Todos os anos o Rio Solimões, um dos grandes afluentes que formam o Rio Amazonas, passa por um regime de cheia e vazante que pode levar a uma diferença de até 17 metros entre o ponto mais baixo e o ponto mais alto alcançado pelas águas.
O fenômeno é provocado por uma série de fatores, entre ele as chuvas na “cabeceira” dos rios, isto é, nas áreas próximas à sua nascente. Esse volume extra de água vai descendo pelo curso do rio em direção ao Atlântico até a foz nas proximidades de Macapá, Amapá.
Dessa forma, as águas invadem as áreas de várzea por um longo período, deixando secas somente as regiões mais altas conhecidas como “terra firme”. No entanto, quando vem a vazante, a enorme quantidade de nutrientes transportados pelo Solimões torna a várzea um terreno fértil pronto para receber as plantações de mandioca, feijão, milho, arroz e hortaliças.
Esse fenômeno natural foi conhecido e aproveitado durante milênios pelos povos que viveram na Amazônia, entre eles civilizações grandes e bastante complexas. Os indígenas, ribeirinhos e quilombolas que hoje vivem na região também conhecem o regime das águas e adaptam suas casas, pastos e plantações para evitar perdas e aproveitar a fertilidade da várzea.
No entanto, com a urbanização caótica que as grandes cidades amazônicas viveram nas últimas décadas, principalmente Manaus, a cheia se torna um problema grave de saúde pública.
Manaus não é banhada pelo Solimões, mas pelo Rio Negro, segundo grande afluente que forma o Rio Amazonas. No entanto o Solimões é um rio que corre mais rápido e é mais pesado, por isso consegue “represar” o Negro e empurrá-lo em direção à cidade. Assim, todos os anos diversos bairros operários da cidade que ficam nas áreas de várzea são inundados por águas poluídas que aumentam a incidência de doenças de veiculação hídrica e acidentes.
Embora o fenômeno seja natural, o drama enfrentado pelas famílias que vivem nesses locais nada tem de normal. Trata-se da política habitacional do capitalismo, em que a especulação imobiliária empurra os trabalhadores mais pobres para áreas de risco e sem infraestrutura mínima enquanto as melhores áreas são destinadas àqueles que podem pagar mais. No caso de Manaus, isso se reflete entre quem mora nas áreas alagadiças e quem mora em terra firme.
Não há conclusões definitivas, mas evidências apontam que nos últimos anos as mudanças climáticas podem ter afetado o regime dos rios. Isso significa uma frequência maior da incidência de grandes cheias e grandes vazantes que se transformam em secas severas como a de 2005.
A maior cheia já registrada foi a de 2012, que alagou diversos bairros e todo o Centro Histórico de Manaus. A segunda maior havia ocorrido em 2009 e, pela altura em que as águas já se encontram agora, antes do pico da cheia, é provável que tenhamos um novo recorde este ano.
O problema da moradia
A problema habitacional em Manaus não é novo. Desde o auge da economia da borracha, quando Manaus era conhecida como “A Paris dos Trópicos”, a urbanização era reduzida a um pequeno perímetro onde viviam as famílias ricas. Os trabalhadores viviam em bairros do outro lado do rio e se acotovelavam todos os dias em embarcações para atravessar de uma margem à outra.
Até o fim dos anos 1960, uma enorme quantidade de casas flutuantes se aglomerava próximo à margem do Rio Negro formando o que era conhecido como “Cidade Flutuante”. Ao todo eram quase 12 mil moradores, número que superava diversos bairros e até municípios do estado na época.
Esse fenômeno se devia a diversos fatores, entre eles o fato de que os trabalhadores necessitavam estar próximos ao centro comercial, onde estavam seus empregos, mas não podiam pagar por moradias no que era a região mais valorizada da cidade.
Diversos esforços foram feitos para acabar com a Cidade Flutuante, até que em 1966 as casas foram definitivamente derrubadas e os moradores removidos para outros bairros da cidade. Nos anos 1970 uma nova Cidade Flutuante começou a se formar em um bairro vizinho ao Centro, dessa vez devido à enorme quantidade de migrantes que buscavam empregos no recém-formado Polo Industrial de Manaus.
A solução dessa vez foi criar um bairro, a Cidade Nova, que era tão longe e tinha acesso tão difícil que foi preciso inventar um novo tipo de transporte público para chegar até lá: os “manecões”, como ficaram conhecidos por causa do então prefeito Manoel Ribeiro. Tratava-se de vagões de ônibus atracados na carroceria de cavalos mecânicos, único veículo com tração suficiente para superar as ladeiras e caminhos de terra.
Desde então, principalmente a partir dos anos 1990, a cidade cresceu a partir de invasões em sua periferia que aos poucos se transformaram em bairros. Muitas pessoas, no entanto, ainda viviam em palafitas nas margens do rio e dos igarapés.
Nos anos 2000 um novo projeto prometeu “revitalizar” essas áreas, substituindo as casas de madeira por blocos de apartamento que eram dados a parte dos antigos moradores. Aqueles que não receberam os apartamentos tiveram que se contentar com indenizações em dinheiro que de tão baixas não permitiam comprar novos imóveis nem nas áreas mais afastadas. O que se viu foi parte dos antigos moradores aderindo a invasões e parte retornando aos locais onde moravam ou se deslocando para novas áreas de palafita.
Nos anos 2010, com o Minha Casa Minha Vida lançado pelo governo do PT para salvar as grandes construtoras da crise de 2008, Manaus viveu um movimento semelhante ao de diversas outras grandes cidades brasileiras. Conjuntos habitacionais gigantescos foram criados para serem “dados” pelos governos e prefeituras, um presente político do PT aos caciques locais.
Distantes do centro da cidade, de péssima qualidade e sem escolas, saúde e lazer por perto, esses conjuntos obrigam seus moradores a enormes deslocamentos para chegar ao trabalho, ir à escola ou simplesmente visitar um posto de saúde. Além de tudo não são gratuitos, os moradores precisam pagar taxas de financiamento, além de água, luz e condomínio, gastos aos quais a maioria não estava habituada e nem tem como pagar.
Embora seja proibido, muitos vendem ou alugam esses imóveis e voltam a morar em áreas mais próximas ao Centro, onde estão mais próximos de seus empregos e podem ter acesso a serviços públicos. Muitas dessas áreas são também as que mais sofrem alagamentos com as cheias do rio.
O problema é o capitalismo
A moradia é um direito, mas sob o capitalismo se torna mercadoria e objeto de especulação. No mundo inteiro existem mais imóveis vazios do que pessoas sem casa para morar, mas as grandes construtoras e incorporadoras não podem permitir que todos tenham acesso a esse direito, pois isso levaria à redução drástica dos preços. Os grandes fundos de investimento apostam a fortuna de seus investidores na especulação imobiliário e não podem permitir isso.
A única maneira de acabar com o déficit habitacional e garantir que todos tenham um teto para morar com acesso a toda a estrutura necessária para suas necessidades básicas é acabar com o capitalismo, verdadeiro responsável pela escassez artificial em que vivemos.
Somente uma economia nacional planificada sob controle dos trabalhadores, ou seja, somente o socialismo pode garantir que todos os recursos sejam utilizados para satisfazer as necessidades humanas e não a fome de lucros da burguesia.