O termo reciclagem tomou força da década de 60 em diante com o advento em massa das embalagens descartáveis, principalmente dos plásticos e plastificados. Despontou como uma reação popular contra o volume de lixo gerado, mas foi distorcido e vem sendo utilizado apenas com o intuito de gerar mais lucros reduzindo a culpa dos consumidores: “se é reciclável, então não há impacto ambiental”. E a afirmação desta falácia é repetida sistematicamente por meio da mídia, não só da propaganda, como embutida na diegese dos produtos da indústria cultural.
Só que o termo, que assumiu um significado equivocado, nada mais é do que um nocebo. Conceitos como “reaproveitamento industrial” ou “reutilização” foram absorvidos por esta farsa. É preciso que se conheça o que é reciclagem e suas características para entendermos o quanto este equívoco atende aos anseios liberais capitalistas.
Reciclagem, por definição denotativa, ocorre quando uma matéria-prima é transformada em um objeto e, reprocessado, ela retorna à matéria-prima original e, esta, reproduzida no mesmo ou outro objeto. Uma busca no Google revela que a maioria maciça das informações sobre o verbete incorpora a reutilização e o reaproveitamento. A ocupação deste espaço de informação não é gratuita e tem um objetivo precípuo.
Raros materiais sintéticos são recicláveis e, quando o são, revelam-se inviáveis economicamente. Mesmo a reciclagem do vidro, dos metais e da celulose (papéis, papelões etc.), que são as mais conhecidas, se dá de forma complexa e incompleta. A quantidade de energia consumida para derreter cacos de vidro e produzir uma nova garrafa é infinitamente maior do que a reutilização de cascos e embalagens desse material por meio do retorno à indústria. O mesmo com os metais. O alumínio passa por um processamento industrial onde a energia para transformá-lo novamente em alumina e depois lingotes é maior do que a partir da extração da bauxita. Com o papel é semelhante, com banhos alvejantes extremamente agressivos ao meio ambiente.
Polímeros são materiais altamente versáteis e com múltiplas aplicações. Só que os plásticos, principalmente do petróleo como o PVA, PVC, PET, por exemplo, não são recicláveis como é intensamente noticiado. O que há é um reprocessamento industrial insignificante de alto custo somente para servir de justificativa. Destes, uma parcela infinitamente pequena é reutilizada em artesanatos, vassouras, brinquedos e outros, enquanto outras milhões de toneladas são destinadas ao lixão ou, pior do que isso, aos oceanos. Sem considerar os riscos secundários que esta brutal quantidade se substância tóxica carcinogênica causa a nós e aos demais habitantes do planeta. Estudos já revelam a presença de partículas microscópicas de plásticos na nossa circulação sanguínea e nas fezes, assim como de inúmeros outros animais, principalmente os marinhos.
Numerosas campanhas de “reciclagem do plástico” são lançadas pela indústria, algo que envolve vultuosas somas com o intuito de iludir o consumidor, convencendo-o de que há um “destino certo” para o lixo. Embalagens que misturam metais com papelão e plástico, então, são as mais sórdidas e as que mais investem na propaganda enganosa de que estas embalagens são “recicláveis”. Uma estratégia secundária é orientar a reutilização do descarte na construção civil, em isolamentos térmicos em residências da população carente etc., sem revelar que os danos ao meio ambiente só aguardam o inexorável futuro descarte. Simplificando, ao invés de interromper ou reduzir a produção de algo que é necessariamente prejudicial ao meio ambiente, um dos principais itens do envenenamento e aquecimento do planeta, produzem material de propaganda enganosa. Como de hábito.
A indústria ganha muito com os materiais descartáveis. Indústrias de bebidas se livram do retorno e reutilização dos cascos e passam a responsabilidade para as prefeituras no recolhimento do lixo. Um casco de cerveja que poderia ser reutilizada 500 ou mais vezes vai para o lixão e raramente é reciclada, porque o custo da matéria-prima para a fabricação de novos cascos é mais barato do que o recolhimento. Há de fato uma pequena parcela de reaproveitamento do lixo, mas só “para inglês ver”. E a desculpa é sempre o menor custo, só que esse “custo” só atende aos interesses do capital, não há nada que se refira ao bolso do consumidor ou ao meio ambiente.

E com os metais não é diferente. O alumínio das latas de cerveja por exemplo, faz ligas com outros metais como o manganês, magnésio, níquel e até chumbo. Recebe acabamento com vernizes de resinas fenólicas ou epóxi para que o alumínio não entre em contato com o alimento. Quando vai para o reprocessamento esses vernizes se transformam em gazes tóxicos, cuja filtragem cara e duvidosa, indica que são dispersos da atmosfera.
Ações de caráter individual – como consumirmos no dia a dia a menor quantidade possível de descartáveis, recusar embalagens desnecessárias como sacolas e sacos plásticos e tomar tantas outras medidas que estão ao alcance de qualquer consumidor – reduzirão o impacto ambiental quando se tornarem ações coletivas. A expropriação dos grandes meios de produção e a planificação da economia são passos fundamentais para a real solução desta questão. É importante compreender que o conceito de descartável tem uma abrangência maior do que o universo das embalagens.
O capitalismo move uma parte significativa de seus recursos para atuar nas mídias, como foi dito acima, com a intenção clara de iludir a população tornando o prescindível e o supérfluo algo necessário e habitual. E o faz sem nenhum escrúpulo moral, porque o objetivo principal é o lucro e não as pessoas. O povo também é descartável e serve apenas para seus escusos e sórdidos propósitos, tão óbvios que não é preciso citar aqui. Somente quando detentora das vias de produção, a classe trabalhadora poderá decidir sobre seu destino e a situação se reverterá, de fato. Saberemos identificar a sarna e combatê-la ao invés de sacrificar o cão.