Desde o início da pandemia de Covid-19, milhões de pessoas no mundo têm vivenciado situações que nunca foram imaginadas, do distanciamento social à paralisação e fechamento de fábricas e comércio. No entanto, no Ceará, um dos estados brasileiros que tem adotado medidas mais rígidas de distanciamento e isolamento, a indústria de papelão não parou. Pelo contrário, com a emergente necessidade de embalagens para envio de produtos por delivery de fast-food; e-commerce, como camisas, livros e artigos no geral; e o transporte de produtos sanitários, como álcool em gel, detergentes, desinfetantes e etc., a indústria registrou um aumento enorme em sua venda e produção. E quem mais sentiu esse aumento foi a classe trabalhadora.
Para compreender a situação dos trabalhadores da indústria de papelão do Ceará é necessário entender o ciclo de vida de uma caixa. Ela segue a seguinte ordem: primeiro a grande indústria produz a celulose, a partir da extração da matéria prima da natureza, com a reciclagem de embalagens já utilizadas ou com os resíduos da produção das próprias caixas. Em seguida as chapas (folhas) de papelão são produzidas por essas grandes fábricas, que por sua vez produzem as caixas para atender a demanda das grandes empresas de setores alimentícios e farmacêuticos, por exemplo. Mas ela também vende as chapas para pequenos burgueses que produzem as embalagens e vendem para pequenos negócios, movimentando o comércio local.
Grande parte da produção de embalagens está concentrada em micro e pequenas empresas. Essas fábricas, em sua grande maioria, são localizadas em pequenas oficinas residenciais, e em outros casos são pequenos galpões localizados nos subúrbios da cidade. Esses galpões não contam com uma estrutura adequada para os trabalhadores, têm pouca iluminação e um ambiente abafado pelo calor que as próprias chapas soltam dentro do local, que sem a devida ventilação tornam o trabalho muito mais exaustivo.
Por esse motivo, seus trabalhadores são familiares, amigos e conhecidos dos donos, o que acaba gerando uma relação afetiva e amigável entre empregado e empregador. Mas essa familiaridade não proporciona uma melhor condição de trabalho para esses operários. Ao contrário do que se imagina, isso só favorece uma maior exploração. Os trabalhadores da indústria do papelão são influenciados de forma rotineira pelos ideais burgueses, favorecidos pela empatia com os donos das empresas, dificultando assim a organização e a consciência de classe.
Os baixos salários, que geralmente são pagos por “diárias” que ficam em torno de trinta a cinquenta reais, ou recebendo por peça produzida, fazem com que esses trabalhadores sejam obrigados a fazer horas e mais horas extras, chegando a trabalhar de dez à treze horas diretas para que consigam completar sua renda para ter uma melhor condição de vida.
A rotina desses operários geralmente é sempre a mesma. Um operador de máquina de corte e vinco faz a mesma sequência de movimentos cerca de dez mil vezes ao dia, e dependendo da fábrica e da velocidade máxima da máquina, esse número pode aumentar. Ele conta com a ajuda de um outro operário, que por sua vez é encarregado de abastecer a máquina para que a produção não pare. Este ajudante carrega, apenas com a sua força física, cerca de três a quatro toneladas de papelão para próximo da máquina. E ao mesmo tempo que abastece, ele tem que carregar as caixas prontas para outro setor para que sejam pintadas, coladas e amarradas.
Na última fase do processo produtivo, as embalagens são pintadas manualmente com matrizes serigráficas. Após serem pintadas elas são coladas com um grude feito à base de amido, água e soda cáustica. Quase todo o processo final é feito de forma manual, fazendo com que os operários tenham contato direto com produtos químicos, o que causa constantes acidentes na fábrica. Por eles estarem no último processo, eles recebem uma pressão maior vinda dos próprios clientes, obrigando-os a trabalharem sempre estressados com a demanda da produção.
Portanto, esses trabalhadores da indústria do papelão sofrem com a precarização do seu trabalho por baixos salários e péssimas condições de infraestrutura das fábricas, somadas a afetividade que existe entre empregado e empregador e que impedem de ver a exploração. Por esse motivo, é importante ter uma ação mais efetiva dos sindicatos entre os operários, conscientizando e unificando toda a classe.