"A Luta de Classe" , órgão oficial da Liga Comunista Internacionalista

A Oposição de Esquerda no Brasil

Este artigo foi originalmente publicado como apresentação ao livro “Na Contracorrente da História”, uma coletânea de documentos produzidos pela primeira geração de trotskistas no Brasil. Fulvio Abramo, autor do texto publicado em 1987, foi um dos militantes que participaram dessa primeira experiência de organização.

Abramo descreve as primeiras articulações da Oposição de Esquerda, no combate à política de Stalin e seus aliados na União Soviética e na Internacional Comunista. O autor também apresenta informações sobre alguns dos principais militantes do Grupo Comunista Lênin (GCL) e da Liga Comunista (LC), as primeiras organizações trotskistas do Brasil, além de destacar a importância das elaborações teóricas e políticas desses militantes trotskistas, especialmente o “Esboço de uma Análise da Situação Econômica e Social do Brasil”, escrito por Mario Pedrosa e Lívio Xavier, em 1931. Este documento se constitui na primeira interpretação marxista da formação econômica e política do Brasil.

Publicamos o texto de Abramo como parte das comemorações, inauguradas na edição 27 do jornal Tempo de Revolução, do centenário da Oposição de Esquerda, buscando refletir sobre o processo de organização dos revolucionários. Para conhecer as próximas publicações, acompanhe nosso site e adquira ou assine o Tempo de Revolução.

Mais de cinquenta anos se passaram desde que os documentos reunidos nesta coleção foram publicados pela primeira vez, para divulgação das ideias e posições de um pequeno, mas aguerrido e muito representativo, grupo de militantes do Partido Comunista Brasileiro (e de alguns elementos que a eles se juntaram por afinidade programática e teórica) que visava recolocar a organização a que pertenciam na “sua posição verdadeiramente revolucionária contra a classe adversa, de acordo com os ensinamentos da Revolução Russa”1, da qual, segundo sua arraigada convicção, se havia perigosamente afastado.

A decisão de tornar públicos seus pontos de vista fora causada pela intolerância da direção partidária que, obedecendo cegamente às instruções emanadas diretamente de Moscou, mas recicladas através do Bureau Sul-Americano da III Internacional, instalado em Montevidéu, impedia qualquer discussão aprofundada dos problemas gerais do processo revolucionário e, mais especificamente, da política imposta à sua seção brasileira, o Partido Comunista do Brasil.

Estava, porém, baseada na convicção de que as suas críticas à orientação tomada então pela III Internacional e pelo partido, no Brasil, constituíam aplicação correta da análise marxista e leninista da situação. E de que, agindo em sua defesa, discutindo-as e expondo-as aos membros da organização e à vanguarda revolucionária proletária, estavam acompanhando a opinião de Lênin, que afirmara, já em 1894, a respeito do problema:

“É rigorosamente certo que não existe completa unanimidade entre os marxistas … Esta falta de unanimidade não revela debilidade, mas a força dos social-democratas russos… O consenso dos que se satisfazem com a aceitação unânime das ’verdades alentadoras’, essa tenra e comovente unanimidade, foi substituído por divergências entre pessoas que precisam de uma explicação da organização econômica real, da organização econômica atual da Rússia … uma análise de sua verdadeira evolução econômica, de sua evolução política e do resto das suas superestruturas.”2

Nos anos trinta, quando estes documentos foram produzidos, a posição de Lênin, favorável à admissibilidade de divergências nos organismos partidários em relação a problemas de tática e de política conjuntural, não era lembrada, sequer, pela maioria absoluta de seus contemporâneos. Àquela altura, Stalin, explorando o argumento de que Lênin aplicara modelos diferentes de organização da disciplina interna de acordo com certas situações especiais (quanto mais dura a perseguição policial nas condições de clandestinidade, mais centralizada a direção), fizera o Partido Comunista da União Soviética e a III Internacional, dos quais já se considerava senhor absoluto, adotar o princípio de que quaisquer divergências com os órgãos dirigentes, fossem elas quais fossem, constituíam traição à causa da revolução, ao partido e à nação. Seus autores mereciam, portanto, a expulsão do partido, a perda das funções administrativas, dos empregos que porventura ocupassem, da própria liberdade individual e até o fuzilamento. A simples apresentação de um ponto de vista diferente por parte de um mero militante de base, numa reunião de partido ou de comitês sindicais, era considerada tentativa fracionista, exigindo, portanto, punição severa.

