A topologia, a dona e a taça
Em boa parte deste texto falamos do infinito relacionado às matemáticas, mas o infinito real é muito mais complexo que sua expressão abstrata.
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A topologia, a dona e a taça
Em boa parte deste texto falamos do infinito relacionado às matemáticas, mas o infinito real é muito mais complexo que sua expressão abstrata. Para começar, o infinito matemático pode se referir a quantidades infinitas implícitas em uma magnitude finita – por exemplo, os infinitesimais contidos entre o zero e o 1 – ou aos infinitos números naturais que começam pela unidade.
No primeiro caso falamos de um infinito com princípio e fim – uma verdadeira contradição dialética –, no segundo, falamos de um infinito com princípio mas sem fim; nestes casos se trata do que Hegel chamava de “mal infinito” – um infinito com fim ou com princípio.
A unilateralidade do infinito matemático expressa a limitação própria do conhecimento humano, o fato de que deve começar pelo conhecimento do finito para alcançar o infinito. Um infinito com princípio mas sem fim é tão contraditório com um infinito com fim mas sem princípio.
Engels dizia que a única maneira de vencer o absurdo – e de assumir a contradição própria do infinito – é assumir que o infinito não tem princípio nem fim. Engels explica: “[…] Damos à infinidade do tempo um caráter incompleto e unilateral, e, como sabemos, uma infinidade incompleta, unilateral, é uma contradição lógica […] Só podemos superar esta contradição admitindo que a unidade da qual partirmos para contar a série, o ponto a partir do qual traçamos a linha, é uma unidade tomada arbitrariamente na série, um ponto tomado arbitrariamente na linha, de tal forma que resulta indiferente saber onde o colocamos em relação à linha ou à série” [1]. Por isso, um segmento finito é infinito, precisamente porque é parte de um mundo infinito.
Uma linha é um espaço abstrato de uma só dimensão e, por isso, o infinito que expressa é tão “mal infinito” como aquele que tem princípio ou fim. Além disso, o infinito numérico é um infinito quantitativo que não expressa por si mesmo adequadamente os infinitos qualitativos que existem na realidade. Embora a reta dos números oculte diferenças qualitativas como as dos números pares e ímpares, a dos positivos e negativos, a dos racionais e irracionais, a dos reais e imaginários etc., continua sendo um mundo abstrato que por si só não expressa os saltos qualitativos ricos e concretos da natureza.
As matemáticas modernas lograram representar qualidades mais complexas da realidade do que os simples espaços geométricos euclidianos. A topologia – onde as figuras e os espaços euclidianos são dobrados, deformados e retorcidos – representa de melhor forma o espaço curvado pelas imensas forças gravitacionais que Einstein descobriu. Mas a topologia trabalha com espaços isométricos, isto é, aquelas sucessivas deformações que se podem fazer sem que se quebre o espaço geométrico – por exemplo, as que se podem fazer com um globo sem que rebente ou com um pedaço de massa sem que se rompa; do ponto de vista topológico, uma dona é equivalente a uma taça com asa, visto que é possível deformar uma dona estirando-a e lhe formando uma cavidade de tal forma que se converta em uma taça. Uma esfera se pode converter em um vaso, mas não em uma taça, visto que a esfera e a taça não são topologicamente equivalentes. Por esta razão se diz que os “topólogos” são as únicas pessoas que tomam café em uma dona! [2].
Na topologia – devido à deformação do espaço – as linhas paralelas convergem e se cruzam e os ângulos de um triângulo são maiores que 180 graus. A geometria euclidiana – onde as paralelas nunca se tocam e onde os ângulos do triângulo devem sempre somar 180o – é na topologia um caso limite além do qual seus axiomas já não operam. No entanto, a topologia ainda continua tendo suas limitações ao não incorporar a ruptura e a quebra e, portanto, não contemplar características essenciais da realidade. É possível afirmar que o estudo matemático da quebra e da ruptura –processos centrais para o pensamento dialético – chegou com os fractais – de fato, “fractal” provém do latim “fractus”, que significa “fratura”, “ruptura” – e com a Teoria do Caos, que incorpora estruturas não diferenciáveis, estruturas tão fraturadas e irregulares que é impossível traçar uma tangente em seu perímetro.
