O processo de escolha do candidato do Partido Democrata à presidência dos Estados Unidos mostrou nas últimas semanas a unidade dos diferentes setores da burguesia para barrar a candidatura de Bernie Sanders. Embora tenha conquistado um excelente começo na disputa interna do partido, Sanders a cada semana vai perdendo espaço em meio ao viciado sistema eleitoral estadunidense. Os mais recentes resultados na escolha de delegados para a convenção democrata mostraram a consolidação da unidade do partido em torno de Joe Biden, ex-vice-presidente de Obama.
Sanders ganhou notoriedade há quatro anos na disputa com Hillary Clinton pela preferência do eleitorado democrata na corrida pela Casa Branca. Derrotado pelo aparato partidário, Sanders falava em um “socialismo democrático” e apresentava em seu programa um conjunto de medidas que visavam um certo “estado de bem estar social”, abertamente elogiando o modelo socialdemocrata escandinavo. No centro do debate travado na atual disputa está a saúde, com Sanders defendendo um sistema público e universal. O tema ganhou ainda mais força no debate ocorrido no último domingo, diante da piora no quadro da Covid-19. Sanders reafirmou sua proposta, enquanto Biden disse que a intervenção estatal seria justificada somente em um cenário excepcional como o atual.
O movimento em torno de Sanders vem mostrando que existe um grande espaço político para uma alternativa socialista, expressando o processo de lutas e greves da classe trabalhadora nos últimos anos. Essas lutas e mobilizações se expressam de forma distorcida na disputa do Partido Democrata. As primeiras disputas de delegados expressaram a fragmentação do partido, com diversas candidaturas defendendo as mais diversa posições, da direita reacionária ao “socialismo” de Sanders.
A fragmentação expressa a crise do establishment não apenas democrata, mas do próprio bipartidarismo. A vitória de Trump quatro anos atrás e a permanência da força de Sanders mostram que o eleitorado prefere nomes que não estejam diretamente associados à cúpula dos dois partidos. Além disso, pesquisas de opinião têm apontado o crescimento de posições que expressam a desconfiança da população no bipartidarismo, onde os dois partidos, apesar de diferenças pontuais, têm o mesmo conteúdo de defesa do capitalismo e da política imperialista.
Neste ano, Sanders venceu as três primeiras disputas internas em número de votos. Biden teve uma votação bastante abaixo das expectativas, conseguindo 15 delegados contra 45 de Sanders. Contudo, em resposta ao cenário de crise e instabilidade internas, a direção democrata tratou de construir a unidade partidária em torno de Biden. Na quarta semana de disputas, esse movimento levou Biden a uma importante vitória na Carolina do Sul, conquistando 39 dos 54 delegados em disputa.
Essa mobilização da direção partidária se concretizou na chamada Super Terça, em 3 de março, quando foram disputados um total de 1.344 delegados. Biden venceu em 10 dos estados em disputa e Sanders em apenas 4. Embora Sanders tenha vencido na Califórnia, maior colégio eleitoral, Biden se consolidou como nome de consenso da maior parte do partido. Isso ficou ainda mais claro na semana seguinte, com vitória de Biden em 4 estados contra 2 de Sanders, além do empate em Washington. Sanders conta agora com 736 delegados contra 890 de Biden, embora esse número já seja maior do que mil, se for considerado o apoio dos chamados super delegados (parlamentares e dirigentes partidários que são delegados natos na convenção partidária e que garantem o controle da cúpula no processo de escolha).
O movimento da cúpula partidária para estancar qualquer crise interna e evitar um movimento de base que ameaçasse escapar ao seu controle foi garantido pela desistência de alguns candidatos, em favor de Biden, como Buttigieg, ex-prefeito de Indiana que teve boas votações nas primeiras disputas das primárias, Amy Klobuchar, que flerta com posições social-democratas, e o milionário Michael Bloomberg, ex-prefeito de Nova York. Também deixou a disputa a senadora Elizabeth Warren, bastante progressistas se considerado o conjunto do partido, que se mantém neutra na disputa, embora grande parte de seus apoiadores tenha migrado para Sanders. No debate deste domingo, Biden e Sanders prometeram indicar uma mulher como vice-presidente, ao que parece tentando conquistar o apoio de Warren.
Sanders se tornou a principal figura de um imponente movimento de trabalhadores e jovens e conta com o apoio de figuras e organizações de importância política da esquerda, como a deputada Alexandria Ocasio-Cortez, o DSA (em português, Socialistas Democráticos da América) e a revista Jacobin. Contudo, tem gastado energia tentado minimizar as críticas que sofre de dentro do partido e, sem sucesso, vendendo a imagem de um leal democrata.
Os esforços do amplo movimento de base em torno de Sanders deveriam ser voltados não para uma disputa que desde o começo se sabe perdida por dentro do Partido Democrata, mas na construção de um novo partido, dos e pelos trabalhadores. Os dois grandes partidos representantes do imperialismo vão tentando manter vivo o sistema político apodrecido estadunidense, em meio a uma rebelião mundial dos trabalhadores. Sanders e seus apoiadores deveriam desde já mostrar a necessidade de romper com o bipartidarismo apodrecido e lutar pela auto-organização dos trabalhadores.