A situação política e social aberta com a pandemia fez com que nos últimos meses as organizações dos trabalhadores precisassem dar encaminhamentos no sentido de preservar a saúde e a vida da sua militância, ao mesmo tempo que se mantinham coesas politicamente. O isolamento social, necessário para que se garanta a não proliferação do vírus e a diminuição no fluxo de pacientes nas unidades públicas de saúde, além do afastamento físico entre as pessoas, pode levar à dispersão no cotidiano caseiro forçado a que estão submetidas. Uma perspectiva política revolucionária, diante do caos criado pelo capitalismo e por seus governos, se torna fundamental para que os trabalhadores mantenham sua saúde física e mental mesmo com a atual situação.
O cenário de pandemia traz consigo uma nova situação política, em que fica desnudado tanto o papel dos ataques a direitos sociais das últimas décadas como a precarização não apenas do trabalho, mas da própria vida diante da busca de lucro dos capitalistas. A pandemia interrompeu a vaga revolucionária mundial que vinha agitando o mundo, obrigando os trabalhadores ou a se isolarem em casa ou a se exporem todos os dias a condições precárias de trabalho. Essa nova situação deve ser acompanhada cotidianamente, diante da velocidade dos ataques que vem ocorrendo, exigindo das organizações dos trabalhadores análises da realidade concreta e respostas políticas no sentido de garantir direitos e apontar para caminhos e formas possíveis de luta.
Essa situação também exige dos revolucionários mudanças na sua forma de comunicação. Na tradição marxista a agitação e a propaganda sempre foram os meios centrais de comunicação. Os revolucionários sempre fizeram exposição de suas ideias por meio de jornais, brochuras e, no período mais recente, em espaços na internet. Essa história de mais de um século e meio de lutas permite tirar algumas lições, uma das quais é a de que, para cada situação específica, é preciso adaptar a ação das organizações dos trabalhadores, inclusive a agitação e a propaganda, buscando manter a coesão política e a disciplina. Um exemplo rápido: no começo do século XX, eram muito diferentes as atuações dos revolucionários alemães, que gozavam de uma relativa legalidade, e dos russos, cuja maior parte das atividades era ilegal, exigindo, portanto, formas diferentes de organização e difusão das posições políticas.
No Brasil atual, a legalidade burguesa garante algumas liberdades democráticas, como a possibilidade de publicar um jornal, a manutenção de um site de internet, a identificação pública dos militantes e uma limitada legalidade eleitoral. Contudo, a própria democracia burguesa impõe formas de controle e dificultam as atividades das organizações operárias, o que não tem nada de extraordinário. O estranho seria se a burguesia permitisse o pleno funcionamento das organizações que pretendem derrubar o capitalismo. Na atual situação de excepcionalidade, os revolucionários devem adaptar suas formas de atuação, levando em conta, entre outros fatores, que não há concentrações de rua onde possam fazer agitação e o fato de estarem afastados fisicamente da convivência das pessoas para as quais normalmente fazem propaganda.
No que se refere à propaganda, um elemento a se levar em conta está no fato de que muitas organizações abandonaram a publicação de jornais e passaram a se centrar na difusão de textos na internet. Não há nada de errado nisso, afinal é necessário divulgar o mais amplamente possível suas posições. O problema é que normalmente esses textos e demais materiais são produzidos fora de uma pauta política pré-estabelecida, buscando dar respostas diante da necessidade de debates momentâneos e conjunturais. Portanto, não se constituem em um material que centralize as posições da organização e, a partir disso, auxiliem a militância em sua atuação cotidiana. Segundo Lenin, é necessário um jornal pelo fato de que, “sem ele não será possível realizar de maneira sistemática um trabalho de propaganda e agitação múltiplo, baseado em princípios sólidos” (Lenin, Que fazer). Para Lenin, o jornal seria um “organizador coletivo”, comparando-o a um “andaime erguido em torno de um edifício em construção”, que garante a coesão teórica e política dos revolucionários (Lenin, Que fazer). No mesmo sentido, Trotsky apontava que o jornal seria um elo “entre os indivíduos; informa-lhes do que se passa e onde. O que dá alma a um jornal é uma informação atual, abundante e interessante” (Trotsky, Questões do modo de vida).
Uma questão importante passa pelo fato de que o jornal não deve ser entendido em seu sentido literal, como uma publicação impressa em papel. Pode-se trabalhar com uma publicação digital enquanto um instrumento de propaganda, desde que este mantenha seu caráter de organizador coletivo. Não se trata de publicar textos aleatórios sobre temas variados, mas do fato de que a publicação de um órgão virtual mantenha a forma de preparação e os objetivos do jornal impresso, sistematizando a política da organização e se constituindo em um instrumento de formação teórica e política. O jornal, portanto, precisa ser pensado de forma orgânica para o período específico para o qual se propõe sua intervenção, se constituindo no principal instrumento de orientação da organização.
Outro elemento teórico relevante tem a ver com a ideia de agitação e propaganda, afinal é comum associar o primeiro à intervenção sindical e o segundo à venda de materiais como jornais e brochuras. Não custa lembrar que para Lenin o propagandista “deve fornecer ‘muitas ideias’, tantas, que todas elas, juntas, só poderão ser assimiladas de imediato por um número (relativamente) limitado de pessoas. Já o agitador, ao tratar dessa mesma questão, escolherá um exemplo, o mais destacado e conhecido por seus ouvintes – suponhamos, uma família de desempregados morta de fome, a miséria crescente etc. –, e, aproveitando o conhecimento geral desse fato, irá se empenhar ao máximo para dar à ‘massa’ uma única ideia: a da absurda contradição entre o incremento da riqueza e o aumento da miséria; tratará de despertar na massa o descontentamento e a indignação contra essa flagrante injustiça, deixando ao propagandista a explicação completa da contradição. Por isso a atuação do propagandista se dá principalmente por meio da palavra impressa, enquanto o agitador intervém de viva voz” (Lenin, Que fazer).
Portanto, direta ou indiretamente, a agitação e a propaganda exigem um certo nível de contato entre as pessoas, o que se torna um complicador no período de isolamento social. Nesse contexto a internet se torna um importante instrumento de contato entre as pessoas e de divulgação dos materiais, mas constitui-se em um espaço bastante disperso onde circulam muitas informações. Além disso, toda a sua base se dá de forma escrita, ainda que seja apenas como suporte para vídeos e imagens, podendo gerar dificuldades de diferentes tipos para a pessoa que se pretende atingir. No ambiente virtual, para a agitação é possível escolher alguns tópicos e fazer chamadas curtas nas redes sociais, inserindo algum tipo de complemento visual. Quanto à propaganda, elemento principal passa por delinear claramente o público a ser atingido, procurando manter um diálogo o mais permanente possível, bem como propor debates ou outras atividades que contribuam na formação.
Neste momento, em que a vida dos trabalhadores é colocada em risco em nome do lucro dos capitalistas e em que as pessoas se veem emocionalmente afetadas pelo isolamento, é fundamental a atuação dos revolucionários. Cabe aos marxistas explicar para os trabalhadores o contexto político e apontar para caminhos que podem ser seguidos, que passam tanto pela luta por manter direitos como pela construção de uma nova sociedade. Por isso, neste momento, a agitação e a propaganda são centrais não apenas como forma de transmitir informações, mas principalmente para formar, organizar e preparar os trabalhadores para as lutas que serão travadas no futuro.