O infinito do Caos
A teoria do caos – desenvolvida nos anos 1960 nos trabalhos dos cientistas soviéticos A. Kolmogorov e V. Arnold; S. Smale e E. Lorenz, nos EUA; D. Ruelle e R. Thom, na França – incorporou a ruptura, a quebra e os saltos às matemáticas, e nos dotaram de uma teoria mais completa e rica para entender os padrões e o desenvolvimento em diferentes tipos de processos: desde o clima até a dinâmica populacional, desde o fluxo turbulento até o jogo de bilhar, desde as perturbações que rompem a ordem cósmica criando novas estruturas até a dinâmica estatística do mundo subatômico. Ademais, tropeçou novamente com o infinito.
A Teoria do Caos estuda os fenômenos caóticos – aqueles que aparentemente são aleatórios – para encontrar o padrão subjacente que os determina – chamado de atrator estranho –, de tal forma que existe uma relação intrínseca entre o caos e a ordem muito mais complexa que os padrões lineares e unilateralmente deterministas de Newton. Ao mesmo tempo, estuda os processos que rompem a ordem e geram o caos. O caos pode se apresentar com processos que envolvem mais de duas variáveis, por exemplo, o vento que além de certo ponto torna caótico o movimento de um pêndulo ou os movimentos aleatórios de um pião antes que termine de girar. Em poucas palavras, a Teoria do Caos estuda a ordem que surge do caos e o caos que surge da ordem; estuda os fenômenos complexos que são suscetíveis às condições iniciais e que são os responsáveis de que seja impossível prever o clima além de cinco dias, mas que seja perfeitamente possível prever as mudanças da temperatura terrestre considerando longos períodos de tempo.
Em outros artigos estudamos a Teoria do Caos [3], agora nos interessa relacioná-la com o tema do infinito. Os padrões caóticos têm uma tendência subjacente – que se descobre com seu “atrator estranho” – que desde o ponto de vista geométrico descreve uma dimensão fractal. Como assinalamos, os fractais são estruturas geométricas que repetem sua estrutura a qualquer escala em que a examinemos. Os teóricos do Caos afirmam não somente que os fractais são o “rastro” do caos, como também que a maioria das estruturas da natureza são fractais: a árvore e seus ramos maiores e menores são fractais, o mesmo acontece com as nuvens, os nervos, as veias, o cérebro, as falhas geológicas etc. Os fractais são figuras infinitamente fraturadas e não lineares.
Em 1828, o botânico inglês Robert Brown descreveu um curioso movimento em ziguezague que se conhece na atualidade como “movimento browniano”. Uma partícula de pólen suspensa na água ou a poeira suspensa no ar descreve este assombroso movimento irregular – também as partículas nas gelatinas, a espuma, as emulsões e, em geral, toda suspensão coloidal. Se traçarmos os pontos pelos que passa uma partícula de poeira pelo espaço em um momento determinado (1 minuto por exemplo) e unirmos os pontos de forma imaginária, obteremos uma estrutura em ziguezague como a que se ilustra abaixo. Se nos perguntarmos o que se passou entre o ponto 1 e o 2, representado em nosso desenho por uma reta – traçando o movimento com pontos em um intervalo de tempo mais curto (por exemplo, 1 segundo) –, obteremos, nesse novo intervalo, outra estrutura em ziguezague similar ao anterior. O fenômeno se repete para tempos mais curtos, até o infinito. Trata-se de um fractal porque a estrutura se repete em diversos intervalos de tempo.
