A federação com a Rede ilustra o movimento de estatização do PSOL

No dia 30 de março de 2022, a Executiva Nacional do PSOL aprovou, sem realizar qualquer debate com as suas bases, a formação de uma federação partidária com a Rede Sustentabilidade. Em resolução, está dito que “A federação surgiu como um instrumento para que partidos ideológicos possam buscar ultrapassar conjuntamente a antidemocrática cláusula de barreira.

A resolução não explica o que são os “partidos ideológicos”, mas faz tempo que os capitalistas brasileiros vêm se articulando para limitar a criação de legendas que são meras siglas de aluguel, negócios como qualquer outro para criar e enriquecer “caciques políticos” – como é comum se chamar no Brasil os líderes desses partidos. Os “partidos ideológicos”, nesse sentido, devem ser aqueles que se propõe a representar certo grupo, classe ou fração de classe.

Antes das federações, legendas podiam se juntar em coligações eleitorais temporárias (as “coligações proporcionais”, oficialmente) para unir os votos recebidos e, assim, aumentar as chances de atingir o quociente eleitoral – o número mínimo de votos necessário para se eleger parlamentares. Depois das eleições, as coligações se desfaziam e os “negócios” eram transferidos para as casas parlamentares. Agora, com a lei das federações (PEC 97/2017), será necessário manter a “coligação” por, no mínimo, 4 anos. É o ensaio para uma fusão.

Os capitalistas esperam, com essas medidas, controlar a proliferação de partidos políticos e garantir maior estabilidade ao regime burguês no país, além de ser instrumento de pressão para que partidos que reivindicam a classe trabalhadora formem federações com partidos burgueses ou pequeno burgueses para avançar na dissolução do caráter de classe destes partidos.

No entanto,  as tentativas de reformas no sistema político e eleitoral, são incapazes de resolver o problema da desmoralização das instituições burguesas nem conterão para sempre a crise política. No máximo pintarão a fachada em ruínas da República, exposta nas negociatas parlamentares e na farra com o dinheiro público. A burguesia enfrenta o seguinte desafio: as massas não apoiam ou retiram o apoio às instituições do Estado pela forma que elas se apresentam, mas sim pela sua capacidade de responder às demandas por acesso a vestuário, alimentação, moradia, cultura, saúde, educação etc. São nos movimentos da base econômica da sociedade que se assentam a continuidade ou não de instituições, partidos e lideranças.

Se as instituições são arquitetonicamente bonitas, seus membros polidos e os discursos bem elaborados, nada disso importa se ela está construída sobre um pântano de crise, fome, desemprego e guerras. Irá afundar sob fúria. Se o formato institucional fosse o fundamental, a Grécia Antiga, onde viviam os mais habilidosos retóricos, inclusive fundadores da disciplina “retórica”, nunca teria ruído. Ou, então, a fórmula infalível para um governo eterno seria a criação de um poderoso e bem remunerado exército que reprimisse todas as insurreições. Mas a sedução ou dissuasão não funcionam por si só. As massas se interessam em melhorar as condições do seu dia-a-dia. Se isso não acontece, ou se sua vida piora, revoltam-se e derrubam governos, qualquer que seja o tipo. Para elas não importa se vivem sob o regime político de partido único, de dois partidos, de um rei, ou de vinte partidos.

A Executiva do PSOL, no entanto, apresenta uma justificativa política simplista para a federação com a Rede. Ela se resume ao seguinte:

“A Rede tem sido um partido aliado na luta contra Bolsonaro na Câmara dos Deputados. Junto com o PSOL, faz o combate à ofensiva reacionária contra os direitos sociais, o meio ambiente e a soberania nacional.”

É fácil entender a união existente entre os partidos na Câmara de Deputados: se votam juntos em várias oportunidades, há união. Mas essa é a união dos gabinetes, das cúpulas. O que haverá de lutas comuns entre a militância do PSOL e a da Rede (um partido pequeno burguês a serviço da burguesia) no dia a dia para lutar contra Bolsonaro? Isso é, nos movimentos de moradia, nos sindicatos, entidades estudantis etc.

