Crescimento econômico em meio à crise?

Dados do IBGE afirmam, que o PIB do Brasil variou positivamente 3,9%1 no acumulado de 12 meses e as expectativas do mercado sugerem um crescimento do PIB de 4,71% para 2021 (Boletim Focus, 03/12/21)2, projeção reduzida em relação as últimas quatro semanas. A redução das projeções está de acordo com os últimos dados trimestrais em que a economia brasileira está em recessão técnica, ou seja, dois trimestres consecutivos sem crescimento no PIB, indicando que, mesmo com as festas de final de ano, a economia não deve crescer os 5,3%3 prometidos por Paulo Guedes. Contudo, o fato incontestável da realidade é que o crescimento econômico apontado nos dados acima não é sentido na melhoria das condições de vida dos trabalhadores e a pequena-burguesia amarga cada vez mais sua proletarização. Por que isso acontece?

O modo de produção capitalista se organiza e funciona através do rompimento e recomposição do equilíbrio entre superprodução e crises, entre boom econômico e recessão. O desenvolvimento da escala de produção, isto é, o aumento da quantidade total de produtos produzidos e, portanto, a redução de custos possibilitada por esse aumento é uma lei obrigatória para todo capital. Mas essa expansão da produção nem sempre é acompanhada pela expansão do mercado, gerando uma colisão, a crise.

“A colisão é inevitável e como é sem solução, a não ser quebrando a forma capitalista da produção, essa colisão torna-se periódica. Eis aí um novo círculo vicioso no qual se move a produção capitalista.” – Do socialismo utópico ao socialismo científico, F. Engels, pg. 84. Editora Edipro.

Há uma desorganização da produção capitalista nessas colisões. Os mercados se atravancam, o comércio paralisa, como estamos vendo atualmente na crise dos contêineres, que por sua vez tem como resultado a elevação do custo do frete marítimo, responsável por transportar 80% de tudo que é consumido no mundo. Esse encarecimento é finalmente repassado aos consumidores, elevando o preço de diversos seguimentos (como tecnologia, vestuário e alimentos), além de promover a concentração do capital, uma vez que as empresas menores têm menor capacidade para custear a elevação dos aumentos, que é de cerca de quatro vezes entre EUA e China; sete vezes mais para fretes entre China e Europa e transportes entre China e América do Sul, a alta chega a quase três vezes mais.4

Outros elementos dessa inevitável colisão é que a moeda sai de circulação e o crédito desaparece, explica Engels. A redução da base monetária, chamada M25, está caindo vertiginosamente no último ano na União Europeia, EUA e no Brasil.6  Além disso, a alta das taxas de juros encarecem o crédito, tornando-o mais indisponível para famílias e empresas, e se ainda há uma pequena elevação nos índices de crédito7 é porque sem essa via, o consumo estancaria ainda mais, mas a tendencia é que também essa via seja consumida em pouco tempo.

O fechamento de fábricas e as massas operárias sem meios de subsistência são dois outros elementos da crise capitalista que são os mais visíveis aos olhos de todos e sentidas na pele dos mais pobres, sendo os casos mais notórios o fechamento da Ford no ano passado e a terrível situação de famílias pegando alimentos do caminhão de lixo, as filas para comprar ossos. Em paralelo, um enorme desperdício e destruição de produtos e forças produtivas se evidencia, com o aumento do endividamento das famílias e empresas.

A superprodução de outrora, o excesso de forças produtivas criadas, não podem ser transformadas em capital, então as forças cessam de trabalhar, amplia-se o exército industrial de reserva. Os níveis de desemprego explodem no mundo inteiro.

“Meios de produção, meios de subsistência, trabalhadores disponíveis, todos os elementos da produção e da riqueza abundam, mas, como diz Fourier, a abundância torna-se fonte de penúria e miséria, porque é ela que impede os meios de produção e subsistência de se transformarem em capital.” – Do socialismo utópico ao socialismo científico, F. Engels, pg. 85. Editora Edipro.