O movimento browniano nos obriga a aceitar que a partícula de poeira em um tempo finito está em infinitos momentos. Um movimento infinito em um tempo finito. Demonstra-se que em um tempo finito cabem infinitos momentos. Este tipo de contradições já havia sido expresso nos paradoxos de Zenon, somente que Zenon as expunha para demonstrar que o movimento é contraditório e, portanto, não devia existir, como assinalava seu mestre Parmênides (precursor da lógica formal). A única maneira de resolver as contradições de Zenon é aceitando a própria contradição.
Outro dos fractais mais antigos e “simples” é o idealizado e, ao mesmo tempo, descoberto por Cantor em 1883. Como vimos na segunda parte de nosso ensaio, trata-se de um monstro matemático que nem o próprio Cantor acreditava que pudesse existir: trata-se de uma estrutura auto-similar (fractal) que tem infinitos pontos, mas cuja longitude tende a zero. É difícil conceber algo assim. Na escola nos ensinaram que a reta pode ser definida como a soma dos pontos, a lógica formal nos assinala que quanto mais pontos contenha uma linha sua longitude será maior. Diz-se que a poeira de Cantor é mais que uma coleção de pontos, mas menos que uma linha. Quando Cantor compôs este fractal estava descobrindo, sem saber, a estrutura fractal de fenômenos como os finíssimos anéis de Saturno, as flutuações do preço do algodão, até as variações do nível do rio Nilo durante os últimos dois mil anos [4].
Posteriormente, o matemático sueco H. Koch construiu em 1904 uma curva infinitamente irregular conhecida como “curva de Koch”. A estrutura é assombrosa porque é finita (cabe em uma folha de papel) mas é infinita ao mesmo tempo. Se tentarmos medir o perímetro desta curva encontraremos uma cifra aproximada; mas se observarmos com uma lupa descobriremos irregularidades ou protuberâncias que não havíamos medido, utilizando um instrumento de medição mais preciso obteremos uma nova aproximação e assim ad infinito.
A dimensão desta curva é fracionária (dimensão Hausdorff), o que quer dizer que se aproxima a um número sem chegar nunca a ele. A curva de Koch está longe de ser uma simples curiosidade para as pessoas se entreterem, da mesma forma como as crianças ocupam o tempo cutucando o nariz: o perímetro de nuvens, de continentes, de fendas, de falhas, da membrana celular, da membrana nasal etc., são tão irregulares e contraditórios como a incrível curva de Koch.
A “embaladora de Sierpinski”, descrita pelo matemático polonês Waclaw Sierpinski em 1916, é um triângulo equilátero infinitamente furado com espaços em branco – na forma de triângulo invertido inserido – no triângulo negro inicial; repete-se, sucessivamente, o processo de “furação” com os 4 triângulos negros que resultam de cada operação. O resultado é uma estrutura onde a soma dos perímetros dos triângulos negros é infinito, enquanto que sua área tende a zero.
Novamente se desafia a lógica formal, visto que na matemática euclidiana a área aumenta em proporção ao perímetro. Neste fractal sucede o oposto: a área tende a zero na mesma proporção em que o perímetro se torna infinito. Este tipo de área é conhecido como área Sierpinski.
A versão tridimensional deste “monstro” é a “esponja de Menger” – pirâmide infinitamente furada com espaços piramidais. Foi composta pelo matemático vienense Karl Menger em 1926, quando investigava a “dimensão topológica” (matemática não-euclidiana, como vimos).
A área superficial da pirâmide é infinita enquanto que o volume tende a zero. O cérebro tem volume “Menger”, a Torre Eiffel é uma versão tosca do próprio fractal. Os átomos, por exemplo, parecem estar à borda da não existência e, ao mesmo tempo, são um dos níveis básicos da existência.
De acordo com os maravilhosos programas sobre ciência de Enrique Ganem, para imaginar a evanescente existência do átomo podemos fazer a seguinte representação mental: se o átomo de hidrogênio fosse do tamanho da Cidade do México, o núcleo de prótons seria do tamanho aproximado da área do Zócalo [Praça central na Cidade do México – NDT], os prótons seriam do tamanho de uma bola de basquete; e o elétron seria do tamanho do ponto de um “i” situado nos subúrbios da Cidade; o próton que está e não está se move a quilômetro e meio por segundo dentro de seu nível de energia em um movimento aleatório mas determinado pela constante Planck. A dialética entre o ser e o não ser é assim de contraditória.