Nessa época, Stalin já dispunha de influência quase absoluta no partido, que conseguira empolgar mediante o abuso total do cargo de secretário-geral, que lhe permitia agir com desenvoltura na administração do partido e da república. E se utilizava do poder para seus objetivos pessoais de modo ilimitado, pois conseguira afastar da burocracia do Estado e da hierarquia partidária todos os “velhos” militantes, a começar pelo grupo heroico que havia derrubado o Estado burguês e instalado o poder do proletariado numa grande nação, pela primeira vez na História. Tudo isso conseguira principalmente mediante à intriga e à difamação de um lado, e à entrega de todos os principais cargos da administração pública e do partido a elementos inimigos da revolução: ex-mencheviques de direita, ex-oficiais graduados do exército czarista, jovens burocratas sem qualquer opinião, a não ser a de que é preciso manter-se a todo custo no posto, e larga safra de “nepistas“, frutos dos efeitos contraditórios de certos mecanismos da amarga fase da NEP. Esses apoios lhe proporcionavam maioria absoluta de aprovações em todas as instâncias onde tivessem de ser discutidas as suas opiniões e decisões. A burocracia se tornara, pois, através de Stalin, base de sustentação da estrutura do Estado e do partido. O secretário-geral era o fautor e o símbolo desse novo domínio dentro da sociedade soviética. Era, como todo o curso seguinte da história do país evidenciou, o agente da burocracia de Estado, a qual conseguira, através de sua ação, afastar o poder direto do proletariado, obrigando-o a delegar a sua “representação” à burocracia anti-bolchevique. Braço direito dessa nova ordem, Stalin conseguira, em 1926 e 1927, expulsar Trotsky, Kamenev e Zinoviev do Bureau Político e do Pleno do Comitê Central e, posteriormente, do partido. Em janeiro de 1928, desintegra-se a oposição conjunta e são deportados os elementos considerados “irreconciliáveis”. Trotsky é enviado a Alma Ata.

Assim, Stalin conseguira, já nos últimos anos da década de 20, desmantelar a parte mais substancial da resistência dos “velhos bolcheviques” e fizera o partido e a Internacional adotarem as teorias da “possibilidade da construção do socialismo em um só país”; da “revolução por etapas ou a retalho”, em oposição à da “revolução permanente”, formulada primitivamente por Marx e apoiada por Trotsky; dos “sindicatos vermelhos“, que marcaram o isolamento dos comunistas das organizações operárias de massa; do “terceiro período”, que lhe permitiu lançar à aventuras suicidas várias seções da Internacional e entregar à burguesia conglomerados inteiros de organismos sindicais; da necessidade de aliar-se, nos “países atrasados”, às burguesias nacionais, às quais deviam subordinar-se os movimentos comunistas, para não criar empecilhos à “tarefa histórica” da “luta contra o imperialismo”.

As deformações impostas ao curso revolucionário iniciado com a tomada do poder e sempre apresentadas como determinadas pelas dificuldades da organização do estado socialista projetado pelos bolcheviques e a opressão e violência exercidas contra os oposicionistas — de que o famoso relatório Kruschev apresentado ao XX Congresso é uma prova definitiva, embora tardia e incompleta — não foram aceitas sem luta. Logo no começo do processo de açambarcamento do partido, Stalin e sua burocracia encontraram a resistência dos companheiros de Lênin, de toda a camada de revolucionários que demonstraram a sua verdadeira qualidade na realização da tomada do poder e da subsequente guerra civil, em defesa do nascente Estado Soviético. O símbolo mais caracterizador dessa resistência, sua expressão mais forte e legítima, foi Leon Trotsky.

Para vencê-lo, e aos seus companheiros e seguidores, Stalin empregou o sistema do terror ilimitado, culminando, mais tarde, com o assassinato de centenas de oposicionistas e do próprio Trotsky.

