Aprovada na última semana de setembro, a nova política imigratória em Portugal é a vitória de um projeto político que tem como cerne uma visão negativa sobre os imigrantes e o seu papel no funcionamento e no desenvolvimento da economia do país. Aprovada com 160 votos a favor e 70 contra, foi encabeçada pelo líder do governo, o primeiro-ministro Luís Montenegro, do Partido Social Democrata, pelos liberais da Iniciativa Liberal e, principalmente, pelo partido de extrema direita Chega. Tal coligação governamental fecha as portas do país para a imigração e coloca milhares de pessoas em uma situação de incerteza.
Entre as principais medidas aprovadas, temos um maior endurecimento na emissão de vistos de trabalho, restritos a profissionais de “alta qualificação”. Também foi removido o mecanismo que permitia a entrada de cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) com vistos de turista e, já dentro de Portugal, solicitar o pedido de residência. Agora, os pedidos precisam ser feitos nos consulados portugueses, e a entrada em Portugal será permitida apenas após a emissão da autorização. De igual maneira, o reagrupamento familiar, condição que permitia que os imigrantes pudessem reagrupar suas famílias a partir do momento em que tivessem o visto de residência, estabelece um prazo de dois anos de moradia no país para pedir o reagrupamento. Em geral, a proposta aprovada torna mais lento o processo de entrada no país, à medida que também recrudesce as condições de renovação da permanência.
Derrubada pelo Tribunal Constitucional português em meados de agosto, a primeira versão retornou ao plenário com alterações, mas manteve as intenções iniciais ao tratar o imigrante como um indivíduo indesejável em solo português. Um dos tópicos chumbados buscava dificultar, inclusive, a entrada de ações judiciais contra a Agência de Integração, Migrações e Asilo (Aima); porém, foi removido do texto aprovado em setembro. Para tanto, é preciso que o imigrante comprove que a falta de respostas do órgão compromete algum direito ou liberdades e garantias pessoais do solicitante. Paralelamente a isso, muitos outros residentes em Portugal ainda precisam lidar com um processo moroso e confuso, dada a ineficiência da Aima em lidar com os processos em vigor, anteriores à lei.
Esse cenário geral afeta particularmente os brasileiros, que são a maior população estrangeira a residir no país. Com cerca de 513 mil pessoas, segundo dados do Itamaraty, é o principal contingente a suprir a escassez de mão de obra em Portugal, dado o grande número de idosos portugueses e a emigração de jovens para outros países da União Europeia. De igual maneira, é possível afirmar que o sistema previdenciário luso se beneficia desse fluxo, já que recebeu, em 2023, cerca de 2,6 bilhões de euros provenientes dos estrangeiros, sendo 1 bilhão diretamente dos brasileiros.
Entretanto, segundo estudo realizado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, cinco em cada dez portugueses acreditam que a presença de brasileiros deva diminuir. Tal rejeição só é maior do que em relação aos cidadãos do subcontinente indiano (Bangladesh, Índia, Nepal e Paquistão), cuja soma atingiu 60% dos entrevistados. De acordo com a pesquisa, há um receio da perda da identidade cultural portuguesa, visto que os dados mostraram que 58,9% consideram os brasileiros um pouco diferentes deles, ao passo que 37,7% veem desvantagens na presença de brasileiros em Portugal. Naturalmente mais fechados, muitos portugueses têm mais dificuldades em lidar com o trato mais informal dos brasileiros.
O choque cultural ainda revela um último dado importante: cerca de 68% dos portugueses consideram que a política imigratória portuguesa é muito permissiva e pouco regulada. É nesse cenário que a nova lei foi votada na Assembleia da República. Cooptada pela extrema direita, a insatisfação popular da classe trabalhadora portuguesa com as condições de vida, principalmente neste período pós-Troika, tem nos imigrantes seu principal espantalho. Discursos inflamados, principalmente do partido Chega, tomam para si o uso de termos como “limpar” e “resgatar” o país. O principal alvo continua sendo os cidadãos do subcontinente indiano; entretanto, muitos brasileiros e cidadãos de ascendência africana também sofrem com episódios de xenofobia e racismo, a ponto de um padeiro, na cidade de Aveiro, oferecer 500 euros pela cabeça de brasileiros. Apesar de demitido, esse não é um caso isolado.
Apesar de numerosa, a comunidade brasileira em Portugal é economicamente ativa e contribui para a previdência social portuguesa. Emigram, pois, como classe trabalhadora, buscam melhores condições de vida, a ponto de deixarem o seu próprio país para isso. De igual maneira, a sociedade portuguesa se beneficia com esse incremento de mão de obra em um país que depende dos estrangeiros para funcionar. Para além das rivalidades fabricadas pela extrema direita entre trabalhadores brasileiros e portugueses, apenas a cooperação entre estes pode gerar frutos e uma vida digna para todos.
Organização Comunista Internacionalista (Esquerda Marxista) Corrente Marxista Internacional