Observemos uma fascinante viagem ao interior de uma espécie de esponja de Menger. Fica claro porque se usam as dimensões fractais para os efeitos especiais nas películas de Hollywood.
https://www.youtube.com/watch?v=bO9ugnn8DbE
Durante muito tempo os fractais não foram considerados mais que como “casos patológicos” ou curiosidades sem interesse. Não foi senão com o desenvolvimento dos processadores nos anos 1960 que os cientistas puderam construir estruturas que implicavam em uma sucessão infinita de operações matemáticas, encontrando com isso padrões fractais assombrosos. Terminemos a exposição de fractais com o que foi gerado, no final dos anos 1960, por Benoit Mandelbrot, engenheiro da IBM, estudando as propriedades dos Conjuntos de Julia; trata-se de um dos fractais conhecidos mais assombrosos.
O fractal de Mandelbrot é um fractal muito mais complexo que os fractais “lineares” que já vimos, que repetem a mesma figura até o infinito. Trata-se de um fractal irregular porque as estruturas infinitas que contém se repetem até certo ponto e dão origem a novas estruturas e padrões infinitos que, ao mesmo tempo, continuam contendo de forma subordinada, em algumas de suas infinitas protuberâncias, o fractal original. Isto é conhecido na dialética como “negação da negação”.
O vídeo a seguir é uma fascinante viagem ao interior do fractal de Mandelbrot.
https://www.youtube.com/watch?v=G_GBwuYuOOs
A estrutura do fractal de Mandelbrot aparece como um microcosmo infinito encerrado na curiosa figura do “boneco de neve”. Sugere a estrutura fractal do cosmo, mesmo que contenha infinitas estruturas em infinitos níveis: cúmulos de galáxias, galáxias, sistemas estrelares, corpos celestes, continentes, cordilheiras, corpos, moléculas, átomos, prótons, quarks, neutrinos etc. A comparação não é forçada visto que as próprias galáxias têm uma estrutura fractal [5].
Como já assinalamos, a maior parte das estruturas do universo são fractais pela simples razão de que o universo é complexo e contraditório, desde o mais simples e prosaico até o mais impressionante: as árvores, os brócolis, os repolhos, as nuvens, as montanhas, as veias, as artérias, as células, os continentes, as galáxias, a conversão térmica, os olhos das borboletas, o fluxo de líquidos e gases, a dinâmica da população, o clima, a música de Beethoven etc. Os cientistas continuam buscando “atratores estranhos” ou tendências subjacentes em fenômenos que à primeira vista parecem não obedecer a leis.
Engels e Marx, afinal, hão de estar rindo em seus túmulos: a estrutura do universo é fractal e assim dialética. O conhecimento do Caos promete ao ser humano a possibilidade de controlar fenômenos complexos. As perspectivas são assombrosas. Pelo menos – o que é uma pobre demonstração de suas potencialidades – a matemática fractal já é utilizada nos efeitos especiais de películas como “O senhor dos anéis”. Em vez dos desenhistas se dedicarem a desenhar cada montanha e fenda separadamente, utilizam a matemática fractal para gerar padrões automáticos que imitem montanhas, cavernas etc.
De acordo com uma simulação feita por uma equipe de cientistas conhecida como Giggle Z – simulação tridimensional que mapeia umas 220 mil galáxias em um volume de 3 bilhões de anos-luz – o universo observável é um enorme fractal… similar a uma colossal esponja tecida por milhares de supercúmulos de galáxias.
