de esforços, estaria restrita ao setor privado. Certamente a pesquisa no setor público, conduzida em universidades financiadas publicamente, estaria livre dessa competição anárquica?

Infelizmente, esse não é o caso. Em vez disso, vemos que as leis da concorrência capitalista são sentidas de maneira igualmente intensa dentro das instituições públicas.

As condições de ensino e aprendizagem estão sofrendo sob o impacto da austeridade. E à medida que a educação superior se torna cada vez mais mercantilizada, privatizada e reduzida ao mínimo, as grandes empresas exercem uma influência cada vez maior sobre os departamentos científicos universitários e suas agendas de pesquisa.

Privados de financiamento pelos governos centrais, os acadêmicos são obrigados a gastar porções cada vez maiores do seu tempo implorando por migalhas de patrocinadores ricos e corporações. E aquele que paga a banda escolhe a música.

Para garantir a sobrevivência de seus departamentos e de seus empregos, professores e suas equipes, como trabalhadores assalariados, devem justificar sua existência produzindo constantemente novas pesquisas.

Essa precariedade gera um problema conhecido no setor como “publique ou morra”: a pressão para produzir artigos científicos em grandes quantidades para impressionar quem distribui recursos financeiros, independentemente da qualidade.

Por sua vez, isso cria um ambiente tóxico para a ciência, incentivando perversamente pesquisadores – incluindo estudantes de doutorado e pós-doutorandos em busca de escassas vagas na academia – a tomar atalhos, apressar seu trabalho, baixar seus padrões, negligenciar erros, manipular ou selecionar resultados favoráveis, exagerar a importância de suas descobertas e até mesmo promover “fake news” científicas.

Este é o contexto material por trás das preocupações sobre artigos fraudulentos e a confiabilidade das pesquisas discutidas anteriormente. Em muitos casos não se trata necessariamente de fraude deliberada, mas da pressão a que estão submetidos os cientistas para obter resultados “significativos”, levando a vieses. Certamente, no entanto, a fraude real também está aumentando.

Essa demanda dos financiadores da ciência por retornos imediatos sobre seus investimentos explica, em parte, a tendência conservadora da academia em priorizar resultados de curto prazo e entregáveis, em detrimento da exploração científica criativa de longo prazo – mas geralmente não lucrativa – chamada de “céu azul” (blue skies).

Da mesma forma, para avançar e manter suas carreiras, os acadêmicos são obrigados a estabelecer e defender nichos próprios, fortalecendo aquelas atitudes paroquiais e inflexíveis que Kuhn descreve ao explicar a dinâmica das crises e revoluções científicas. Ao invés de permanecerem abertos a novas teorias, acadêmicos mais experientes têm um motivo material para resistir caso uma nova teoria disruptiva desafie sua posição.

Além disso, para garantir uma parcela cada vez menor de recursos financeiros, os acadêmicos precisam publicar suas pesquisas antes que pesquisadores de instituições concorrentes o façam. Essa competição feroz resulta em universidades e pesquisadores competindo freneticamente para chegar primeiro, ao invés de colaborarem compartilhando dados, métodos e descobertas.

O desperdício e a ineficiência de uma abordagem tão atomizada são evidentes. E essa contradição se agrava à medida que cresce a quantidade de literatura prévia e a escala da ciência se expande, exigindo maior organização e cooperação na pesquisa para continuar expandindo as fronteiras do conhecimento humano.

Assim, vemos como o capitalismo, assolado por crises, ao criar condições de escassez e insegurança, gera competição até mesmo na esfera pública, limitando as possibilidades e o potencial da pesquisa científica em todos os campos.

A contradição, é claro, é que essa escassez sob o capitalismo é completamente artificial. A situação real é de pobreza em meio à abundância.

A mesma anarquia da competição é replicada e amplificada em escala internacional, com monopólios multinacionais e estados-nação construindo todo tipo de barreiras para impedir a colaboração científica global.