A resolução que justifica a adesão do PSOL à federação com a Rede se dedica basicamente à questão eleitoral e parlamentar. Basear as decisões fundamentais de um partido – como uma união desse tipo – a sua participação parlamentar, e ainda sem consultar a base, tem um nome: eleitoralismo. “Mas essa é apenas uma resolução sobre a federação, sobre a tática eleitoral. É algo pontual!”, poderia argumentar um ativista criterioso. Sim, mas a um comunista interessa (1) a tática do partido na luta de classes, (2) o entendimento do partido sobre as tarefas pra essa luta e (3) como a participação parlamentar do partido ajuda a fortalecer e construir instituições dos próprios trabalhadores (sindicatos trabalhistas, assembleias de bairro, comitês de fábrica, movimentos por moradia etc.). A história se faz através da luta de classes, e o destino de milhões de trabalhadores depende da vitória completa da classe trabalhadora sobre os capitalistas.

“A lei das federações partidárias é um importante avanço democrático. Por isso, contou com o apoio do PSOL desde o primeiro instante. Com ela é possível que partidos que tenham identidade política e ideológica possam desenvolver um trabalho conjunto pelo período de quatro anos.” (Resolução Sobre Federação Partidária)

A possibilidade de construir federações é um remendo da burguesia para satisfazer as pequenas siglas mercenárias que ficariam de fora da divisão do fundo eleitoral. Força com as federações, ao mesmo tempo, o processo de fusão de partidos, incluindo, de partidos que reivindicam a classe trabalhadora com partidos burgueses e pequeno burgueses.

Entretanto, a Executiva do PSOL considera a lei das federações um “avanço democrático”. A classificação da federação como “avanço democrático” mostra que a maioria da Executiva assumiu como sua a proposta da burguesia de reformar o sistema político burguês.

Além do mais, a “identidade política e ideológica que ajuda no desenvolvimento de um trabalho conjunto entre diferentes organizações políticas não exige nenhuma medida tutelar do Estado como é a federação. O esperado é exatamente que grupos políticos com programas semelhantes andem próximos para que alcancem com maior eficácia seus objetivos, o que pode gerar uma fusão cedo ou tarde.

Mas há um elemento que a resolução da Executiva não apresentou, que está na base dessa decisão. O partido que não atingir o quociente e não eleger parlamentares perde o direito ao fundo partidário, à propaganda eleitoral gratuita em rádio e tv, assim como a garantia de participação nos principais debates da imprensa burguesa. É disso que se trata: essencialmente, de como manter cargos, garantir dinheiro público e se manter na grande mídia capitalista. Esse desafio está colocado para todos os partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que são pressionados a se dobrarem.

Hoje o Estado brasileiro “alicia” as cúpulas dos partidos com dinheiro e com regras para acesso a esse dinheiro, domesticando-os, fazendo-os agir em defesa da normalidade institucional, da “democracia” ligada à uma Constituição que defende a propriedade privada dos grandes meios de produção, a existência de um corpo de juristas não eleitos, uma polícia militar etc. Quem não quiser se submeter às regras… boa sorte.

E a sorte não está funcionando mais muito bem, pois em um cenário de crise política iminente os capitalistas precisam não só de partidos que se submetem às regras. Ela precisa de partidos que “vistam a camisa” da República fundada em 1988, defendendo-a com todas as forças. Trazendo alguns números, o PSOL recebeu, em 2021, só de fundo partidário, mais de R$ 21 milhões. A projeção para a quantia a ser recebida do fundo eleitoral pelo partido para as eleições do ano vigente (2022) fica volta de R$ 100 milhões.

O financiamento do partido pelo Estado burguês torna-o dependente deste dinheiro e, portanto, sem independência política para atuar contra a burguesia e seu Estado. Um partido que reivindica a classe trabalhadora deveria basear sua arrecadação financeira exclusivamente entre militantes, filiados e apoiadores. A adaptação política que domina o PSOL tem profunda relação com sua dependência financeira do dinheiro estatal.

Sejamos diretos. Construir federações, assim como era construir as antigas coligações proporcionais, é uma tática que os partidos utilizam, à contragosto ou não, para atingir o quociente eleitoral, aumentando as chances de participação de seus políticos nas câmaras legislativas, e para manter o dinheiro dos cofres públicos fluindo para si. O PSOL, assim como diversos outros partidos, estão sendo estatizados. Deixo aqui mais alguns números e uma pergunta: PCB, PSTU e UP devem receber de fundo eleitoral, esse ano, quase 3 milhões de reais. Cada um! Vão aceitar e usar este dinheiro?