A religião do Big Bang, a ciência e a eternidade
“Alguns néscios declaram que um criador fez o mundo. A doutrina de que o mundo foi criado é equivocada e há que ser rejeitada. Se deus criou o mundo, onde estava ele antes da criação? […] Como pode deus ter feito o mundo sem materiais? Se dizes que os fez primeiro e logo fez o mundo, estás te enfrentando a uma regressão infinita… Hás de saber que o mundo não foi criado, como, ao mesmo tempo, não tem princípio nem fim” (Mahapurana, Índia, século IX).
A Bíblia diz que o mundo tem uma antiguidade de uns seis mil anos, a eternidade é coisa de deus, não da natureza nem dos homens pecadores. A religião hindu é menos tímida e diz que nosso universo surgiu de um ovo cósmico, do sonho de Brahma, há 8,64 bilhões de anos.
Apenas supera ao venerável hinduísmo a teoria do Big Bang – nossa moderna versão mitológica e religiosa da criação – com seus 12 bilhões de anos que supostamente nos separariam da origem do universo, a partir de uma suposta singularidade do tamanho de um átomo de hidrogênio – ou do tamanho de uma maçã, segundo outras versões – da qual explodiu todo o universo existente. O Vaticano diz que o impulso veio da mão de deus e os seguidores do Big Bang não têm argumentos para refutar o misticismo colocado de que nem o tempo nem o espaço existiam e que, portanto, a ciência se torna inútil.
O leitor interessado em se aprofundar sobre as contradições filosóficas e científicas da teoria do Big Bang pode ler o capítulo 9 de “Razão e Revolução”, de Ted Grant e Alan Woods, onde se faz uma recapitulação histórica desta teoria e se expõem algumas alternativas ao establishment, nós faremos aqui umas breves reflexões.
Como toda religião, o Big Bang falha ao conceber o começo do universo em sentido absoluto, antes do qual não havia nem espaço nem tempo. E apesar de que o efeito Doppler – que se observa com o corrimento ao vermelho dos objetos estelares – assinale um universo em expansão, o erro filosófico consiste em supor que o universo observável equivale a todo o universo existente e que se a parte do universo que observamos se encontra em expansão, então todo o universo se encontrava em um passado distante em um só ponto. Projeta-se um fato observado, em um espaço finito (de 12 bilhões de anos-luz de extensão), à totalidade do cosmo em todos os seus níveis.
Trata-se de um erro metafísico que converte em absoluta a noção de início, como os rabinos concebem como absoluto o Juízo Final. Pretende-se impor um início antes do qual é impossível de se saber nada, a negação mesma da ciência. Os defensores do Big Bang podem responder como o fanático religioso Lutero que, ante a pergunta irritante de um menino sobre o que estaria fazendo deus antes da criação, respondeu: “Estava fazendo interruptores para meninos que fazem perguntas néscias”.
Mas aceitar a ideia de um universo em expansão não implica rejeitar de antemão a ideia de que outras partes do universo se contraem de tal forma que expansões e colapsos, em um universo mais grande do que suspeitamos, aconteçam como um tipo de contraponto eterno, sem início nem fim. Como podemos afirmar isto? Sabemos que estrelas velhas e massivas explodem em supernovas, mas nenhum físico sério disse que essas supernovas são todo o universo; sabem que a explosão final de uma estrela morta é o início de outros processos, de novos sistemas, buracos negros, turbulência e síntese de novos elementos. Por que deveríamos conceber a expansão de nossa pequena franja de universo observável de forma diferente? Onde e quando a ciência encontrou provas de um princípio absoluto?
A história da ciência demonstra que todo princípio e fim são relativos, que as fronteiras de nosso universo e nossos conhecimentos se expandem de geração em geração numa lógica infindável, que não existe nada que nos leve a supor que nosso Big Bang é a origem de tudo. O que há de fundamental é uma suposição filosófica que abraça a religião de forma lamentável e vergonhosa, trata-se da total bancarrota da filosofia burguesa moderna infiltrada como um vírus na ciência. Mas, como toda barreira religiosa, será derrubada pela própria ciência e a teoria do Big Bang será absorvida e explicada por outra concepção de um cosmo infinito, com infinitos níveis, leis e fenômenos.