O imperialismo hoje está ativamente impedindo a cooperação necessária para o avanço da ciência. Isso ficou particularmente evidente nos últimos anos, com a incapacidade da classe dominante de enfrentar coletivamente problemas globais como a catástrofe climática.

Um artigo recente no Financial Times, por exemplo, relata que “as tensões crescentes entre os EUA e a China ameaçam romper um pacto científico e tecnológico de 45 anos” conhecido como acordo Deng-Carter, “prejudicando a colaboração das superpotências em áreas críticas”32.

Além disso, essas mesmas “tensões crescentes” entre as grandes potências imperialistas estão levando ao desperdício cada vez maior dos recursos econômicos, industriais e científicos da sociedade na produção de armas – não de meios de produção, mas de morte e destruição; não de livros, mas de bombas.

Outro exemplo claro da camisa de força da propriedade privada é a prisão das ideias criada por editoras famintas por lucro.

A indústria de periódicos acadêmicos, como qualquer outro setor sob o capitalismo, é altamente monopolizada. Um grupo de cinco grandes editoras – Elsevier, Wiley, Taylor & Francis, Springer Nature e SAGE – domina o mercado. Cada uma dessas empresas arrecada bilhões em receitas todos os anos. Algumas operam com margens de lucro que se aproximam de 40%.

Todo esse arranjo é uma farsa. Os acadêmicos fazem a pesquisa, escrevem os artigos e se voluntariam para realizar a revisão por pares. No entanto, suas universidades, já financeiramente pressionadas – que inclusive financiam esse trabalho –, são obrigadas a pagar taxas de assinatura extorsivas para ter acesso ao conteúdo desses periódicos, que de outra forma permanece bloqueado atrás de um paywall.

Além disso, modelos de negócios orientados pelo lucro – combinados com as pressões do “publique ou morra” dentro da academia – contribuíram para um crescimento explosivo na quantidade de artigos publicados a cada ano.

Segundo um estudo recente, isso está impondo uma pressão crescente sobre a “publicação científica”, minando ainda mais a qualidade, a confiabilidade e a credibilidade das pesquisas e dos achados destacados em periódicos supostamente respeitáveis.

No topo da indústria editorial, por sua vez, está um establishment científico semelhante ao descrito por Kuhn.

Editores de periódicos e moderadores de arquivos atuam como guardiões da ciência, decidindo quais pesquisas serão lidas e quais serão rejeitadas. E há muitos relatos de supostas listas negras e censura contra acadêmicos que ousam desafiar o paradigma vigente.

Copérnicos e Einsteins modernos, em outras palavras, encontrariam-se hoje reprimidos e silenciados pelos que estão no topo.

“Eles se consideram os defensores da ortodoxia científica, assim como a Igreja medieval”, afirma Wanpeng Tan, da Universidade de Notre Dame, ao comentar as práticas obscuras do serviço de pré-publicações de física arXiv.org.

“O comportamento autoritário do arXiv enquanto monopólio”, conclui ele, “torna difícil a disseminação de novas ideias (especialmente as não ortodoxas ou disruptivas)”33.

Assim vemos o papel central que esse complexo acadêmico-industrial desempenha no sufocamento e na estagnação da ciência.

A ciência nem sempre foi conduzida da forma como é hoje.

Foi no século XIX que a ciência começou a se consolidar como uma rede de instituições inter-relacionadas. Sociedades científicas e periódicos foram fundados, junto com novas universidades. E uma comunidade de professores, pesquisadores e intelectuais surgiu, preenchendo essas instituições.

A era do amador entusiasta – o cavalheiro cientista ou colecionador – havia chegado ao fim.

Essas senhoras e senhores instruídos passaram a se ver cada vez mais como separados e distantes do restante da sociedade: uma casta de guardiões acadêmicos responsáveis por descobrir e salvaguardar os segredos do universo. Foi assim que surgiu o conceito de “ciência pura”, composta por intelectuais “independentes”, desvinculados da sociedade.