Como podemos ver, ainda que a produção tenha sido aquecida no último período, devido ao retorno presencial de diversas atividades econômicas, há mais elementos de crise do que de recuperação no crescimento econômico observado nos dados do IBGE, daí a “recessão técnica”, um termo mais confortável para dizer que já se esgotou o fôlego do crescimento e não só no Brasil, mas no mundo, há uma desaceleração, a crise continua, um indicativo disso é que as expectativas do Boletim Focus para o crescimento do PIB no Brasil também foram reduzidas, apontando para um pífio crescimento de 1,4%, em 2022.

Esse “crescimento”, diga-se de passagem, assim como o desse ano, não é suficiente para absorver o rombo na economia que estamos vivendo desde 2010, quando o PIB real começa a cair, ficando negativo em 2015 e 2016. O crescimento real positivo de 2017, 2018 e 2019 sequer foi suficiente para recuperar a recessão dos anos anteriores, que também já dava sinais de esgotamento e a crise é agravada pela pandemia mundial, derrubando novamente o PIB real em 2020 para níveis negativos, conforme mostra o gráfico abaixo.8

É por isso que não sentimos efeito desse “crescimento” acumulado em 2021, os ganhos ainda sequer foram suficientes para cobrir as perdas. Estamos muito longe de uma recomposição real das condições de vida perdidas nesses anos de crise. Além disso, o remédio, além de não ter efeito, também é amargo. Este crescimento é resultado de uma intensificação da exploração dos trabalhadores, perdas no padrão de vida e redução dos salários, como veremos adiante.

O caráter da crise capitalista em que vivemos

O caráter dessa crise expressa de maneira contundente a decomposição do sistema capitalista, suas contradições e sua incapacidade.

“O fato de que o capitalismo continua a oscilar ciclicamente depois da guerra apenas significa que o capitalismo ainda não está morto, que não estamos lidando com um cadáver. Enquanto o capitalismo não for derrubado pela revolução proletária, ele continuará a viver por ciclos, subindo e descendo. Crises e booms são inerentes ao capitalismo desde o seu nascimento; o acompanharão até seu túmulo. Mas para determinar a idade do capitalismo e sua condição geral – estabelecer se ele ainda está se desenvolvendo ou se ele está maduro ou em declínio – deve-se diagnosticar o caráter dos ciclos.” – A situação mundial, junho de 1921, L. Trotsky. O imperialismo e a crise da economia mundial, pg. 36. Editora Sundermann.

Esse trecho foi utilizado no discurso de Leon Trotsky para o III Congresso da Internacional Comunista, onde ele combina uma importante análise da situação econômica pós guerra com as tarefas da internacional. Um debate é estabelecido sobre a curva de desenvolvimento capitalista e as flutuações econômicas (crises e booms).

“Como as flutuações cíclicas se combinam com o movimento primário da curva capitalista do desenvolvimento? Muito simples. Nos períodos de rápido desenvolvimento capitalista as crises são breves e de caráter superficial, enquanto os booms são duradouros e de longo alcance. Nos períodos de declínio capitalista, as crises são de um caráter prolongado enquanto os booms são fugazes, superficiais e especulativos. Nos períodos de estagnação as flutuações ocorrem sobre o mesmo nível.”  – A situação mundial, junho de 1921, L. Trotsky. O imperialismo e a crise da economia mundial, pg. 37, Editora Sundermann

Trotsky segue explicando que o boom observado no período pós primeira guerra mundial tinha um caráter fictício e especulativo. Aquele era um contexto muito diferente do contexto atual, mas há um aspecto muito similar que é a resposta da burguesia ao período de desmobilização pós-guerra.  A primeira guerra mundial, uma guerra imperialista, para dividir o mundo entre as principais potências da época, destruiu enormemente as forças produtivas. Milhões de mortos, incapacitados e um grande trauma social, além da destruição física de cidades inteiras e suas instalações. Quando a guerra acabou a burguesia temia que os trabalhadores se insurgissem contra os padrões de vida ainda mais baixos do que antes da guerra, contra a miséria e desemprego.