Por ora não sabemos qual será a concepção científica que sucederá à teoria do Big Bang, mas o que não sabemos agora o saberemos no futuro. Em um futuro não muito longínquo, a teoria do Big Bang – pelo menos como é concebida em nossos dias – será vista como não menos errônea que a da época onde o homem acreditava que a terra era o centro do universo, uma época metafísica onde o homem acreditou que o universo que pode observar é o único universo existente, uma etapa similar à das crianças que supõem que o mundo deixa de existir quando fecham os olhos.
Conclusão. Dialética e infinito
Como vimos, o homem esteve se reencontrando com o infinito através da história da ciência e da filosofia, é como um gênio maligno que o pensamento rígido e metafísico tenta meter de volta na garrafa – para que não perturbe mais às boas consciências – mas que nos reencontra nos lugares mais inusitados e nas épocas onde se acreditava havê-lo perdido para sempre. Mas o infinito não é algo que o homem possa encontrar ou que se lhe apresente de uma vez e para sempre. Como assinalou o velho Engels, ao infinito se lhe reconhece em um processo infinito. A única forma de aceitá-lo como membro respeitável e indispensável de nosso conhecimento científico e filosófico é aceitá-lo em suas contradições, isto é, de forma dialética.
Nosso conhecimento limitado e delimitado historicamente não abarcará nunca a totalidade do infinito, e, contudo, o inclui. Quando o ser humano – através da transformação da natureza – descobre as leis que regem o cosmo, está desvelando uma parte da imensidade infinita, conhecendo propriedades que ocorrem em infinitas partes do universo; é por isto que podemos escudrinhar a composição química das estrelas e galáxias mais longínquas – mediante a radiação de seu espectro – visto que estão feitas da mesma matéria presente na Terra; é por isso que podemos traçar um quadro dialético do universo embora nunca possamos ver esse quadro em sua totalidade.
O homem, em diversos momentos históricos, arranca verdades à eternidade, como quem toma uma uva de um cacho sem fim, uma uva que nos alimentará com seu néctar, nutrirá nosso conhecimento, mas que incessantemente – sob novas perspectivas e condições históricas – se mostrará amarga e insatisfatória. A existência do infinito se demonstra, dessa forma, em um processo sem fim, em uma sucessão progressiva e contraditória que tende ao infinito sem chegar jamais a ele.
O infinito abstraído pelas matemáticas e pela filosofia é, apesar da verdade que contém, uma pálida sombra do infinito real que se desdobra no tempo e no espaço, em infinitas estruturas qualitativamente distintas, com leis próprias que não se aplicam em outros níveis ou que se aplicam de forma subordinada. Engels – como sempre, com uma visão adiantada a seu tempo – refletiu sobre a noção insatisfatória de infinito matemático: “Eternidade no tempo, infinidade no espaço, essa coisa consiste, por si mesma, tomando as palavras no seu sentido literal, em não ter limite nenhum nem pela frente nem por detrás, nem acima nem abaixo, nem à direita nem à esquerda.
Essa infinidade é diferente da de uma série infinita porque esta começa sempre e necessariamente na unidade, em um primeiro termo. Essa representação de série é inaplicável ao nosso objetivo, como verificamos quando a aplicamos ao espaço. A série infinita adaptada ao mundo especial é uma linha tirada em direção ao infinito, a partir de um ponto determinado, numa direção determinada. Isso exprime, mesmo remotamente, a infinidade do espaço? Pelo contrário: bastam seis linhas tiradas a partir desse ponto único, em três direções opostas, para circunscrever as direções do espaço e teríamos assim seis dimensões” [6].