Por um lado, essa noção duradoura e profundamente enraizada de “ciência pura” teve um certo papel progressista, ao encorajar acadêmicos a buscarem o conhecimento pelo conhecimento em si, livres de preocupações práticas ou financeiras imediatas, ou de qualquer impacto utilitário de seus estudos.

Como explica Leon Trotsky:

“Do ponto de vista sócio-histórico, a ciência é utilitária. Mas isso não significa, de modo algum, que cada cientista aborde os problemas de pesquisa a partir de uma perspectiva utilitária. Não! Na maioria das vezes, os estudiosos são motivados por sua paixão pelo conhecimento, e quanto mais significativa for a descoberta de um homem, menos ele será capaz, como regra geral, de prever antecipadamente suas possíveis aplicações práticas.”34

Por outro lado, uma ciência puramente teórica – de “torre de marfim” – tende a se afastar tanto do mundo que se degenera em pedantismo vazio e sofismas, permitindo que o idealismo se infiltre na ciência.

Isso pode ser visto hoje no campo da física teórica, onde acadêmicos de poltrona debatem a possibilidade de um espaço-tempo de 10 dimensões composto por cordas vibrantes, julgando a correção de suas hipóteses unicamente pelas qualidades estéticas (ou não) de suas equações.

A ciência deve, em última instância, estar ligada – e ser revigorada – pela atividade prática e social. No entanto, a ciência não é apenas um avanço contínuo de tecnologias e técnicas. Ela é também um corpo de conhecimento teórico que fornece a base para investigações e aplicações futuras.

Por isso, os cientistas também precisam de um método filosófico consciente que oriente suas explorações, que ajude a iluminar o caminho que os pesquisadores devem seguir.

A hiperespecialização observada na ciência contemporânea, embora necessária dado o vasto volume de conhecimento e pesquisa que os acadêmicos devem coletivamente abranger, não é favorável a essa visão.

Dadas as pressões materiais e a anarquia da competição já mencionadas, a maioria dos acadêmicos não tem tempo, meios ou liberdade para discutir, debater e divergir de forma aprofundada, para colaborar e nutrir ideias de maneira cruzada, para explorar e testar hipóteses e métodos inovadores, para dar um passo atrás e refletir sobre as “grandes questões”.

Na verdade, na maioria das avezes, há um desprezo – ou rejeição – pela filosofia (o que talvez não seja surpresa, dado o que se entende por “filosofia” na maioria das universidades atualmente).

Em vez disso, a ciência hoje tende a ser conduzida segundo uma forma estreita de empirismo, baseada exclusivamente na análise dos “fatos”, sem qualquer apreço pela perspectiva mais ampla, pelos processos subjacentes ou pela multiplicidade de aspectos do problema em estudo.

E essa carência de filosofia na ciência é um dos muitos fatores que contribuem para o seu atual impasse.
Sem uma filosofia consciente, os cientistas estão tão propensos quanto os leigos a adotar inconscientemente os preconceitos filosóficos predominantes na sociedade. Inegavelmente, essas são as ideias que emanam da classe dominante.

Para muitos, o papel da ciência na sociedade é sagrado e inquestionável. Presume-se que os cientistas – e a instituição da ciência como um todo – sejam infalíveis e objetivos: isentos de qualquer viés, não influenciados pela política mesquinha e pelas pressões sociais que afetam o restante de nós, seres imperfeitos.

Mas a “ciência” não é uma força mística que existe fora da sociedade. Ela é, na verdade, um conjunto de instituições composto por seres humanos vivos, situados em um mundo material real, sujeitdos – e moldados – pelas mesmas forças econômicas, sociais e políticas que o restante de nós.

Isso inclui todas as pressões e preconceitos próprios da sociedade de classes, que se infiltram na ciência e afetam a visão de mundo daqueles que operam dentro dela.

A própria ciência surgiu com a separação inicial entre o trabalho intelectual e o trabalho manual, que emergiu com a divisão da sociedade em classes. Pela primeira vez na história, uma camada da sociedade foi libertada do trabalho manual para desenvolver a escrita, a matemática e a astronomia.

