A situação política econômica mundial já não ia bem para os trabalhadores quando fomos tomados pelas consequências da pandemia. No Brasil não é diferente. O tamanho da desigualdade social é brutal, mesmo depois de 14 anos de administrações do PT, interrompidos em agosto de 2016. A realidade da classe trabalhadora brasileira era ruim e foi muito piorada pelos governos Temer e Bolsonaro. Situações como comunidades inteiras sem esgoto, sem saneamento básico, sem água, são comuns. Vários governos não mostravam, e até negavam, que crianças tinham como única refeição aquela servida na escola. Os milhares de sem teto, de desempregados, os milhares que foram jogados em atividades de informalidade para sobreviverem.
A situação piorou ainda mais com a PEC dos gastos, que cortou investimentos nas áreas básicas de atendimento à população. Somemos ainda com terceirizações, privatizações, falta de concursos públicos, ataques às universidades públicas. Toda essa situação agora ficou escancarada. Caiu a máscara de todos os governantes. A única resposta que temos de todos é: não tem dinheiro e temos que cuidar do isolamento porque para não colapsar o sistema de saúde.
Entretanto, a questão é que a orientação de isolamento social ampliou um problema já existente: Aqueles que ficaram sem trabalho, sem sair de casa, somados com os já sem teto e sem trabalho se tornaram parte de um exército de pessoas sem as condições mínimas de sobrevivência. Ou seja, a pandemia escancarou todas as mazelas produzidas pelo sistema capitalista.
A partir destas questões, vemos muitos trabalhadores sensibilizados a mobilizarem arrecadações de alimentos e outras formas de auxílio para atender parte desta população atingida por estas mazelas. Esta não é uma nova forma de organização, já que em outros momentos de tragédias (enchentes, desmoronamento, incêndios, doenças), os trabalhadores buscam formas de auxiliar o próximo. A questão é: como a imprensa burguesa se utiliza deste discurso? A palavra solidariedade, nas últimas semanas, passou a aparecer mais que qualquer outra. Existe um movimento de comoção geral para que sejamos solidários.
Nos supermercados, nas igrejas, nas ONGs, nos grupos familiares, nas escolas, nas associações de bairros, todos clamando pela necessidade de fazermos algo pelos que passam necessidade. É tamanho o chamado na televisão ou na internet, que temos a sensação de que estão colocando um dedo na nossa cara: Você está vendo aquela criança passando fome? Você não vai ajudar? Ela vai continuar passando fome se você não ajudar!… Como se a culpa fosse nossa! Como se o problema fosse individual!
A solidariedade que podemos traduzir na vontade de ajudar o próximo, muitos pesquisadores defendem que permeia as relações humanas desde os homens das cavernas. Alguns pesquisadores, inclusive, dizem que é anterior a isso. De acordo com Goulart e Bicalho (2011, p. 12), no livro Devolvam Nossa Previdência, “Os primeiros sindicatos nasceram das caixas de apoio mútuo, no qual os trabalhadores contribuíam para ajudar-se durante as crises ou acidentes individuais. Destas nasceram as conquistas da saúde pública e da previdência social baseada na solidariedade entre gerações”. Ainda hoje a solidariedade entre os trabalhadores é um movimento bastante importante e em muitas vezes essencial em épocas de greves, de ocupações, de manifestações etc. Mas um movimento entre trabalhadores, entre os membros da mesma classe.
Entretanto, no que se traduz o discurso de solidariedade entre os membros da burguesia para a classe trabalhadora? Um exemplo é uma rede de supermercados “Whole Foods” (dos EUA que comercializa produtos naturais, inspirou o Mundo Verde aqui no Brasil). Ao invés de garantir folga remunerada para seus empregados durante a pandemia, enviou uma nota sugerindo que os trabalhadores doem seus dias pagos para seus colegas que precisam. Ou seja, solidariedade e compaixão somente entre os trabalhadores; os patrões só se solidarizam com o lucro!
Outros exemplos são os mais diversos setores que organizaram assembleias para acordar redução de salários em detrimento de não demitir funcionários.
Neste momento de pandemia, a chamada da burguesia pela solidariedade é uma proposta de ação que vai substituir o papel do Estado, que vai aliviar as cobranças feitas sobre os governantes. E infelizmente precisamos dizer: os governantes agradecem! E por isso, inclusive, que é tão divulgada e apoiada pela grande imprensa. Assim, o desafio é entender como o capitalismo se apropria de um sentimento tão nobre, como é a solidariedade, para tentar colocar nas costas do trabalhador a conta da falência do sistema.
Não devemos, então, ajudar os trabalhadores com questões de alimentação, moradia, saúde? A questão principal é que esta ajuda não pode substituir a luta pela superação desta sociedade, que produz todas estas mazelas e, principalmente, temos que ter clareza que a verdadeira solidariedade hoje, é explicar em primeiro lugar para todos os trabalhadores de onde vem a crise que vivemos, e como precisamos nos organizar para pôr um fim ao capitalismo. Explicar e discutir com os trabalhadores o que se deve fazer, por exemplo, numa situação em que, de um lado, temos milhares e milhares de pessoas passando fome e, de outro, toneladas de alimentos sendo descartados ou transformados em adubo semanalmente nos grandes centros urbanos.
De imediato precisamos combater pelo Programa Emergencial para a Crise que é a única forma de nos colocarmos em movimento para impedir que milhares de outras vidas sejam perdidas. Para num outro momento não tão imediato, construirmos uma sociedade onde a vida esteja acima de tudo, pois como diz parte do poema de Bertolt Brecht (Canção do Remendo e do Casaco):
Não precisamos só do remendo,
precisamos o casaco inteiro.
Não precisamos de pedaços de pão,
precisamos de pão verdadeiro.
Não precisamos só do emprego,
toda a fábrica precisamos.
E mais o carvão.
E mais as minas.
O povo no poder.
É disso que precisamos.
Que tem vocês
a nos dar?