As limitações da geometria euclidiana se explicam, em parte, pelas limitações do mundo em que se desenvolve a vida cotidiana, uma vida onde a ingrata gravidade nos obriga a caminhar sobre uma superfície que para efeitos da vida diária se pode supor plana – embora não o seja – e onde as referências cardinais sobre o plano – norte, sul, leste, oeste – são mais que suficientes para se chegar na casa da vovó. Mas estes planos limitados são insuficientes em escala microcósmica e macrocósmica onde a matéria não se limita a se mover sobre um plano somente, onde a matéria se move a incríveis velocidades em direções infinitas.
As matemáticas tiveram que incorporar algumas destas dimensões criando o eixo dos números imaginários (a raiz quadrada de números negativos), operação necessária para, entre outras muitas coisas, visualizar o espaço quântico, ou aceitando novas dimensões matemáticas como as introduzidas por Riemann. Embora as dimensões Riemann tenham sido utilizadas para todo tipo de suposições que se avizinham à ficção científica – por exemplo a existência hipotética de universos paralelos – o interessante não é supor tantas dimensões arbitrárias quantas se quiser, e sim demonstrar sua existência pela via experimental, uma via que abre interessantes horizontes à investigação.
O infinito concreto da realidade assegura que o conhecimento humano não terá fim – pelo menos enquanto exista a raça humana – e que é um absurdo e uma presunção supor que o conhecimento historicamente determinado e que o que o homem logrou arrancar à natureza é absoluto e definitivo. O infinito assegura que não existe tal coisa de conhecimento definitivo, e sim somente conhecimentos condicionais, restritos; de um eterno movimento, desenvolvimento e desdobramento de uma natureza sem princípio nem fim. O único que é absoluto e definitivo é o universo material através de seu desenvolvimento eterno.
A sociedade humana não é mais que uma manifestação infinitesimal desse universo que, da mesma forma que no cálculo, resulta = 0 em comparação com o infinito material e a eternidade objetiva. Mas, embora o conhecimento humano e seus portadores não sejamos mais que uma parte infinitesimal do infinito, logramos tomar consciência de nosso lugar no universo e formarmos uma concepção do mundo que inclua o infinito, embora nunca o possa apreender por completo – mais que nas alucinações místicas do pensamento religioso. A humanidade é a matéria que adquiriu consciência de si mesma, de sua finitude como seres mortais e, ao mesmo tempo, de sua infinidade e eternidade como matéria constantemente cambiante.
Tratamos de argumentar que a concepção filosófica que, em nossa época, melhor se ajusta ao desenvolvimento infinito do cosmo é o materialismo dialético fundado por Marx e Engels, uma concepção aberta ao infinito, que o pressupõe e do qual não é mais que sua elaboração abstrata; uma concepção indispensável para a transformação revolucionária e consciente da realidade. Futuras transformações sociais nos aportarão métodos filosóficos, científicos e matemáticos mais profundos e satisfatórios; antes, temos de destruir o principal obstáculo que se abre à frente do desenvolvimento contraditório e sem fim da humanidade e seu conhecimento: o sistema capitalista que ameaça a continuidade da vida na terra, a cultura e a civilização.
Uma vez derrubado este obstáculo, a conquista de novos infinitos será questão de tempo.
Tradução de Fabiano Adalberto
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NOTAS
[1].- Engels, Anti Dühring, Grijalbo, México, 1975, p. 38.
[2].- La explicación y la broma sobre la taza y la dona se la debemos a la lectura del libro de Fausto Ongay que ya hemos citado (véase las pp. 102-109).
[3].- “El materialismo dialéctico y la ciencia”, siguiendo la estela dejada por Ted Grant y Alan Woods, exploramos las implicaciones dialécticas de la Teoría de Caos, también en “Dialéctica en el Caos, Fractales y Razón Dorada” del que hemos tomado parte del texto sobre fractales; ambos textos disponibles en la red.
[4].- Talanquer, Vicente; Fractus, fracta, fractal, p. 26.
[5].- Sametband, José M; Entre el orden y el caos, p. 98.
[6].- Engels, Anti Dühring, Grijalbo, México, 1975.p. 37