Desde esses primórdios da ciência, ela tem sido, portanto, domínio de uma minoria privilegiada. Isso é tão verdadeiro hoje quanto foi entre os sacerdotes do Egito.

“Esperar que a ciência seja imparcial em uma sociedade de trabalho assalariado”, afirma Lênin, “é tão ingênuo quanto esperar imparcialidade dos patrões sobre a questão de se os salários dos trabalhadores deveriam ser aumentados à custa dos lucros do capital”35.

Em última análise, como em todos os outros aspectos da sociedade, são os interesses da classe dominante que moldam e direcionam a ciência. Como explicam Marx e Engels em A Ideologia Alemã, os que estão no topo “regulam a produção e a distribuição das ideias da sua época: assim, suas ideias são as ideias dominantes da época”36.

Os avanços da ciência forçam continuamente o recuo do misticismo e do idealismo. Mas essas tendências perniciosas nunca serão completamente extirpadas da ciência enquanto existir a sociedade de classes. Tendências idealistas sempre reaparecerão, tentando nos iludir, a fim de justificar e manter o estado atual das coisas.

Para a classe dominante, uma compreensão real de como o universo funciona pode ser perigosa. Tal visão de mundo revela a natureza e a sociedade como dinâmicas e em constante mudança, e não como rígidas e estáticas.

Essa compreensão elimina a base “divinamente ordenada” da ordem atual e oferece às pessoas comuns a perspectiva de que o status quo pode ser transformado e derrubado, ameaçando a posição e os privilégios dos que estão no topo.

É por isso que, ao longo dos séculos, o establishment resistiu – ou até reprimiu abertamente – grandes avanços materialistas na ciência: da repressão da Igreja contra Galileu, defensor do heliocentrismo copernicano, ao desprezo e ceticismo burgueses derramados sobre as teorias da evolução de Darwin.

E é por isso que ideias obscurantistas continuam sendo promovidas dentro das ciências hoje: desde a interpretação idealista de Copenhague da mecânica quântica até as negações solipsistas da realidade objetiva mencionadas anteriormente.

O pessimismo da classe dominante em seu estado avançado de decadência, seu afastamento da realidade em direção ao irracionalismo, sua promoção cínica do misticismo para apoiar e justificar seu domínio: tudo isso pesa sobre e oprime as mentes de homens e mulheres – inclusive no campo das ciências.

É por essa razão que os marxistas devem se interessar ativamente pelos debates que ocorrem dentro da ciência moderna e por isso que nós, como afirmou Lênin, temos o “dever absoluto de recrutar todos os adeptos do materialismo consistente e militante para o trabalho conjunto de combate à reação filosófica e aos preconceitos filosóficos da assim chamada sociedade educada”37.

Todos esses fatores estão travando a ciência – e, portanto, a sociedade como um todo.
Esses grilhões, em sua raiz, são produto do capitalismo, que, por meio da anarquia do mercado, da propriedade privada dos meios de produção e da lógica do lucro, gera crise, escassez e desperdício em toda a sociedade.

Enquanto isso, uma alienação profunda gera desconfiança e ceticismo entre amplas camadas da população em relação a todos os pilares da ordem vigente, incluindo a ciência oficial. Isso pode ser visto no crescente apoio a teorias da conspiração e ao fundamentalismo religioso, bem como aos charlatães e demagogos que promovem essas ideias, muitas vezes com fins políticos.

Por sua vez, à medida que a crise do capitalismo se aprofunda, a classe dominante vem deteriorando e atacando cada vez mais as condições de trabalho dos próprios cientistas.

A profissão acadêmica está sendo proletarizada. Professores, docentes e pesquisadores estão sendo arrancados de suas torres de marfim e lançados na classe trabalhadora. E eles estão se organizando para lutar contra os administradores das universidades.

No Reino Unido, por exemplo, trabalhadores da educação em todas as frentes – em escolas, faculdades e universidades – realizaram diversas greves nos últimos anos por empregos, salários e condições de trabalho. Da mesma forma, funcionários da revista Nature e de outros periódicos científicos de destaque entraram recentemente em greve em disputa por melhores salários.