Os anos conturbados do ascenso do stalinismo marcam também uma época de grandes derrotas do proletariado mundial: na Itália, o advento de Mussolini ao poder; na Polônia, o golpe de estado do sanguinário marechal Pilsudski; na China, a incorporação dos militantes comunistas ao partido da burguesia chinesa, o Kuomintang, por ordem de Stalin, que assim julgava apoiar a aliança de classes do antigo Império Celeste “contra” o imperialismo, com o consequente extermínio, ordenado pelo seu chefe Chang-Kai-Chek, de dezenas de milhares de trabalhadores, em Shangai; execução de Sacco e Vanzetti nos Estados Unidos; Salazar ministro das Finanças e dono de Portugal…

A esta altura, convém explicar que a referência aos episódios traumáticos desse período é feita, principalmente, para que o leitor possa formar uma visão a mais real possível das causas que tornaram a polêmica tão tensa e aguda. E poder esclarecer também o motivo pelo qual, depois de uma luta em que perdeu milhares ou dezenas de milhares de companheiros, em que levou ao extremo a sua decisão de não romper com o partido, a paciência na discussão e a abundância de argumentação em suas críticas e análises, a oposição de esquerda teve finalmente de separar-se em definitivo do partido russo e de sua servil Internacional, para atuar de modo independente.

Os documentos aqui reproduzidos referem-se à fase de oposição e refletem a decisão de manter-se no quadro das instituições “oficiais”, sem, entretanto, deixar de exercer o direito revolucionário de afirmar abertamente seus princípios contra todas as tentativas de emudecimento vindas das direções nacional e internacional.

No Brasil, o problema da aplicação da política stalinista ao Partido Comunista não sofre, nos inícios dos anos 20, grandes dificuldades. O partido é novo, possui poucos membros com capacitação ideológica: os marxistas contam-se nos dedos de uma mão. As posições do partido fundam-se de modo geral nas opiniões de Octavio Brandão, expostas no livro “Agrarismo e lndustrialismo”, que coloca como problema central da revolução o seu caráter “agrário e antiimperialista”, uma “fase democrático-burguesa”. Mais tarde, depois da volta de Moscou de militantes brasileiros enviados para “aprender” marxismo ou representar os comunistas deste país em congressos da III Internacional, o caráter da revolução foi definido como “operário e camponês”. De acordo com movimentos políticos e sociais que sacudiam o país, a “palavra de ordem” foi tomando matizes diferentes, “sem deixar nunca seu conteúdo democrático-burguês”, dirá, anos mais tarde, um membro destacado do próprio PCB.

Da caracterização do tipo de sociedade em que se vive depende o caráter das modificações (revolução) que se pretende materializar. As generalizações de Octavio Brandão, os dogmas stalinistas a respeito da natureza e da disciplina do Partido e o conhecimento do que está se passando sob domínio stalinista na União Soviética, na China, na Alemanha, em todos os países enfim, desperta a atenção dos membros do partido no Brasil. E muito particularmente de um grupo mais interessado no estudo sério do marxismo do que no do papel de dirigentes e depositários da confiança dos senhores da III Internacional.

Esses militantes procedem de várias origens. Aristides da Silveira Lobo, que pertence aos quadros do PCB desde 1923, é um intelectual ativista e enérgico, professor de língua portuguesa, orador brilhante enviado à São Paulo para organizar o comitê regional local. Cabe-lhe uma tarefa difícil: a luta contra a predominância da atividade anarquista nos sindicatos, ainda muito forte. Tradutor de obras marxistas, em contato permanente com os elementos intelectuais mais próximos das posições revolucionárias, Aristides Lobo está em contínuo confronto com os dirigentes do partido. Na medida em que se aprofunda na leitura das obras de Marx, Lênin, Trotsky, Bukharin e outros autores revolucionários, A. Lobo se convence da fragilidade teórica e tática da direção partidária, à qual critica sem restrições, toda vez que lhe pareça necessário. É um militante honesto, dedicado e corajoso. Quando inicia, como era de se prever, o seu processo de ruptura, em 1928, Lobo já conta com mais de dez encarceramentos. Em 1930 é exilado e vai à Argentina, onde organiza, com Luiz Carlos Prestes, a LAR.

João da Costa Pimenta, fluminense, sem dúvida o operário melhor dotado de sua geração, é um gráfico que se torna rapidamente um aglutinador de militantes. Fundador do PCB, também não aceita a direção burocrática e age com grande liberdade de ação, mas sempre rigorosamente no sentido da defesa da classe trabalhadora e de programas de luta organizada. É também grande orador e possui personalidade jovial, irradiando simpatia, diversamente de Aristides Lobo, que é sarcástico e contundente.