Isso confirma a afirmação de Marx: que o capitalismo “despojou de sua auréola todas as profissões até então honradas e reverenciadas com admiração sagrada. Ele transformou o médico, o advogado, o padre, o poeta, o homem de ciência, em seus assalariados”38.

Mas isso também aponta o caminho para libertar a ciência de suas amarras atuais.

Como parte integrante da classe trabalhadora organizada, os cientistas precisam lutar para derrubar este sistema podre, para expulsar o capitalismo e o imperialismo da educação e para transformar as universidades de fontes de lucro privado em santuários de aprendizado, colocando-as sob controle democrático de funcionários e estudantes.

Somente derrubando o capitalismo e abolindo por completo a sociedade de classes poderemos eliminar da academia as pressões do lucro e da competição, abolir a divisão rígida entre trabalho intelectual e manual, abrindo a educação e a cultura para milhões que até hoje foram excluídos e livrar a ciência de todos os traços de idealismo, misticismo e obscurantismo.

As descobertas científicas de Marx e Engels, baseadas no materialismo dialético, oferecem um vislumbre do potencial da ciência caso ela fosse colocada sobre fundações verdadeiramente racionais, com a pesquisa guiada pelas necessidades humanas e não pelo lucro privado.

Com uma economia socialista planejada, poderíamos organizar conscientemente e de forma democrática a sociedade, aplicando métodos e compreensões científicas a todas as áreas da natureza e da atividade humana.

Em vez de uma cisão entre teoria e prática, a ciência seria inseparável da vida cotidiana, com diferentes campos e disciplinas integrados sob um objetivo comum.

Por um lado, a ciência sob o socialismo estaria estreitamente ligada às necessidades sociais práticas. Por outro, os cientistas teriam tempo e recursos necessários para realizar pesquisas mais amplas sobre novas teorias e ideias.

Com isso, poderíamos reduzir drasticamente as horas da jornada de trabalho, oferecer às pessoas comuns tempo livre e recursos para se dedicarem à ciência, à política e à cultura e, assim, envolver as massas na gestão da produção.

A ciência deixaria de ser o domínio de uma elite – uma instituição isolada e alheia, desconectada do resto da sociedade – e passaria a fazer parte da vida de todos.

Cada trabalhador e camponês atualmente preso e explorado nas fábricas e nos campos teria acesso a uma educação e formação de qualidade, do berço ao túmulo, dando à humanidade a oportunidade de realizar seu potencial científico e artístico e de se tornar o próximo Galileu, Darwin ou Einstein.
Isso abriria um novo capítulo na história da humanidade, permitindo que a ciência e a cultura florescessem novamente.

Sob o comunismo, novas fronteiras de pesquisa se abrirão. Novas ideias e maneiras de ver o mundo brotarão. E uma nova sede de conhecimento e apetite criativo surgirá dentro de cada homem, mulher e criança.

Assim, a revolução socialista abrirá caminho para uma nova era dourada da revolução científica. É por isso que nós – os comunistas – estamos lutando.

  1. INSTITUTE FOR POLICY RESEARCH. “An existential crisis” for science. 28 fev. 2024. ↩︎
  2. PARK, M.; LEAHEY, E.; FUNK, R. J. Papers and patents are becoming less disruptive over time. Nature, London, n. 613, p. 138–144, 2023. ↩︎
  3. Idem. ↩︎
  4. Idem. ↩︎
  5. Idem. ↩︎
  6. BLOOM, N. et al. Are ideas getting harder to find? American Economic Review, Pittsburgh, v. 110, n. 4, p. 1104–1144, 2020. ↩︎
  7. BAKER, M. 1,500 scientists lift the lid on reproducibility. Nature, London, n. 533, p. 452, 2016. ↩︎
  8. BEGLEY, C. G.; ELLIS, L. M. Raise standards for preclinical cancer research. Nature, London, n. 483, p. 531, 2012.
    PRINZ, F.; SCHLANGE, T.; ASADULLAH, K. Believe it or not: how much can we rely on published data on potential drug targets? Nature Reviews Drug Discovery, London, n. 10, p. 712, 2011. ↩︎
  9. McKIE, R. ‘The situation has become appalling’: fake scientific papers push research credibility to crisis point. The Guardian, London, 3 fev. 2024.  ↩︎
  10. VAN NOORDEN, R. More than 10,000 research papers were retracted in 2023 — a new record. Nature, London, n. 624, p. 479, 2023. ↩︎
  11. DEVLIN, H. James Webb telescope detects evidence of ancient ‘universe breaker’ galaxies. The Guardian, London, 22 fev. 2023. ↩︎
  12. WITZE, A. Four revelations from the Webb telescope about distant galaxies. Nature, London, n. 608, p. 18–19, 2022. ↩︎
  13. LERNER, E. The Big Bang Never Happened. New York: Simon and Schuster, 1991. p. 4. ↩︎
  14. BERNAL, J. D. Science in History. London: Watts and Co., 1954. p. 13. ↩︎
  15. ENGELS, F. Anti-Dühring. London: Wellred Books, 2017. p. 50. ↩︎
  16. LENIN, V. I. Materialism and Empirio-criticism. London: Wellred Books, 2021. p. 105. ↩︎
  17. Idem, p. 107. ↩︎
  18. ENGELS, F. Ludwig Feuerbach and the end of classical German philosophy. In: MARX, K.; ENGELS, F. Collected Works, v. 26. Moscow: Progress Publishers, 1990. p. 359. ↩︎
  19. ENGELS, F. Dialectics of Nature. In: MARX, K.; ENGELS, F. Collected Works, v. 25. Moscow: Progress Publishers, 1987. p. 520. ↩︎
  20. KUHN, T. The Structure of Scientific Revolutions. 4. ed. Chicago: University of Chicago Press, 2012. p. 24. ↩︎
  21. Idem, p. 53. ↩︎
  22. Idem, p. 52. ↩︎
  23. Idem, p. 93-94 ↩︎
  24. Idem. ↩︎
  25. BERNAL, J. D. Science in History. London: Watts and Co., 1954. p. 28. ↩︎
  26. Idem. ↩︎
  27. Idem, p. 29 ↩︎
  28. Idem, p. x ↩︎
  29. Idem, p. 23. ↩︎
  30. ENGELS, F. Anti-Dühring. London: Wellred Books, 2017. p. 31. ↩︎
  31. BERNAL, J. D. The Social Function of Science. London: Routledge and Sons, 1946. p. 27. ↩︎
  32. PEEL, M.; OLCOTT, E. China-US tensions erode co-operation on science and tech. Financial Times, London, 19 ago. 2024. Disponível em: https://www.ft.com/. Acesso em: 13 abr. 2025. ↩︎
  33. TAN, W. Is arXiv a monopoly bully in scientific publication? Perfectly Imperfect Mirrors, 15 maio 2021. Disponível em: https://www.perfectlyimperfectmirrors.com/. Acesso em: 13 abr. 2025. ↩︎
  34. TROTSKY, L. Dialectical materialism and science. The New International, New York, v. 6, n. 1, p. 31, 1940. ↩︎
  35. LENIN, V. I. The Three Sources and Three Component Parts of Marxism. In: Lenin Collected Works, v. 19. Moscow: Progress Publishers, 1977. p. 21. ↩︎
  36. MARX, K.; ENGELS, F. The German Ideology. Moscow: Progress Publishers, 1976. p. 67. ↩︎
  37. LENIN, V. I. On the Significance of Militant Materialism. In: Lenin Collected Works, v. 33. Moscow: Progress Publishers, 1966. p. 228. ↩︎
  38. MARX, K.; ENGELS, F. The Communist Manifesto. In: The Classics of Marxism, v. 1. London: Wellred Books, 2013. p. 5–6. ↩︎