Rodolfo Coutinho, pernambucano, depois de passar pelo movimento anarquista, entra para o Partido Comunista e se distingue pela sua atividade de divulgador do marxismo. Depois de transferir-se para o Rio de Janeiro, Rodolfo participa de todos os problemas da organização e é um dos primeiros a apresentar uma série de questões polêmicas ante à Comissão Central Executiva do partido, em documento assinado em companhia de Joaquim Barbosa, a propósito da decisão tomada pela CCE de enviar Astrogildo Pereira à Buenos Aires para propor uma aliança do PCB com Luiz Carlos Prestes e que consideram antimarxista e contrarrevolucionária.

Mario Xavier de Andrade Pedrosa, mais simplesmente Mario Pedrosa, natural de Timbaúba (PE), vai ao Rio de Janeiro e cursa Direito, na época em que Livio Barreto Xavier, procedente do Ceará, está completando seus estudos na mesma faculdade. Ambos são alunos do professor Edgardo de Castro Rebello, historiador e professor, que os inicia e aperfeiçoa no conhecimento do marxismo. Castro Rebello tem outros discípulos, como Dias Pequeno e Rodolfo Coutinho. Pedrosa e L. Xavier ingressam no PCB quase ao mesmo tempo e se tornam amigos fraternais e companheiros de luta, numa colaboração estreita que se prolonga durante muitos anos. Pedrosa, cujas qualidades pessoais despertam as atenções do partido, é enviado pela direção para frequentar a escola leninista de Moscou. Acometido de doença enquanto passa pela Alemanha, onde toma conhecimento detalhado das críticas de Trotsky e da situação da Internacional, recusa seguir viagem e retorna ao Brasil. Forma quase imediatamente o primeiro grupo oposicionista brasileiro, o Grupo Comunista Lenine, em 1930. Inteligência versátil e militância ativa, Pedrosa é dos marxistas mais brilhantes de seu tempo. Livio Xavier distingue-se pelo profundo conhecimento dos aspectos teóricos do marxismo e do leninismo. A colaboração desses dois elementos com João da Costa Pimenta, Aristides Lobo, Dalla Déa (operário gráfico), Mário Dupont, Mary Houston Pedrosa, mulher de Mario, Manuel Medeiros, também gráfico, José Auto e com a escritora Raquel de Queiroz, permite a fundação da Liga Comunista Internacionalista (bolchevique-leninista), constituindo-se, assim, no Brasil, o primeiro núcleo caracterizadamente oposicionista, de tendência trotskista. No primeiro número do jornal que o grupo faz circular, o caráter da organização é nitidamente explicado: oposicionistas, não pretendem, seus criadores, romper com o partido. Seu agrupamento pressupõe uma tentativa de convencer a maioria do partido de que ela deve restabelecer os princípios e a política revolucionários, opondo-se aos desvios que o stalinismo está introduzindo em todos os organismos partidários.

Transferindo-se para São Paulo, o Comitê Central da Liga Comunista Internacionalista, absorve numerosos elementos ativos em organizações sindicais, estudantis e políticas que se negavam a filiar-se ao PCB por motivos muito afins e semelhantes aos que determinavam as posições da LCI. O mais numeroso e significativo desses grupos, que permitiu rápida expansão das atividades da LCI, era formado por Mirno Tibor, jovem e brilhante estudante; Arnaldo Tommasini, Lelia Abramo e Fúlvio Abramo, todos empregados no comércio, L. Mássara, contador, Azis Simão, estudante, Mário Colleoni, metalúrgico de Santo André, Ariston Rusciolelli, comerciário, Josefina Mendez, operária têxtil, Fernando Bertolotti, contador e outros.

Aglutinaram-se também em torno da LCI vários elementos de comunidades estrangeiras, húngaros principalmente, destacando-se entre eles Rudolf Josip Lauff, que, de prisioneiro dos russos quando da derrota húngara na batalha de Przemysl, durante a I Guerra Mundial, se tornou soldado do Exército Vermelho e combateu ao longo de toda a Transiberiana, até ser preso, novamente, desta vez pelos japoneses, em Vladivostock; com ele vieram para a LCI mais dois ex-militantes das unidades húngaras do Exército Vermelho, Anton Mácek e Anton. Colaboram, também, com a LCI dois intelectuais europeus, o poeta surrealista Benjamin Péret e o combativo militante trotskista italiano Goffredo Rosini, que deveria desaparecer na Guerra Civil Espanhola, com fortes indícios de ter sido assassinado pela GPU. Simpatizantes muito ativos eram Geraldo Ferraz, jornalista e crítico de arte que conseguia contratar para o jornal que dirigia vários militantes trotskistas; Miguel de Macedo, também jornalista, que ministrava cursos de marxismo para militantes e escrevia artigos para os órgãos do grupo (inclusive para O Homem Livre); os editores Salvador Pintaúde e Paschoal Petraccone, que os auxiliavam encarregando-os de tradução de obras estrangeiras; o jornalista, desenhista e gravador Livio Abramo, autor de numerosos desenhos para as publicações da LCI; finalmente, uma citação especial para o médico Nestor Reis, fisiologista de grande capacidade, a quem Mario Pedrosa, Victor de Azevedo Pinheiro e quem assina estas linhas tiveram a ventura de haver sido tratados de suas doenças pulmonares.

Não cabe neste prefácio despretensioso fazer a análise das posições que a Liga Comunista Internacionalista, na condição de oposição interna do PCB e não ainda entidade independente, tomou em relação à tarefa que se propusera, de reintegrar o PCB à sua condição de agente do processo revolucionário.

A coleção que estamos oferecendo a todos os que procuram conhecer os fatos da história do movimento operário brasileiro como eles realmente aconteceram fala por si mesma. Os textos aqui reproduzidos pela primeira vez em volume não estavam, até agora, ao alcance dos scholars, historiadores e… romancistas. A exiguidade dos meios de propaganda de que dispúnhamos; a repressão, que mui rapidamente recolhia e destruía tudo quanto pudesse cheirar a propaganda subversiva; a eficiente colaboração com a polícia, nesse mister, dos stalinistas e seus simpatizantes, fizeram desaparecer quase tudo o que os oposicionistas e a Liga subsequente produziram. Alguns documentos estão sendo publicados pela primeira vez e outros tiveram de ser revertidos para o português, a partir de traduções estrangeiras.

A plataforma da oposição inclui, como ponto fundamental, tal como é exposto no editorial “Nossos propósitos”, publicado no primeiro número do jornal A Luta de Classe, órgão criado em 1930, “a solução revolucionária do problema social… mostrando a diferença fundamental que existe entre a concepção ’retalhista’ de Revolução (por etapas ou a prestações) e a verdadeira concepção marxista do desenvolvimento histórico, segundo a qual os acontecimentos se interdependem dialeticamente, marchando com ritmo que lhes é próprio e não dando jamais a possibilidade de uma classe resolver os problemas da outra”. A partir desse princípio, que é fundamental ainda hoje e enquanto o capitalismo perdurar na Terra, a posição política dos comunistas deve ser a de manter o objetivo de não abandonar a luta de classes em favor da “aliança de classes” que é o leitmotiv principal da atuação do Partido Comunista, até hoje.

E a “Carta aberta aos membros do PC”, redigida por Aristides Lobo, além de assinalar os erros que o Partido praticou com relação a movimentos pequeno-burgueses, militares e golpistas, lembra as bases em que deve considerar-se a disciplina partidária, a fim de que os membros do partido tenham disposição e coragem de vencer as ordens burocráticas, e discutir os problemas reais das classes trabalhadoras. E denuncia método de desmoralização baseado em calúnias, que o PC já põe em prática, citando o caso concreto de sua própria expulsão.

Mas é nos documentos em que faz a análise da situação econômica e social do Brasil, da situação brasileira e o trabalho para seu esclarecimento e no projeto de tese sobre a situação nacional que o trabalho verdadeiramente marxista das posições fundamentais dos oposicionistas se afirma com todo vigor.

O primeiro trabalho analisa as consequências da revolução de 1930, desmentindo a versão stalinóide de que o movimento da “Nova República” apregoada pelos jovens e velhos políticos fora feito em nome da unidade nacional em perigo. Ao contrário, tratava-se de manter a unidade burguesa do Brasil por meio de uma centralização acentuada sob a forma de ditadura militar aberta ou mascarada, ameaçando com as suas baionetas as massas exploradas e oprimidas.

No “Esboço” — da autoria comum de Mario Pedrosa e Livio Xavier — faz-se, pela primeira vez no Brasil, um esforço sério para compreender a formação nacional a partir de sua situação de colônia e, depois, de país independente. Na ocasião, o Partido Comunista não levantara qualquer estudo sério sobre a caracterização da situação nacional. Bastavam-lhe as generalizações antimarxistas de Octavio Brandão e os ukases vindos da III Internacional via Bureau Sul-Americano.

Analisando a transformação sofrida pelo país, com a necessidade de harmonizar o desenvolvimento da indústria nascente com a manutenção do monopólio do café no mercado mundial e a penetração do imperialismo devido ao crescimento da indústria, os autores mostram que na luta “em meio ao turbilhão imperialista a burguesia nacional deve subordinar a sua própria defesa à defesa do capitalismo”. Daí, concluem os autores, “a sua incapacidade política, seu reacionarismo cego e velhaco e — em todos os planos — a sua covardia”.

Ao analisar a política do Partido Comunista, o documento também analisa as conclusões do “Esboço”, propondo alguns acréscimos em relação à situação brasileira do momento. Funda-se principalmente no erro grosseiro do PCB, segundo o qual a “grande massa da população rural brasileira seria constituída de pequenos proprietários”. O partido considerava os colonos como proprietários, quando, na realidade, a sua situação era a de um trabalhador semi-escravizado pelas condições impostas discricionariamente pelos fazendeiros. O trabalho mostra que o partido, fundando sua política em generalizações não-marxistas, atribui ao colono o papel da pequena burguesia rural dos países europeus… na realidade adotando a concepção hipócrita da burguesia.

Fundamentalmente, os trabalhos de análise sobre a situação nacional realizados pela Oposição de Esquerda nos anos de 1930 a 1933, que estão organicamente entrosados neste volume, defendem a tese marxista e leninista da existência de uma luta de classes sem quartel da burguesia contra o proletariado e suas organizações políticas e de classe, e que o esquecimento desse princípio leva as massas trabalhadoras das cidades e dos campos à situação de subordinação de seus interesses aos dos seus exploradores. Numa palavra, não pode haver realmente uma aliança de classes real no desenvolvimento da histórico.

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Desde a publicação das teses da Oposição de Esquerda até hoje, o povo brasileiro passou por fases de extremo sacrifício, exploração, miséria e repressão. Ofuscando todos os maus governos anteriores, o que surgiu do putsch militar de 1964 foi o mais característico do tipo de regime que a burguesia, sempre aliada do imperialismo, apesar da boa vontade dos comunistas de mostrar que assim não é, aplica às massas e às suas vanguardas. Foi um período de horror, de opressão, de perseguições, assassinatos e de desenfreada impunidade para os autores de todos esses crimes. Impunidade que os torna audaciosos e muito seguros de que nada mais lhes pode acontecer, nem qualquer arranhão em suas propriedades mal-havidas, nem qualquer outra sanção social ou política.

Diante desse quadro, não se pode calar e esquecer os crimes cometidos contra todos os que se opuseram ao regime reacionário e violento que se instalou no país em 1964. O que se evidenciou nesse negro período da história brasileira foi a decisão existente nos militantes conscientes, estivessem eles certos ou errados, nesta ou naquela posição política, de enfrentar com decisão e heroísmo a repressão brutal e totalmente desproporcionada em face da fraca organização de resistência das massas. Sejam feitos os reconhecimentos e as homenagens a todos os que tombaram sob a violência do regime reacionário de 1964.

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Finalizando, lembremos que, dando um balanço histórico dos acontecimentos, ainda que muito esquemático e sucinto, podemos afirmar que é admirável constatar que as posições fundamentais das duas correntes em que se divide, realmente, o chamado “movimento revolucionário” permanecem nas trincheiras em que se abrigavam há mais de meio século: o(s) partido(s) comunista(s) continua(m) bravamente a qualificar de traição toda reafirmação do conceito de luta de classes quando a política lhe(s) apresenta a necessidade de uma definição em face de uma situação política concreta, digamos, como uma eleição, ou a votação de uma lei abolindo a dependência dos sindicatos, do imposto sindical, etc. E parece até enternecedora a defesa tenaz dessa pobre e desprotegida burguesia nacional, que morreria vítima miseranda se as hostes aguerridas do(s) partido(s) aludido(s) não se compactassem em muralhas humanas para impedir seu esmagamento sob as patas do pavoroso imperialismo.

Na realidade, o(s) partido(s) comunistas) brasileiro(s) desenvolve(m) uma atividade consciente, continuada e tenaz em defesa da “modernização” do capitalismo e da burguesia nacional e se opõe(m), com a mesma pertinácia e decisão, a qualquer movimento que se proponha a esclarecer as massas operárias e camponesas de que seu inimigo é o capitalismo, é a burguesia.

Notas:

1 Trecho do documento “Nossos Propositos” da LCI.

2 Citado por Pierre Broué em História del Partido Bolchevique.