“Os governos continuaram a pôr em circulação grandes quantidades de papel-moeda, lançaram novos empréstimos, regularam os lucros, salários e preços do pão, subsidiando assim os ganhos dos trabalhadores desmobilizados e desfalcando os fundos nacionais básicos, criando uma renovação econômica artificial do país. Assim, durante esse intervalo, o capital fictício continuou a aumentar, especialmente naqueles países onde a indústria continuou a afundar.” – A situação mundial, junho de 1921, L. Trotsky. O imperialismo e a crise da economia mundial, pg. 39, Editora Sundermann

Embora em nossa época a regulação de preços não tenha sido organizada pela burguesia, ela foi obrigada pelas circunstâncias da crise agravada pela pandemia, a encontrar um meio para subsidiar, ainda que minimamente, as perdas dos trabalhadores, para a manutenção do consumo, isso é, da realização na esfera da circulação da mais-valia produzida e, portanto, da realização de seus lucros. Note-se que os subsídios em nosso caso não são provenientes de transferências de renda dos mais ricos para os pobres, via impostos ou taxas, mas dos cofres públicos, ampliando o endividamento que alimenta a especulação e os bolsos dos parasitas financeiros. Não há nada de “humano” para esses senhores nas ideias como renda básica universal9, auxílio emergencial10, Auxílio Brasil11. Além disso, se o M2, como explicado anteriormente, está caindo no último ano, por outro lado, o crédito ampliado, para empresas e famílias, teve um pequeno aumento (claro que com aumento de custos), como demonstram as estatísticas monetárias e de crédito do Banco Central.12

Esse recurso não está sendo utilizado somente agora, mas tem sido o recurso da burguesia a nível mundial desde a crise de 2008, inflando o mercado com dinheiro eletrônico novo, a política monetária chamada Quantitative Easing ou Flexibilização Quantitativa. É uma forma artificial de controlar a economia, buscando incentivar investimentos e consumo das famílias, quando, por exemplo, esse objetivo não é alcançado por meio da redução das taxas de juros – outra política monetária que se esgotou a partir da crise de 2008 para diversas economias, como o Japão e alguns países da Europa que operam em taxas de juros negativas (a pessoa paga para investir).

Se, por um lado, e por um breve período, a burguesia consegue algum alívio, essa situação não tem um caráter prolongado e já vemos no mundo inteiro o esgotamento do crescimento pós reabertura da economia. Ainda assim, esse breve respiro está dentro do contexto da crise mundial de 2008, que a burguesia a nível mundial não foi capaz de resolver, apenas a postergou de maneira artificial e especulativa, sendo evidente o empobrecimento geral e a redução do comércio exterior.

“Quanto mais pobre essa economia se torna, mais rica é a imagem refletida por esse espelho do capital fictício. Ao mesmo tempo, a criação deste capital fictício significa, como veremos, que as classes compartilham de diferentes modos na distribuição da renda e riquezas nacionais que gradualmente se restringem.”  – A situação mundial, junho de 1921, L. Trotsky. O imperialismo e a crise da economia mundial, pg. 20, Editora Sundermann

O conjunto de políticas utilizadas pela burguesia para “resolver” a crise em 2008 e de agora está levando a um aumento das dívidas públicas em todo o mundo. As estimativas apontam que até 31 de dezembro de 2021, o estoque da dívida dos países alcance U$S 272 trilhões, ou seja, 365% do PIB mundial. Isso significa dizer que o mundo está mais endividado agora do que no período da segunda guerra mundial (1939-1945). Entre os países chamados “emergentes”, o Brasil tem a pior relação Dívida/PIB, chegando a 90,6% em setembro, segundo Roberto Campos, presidente do Banco Central.13

Em paralelo, se no início de 2020 as bolsas estavam caindo, uma forte retomada tomou conta do mercado e o volume financeiro da Bolsa B3 bateu recorde em 2021. Até 30 de novembro, foram movimentados R$6,65 trilhões. Esse volume vem quebrando recordes desde 2015 segundo levantamento feito pela Economatica.14

O mesmo ocorre em diversas bolsas no mundo inteiro.15 Para entender como isso se conecta com a economia e com nossas vidas, explicamos em outro artigo:

“As crises de superprodução, como a que vivemos agora, são períodos em que a taxa de lucro começa a cair e necessita de uma reação dos capitalistas. Essa reação é também expressa na busca pelo aumento da produtividade dos trabalhadores, isto é, que se produza mais com o mesmo dispêndio de força de trabalho. O aumento da produtividade contém a queda da taxa de lucro e, ao mesmo tempo, contribui para aumentar o volume de lucro do capitalista. 

Uma ação é avaliada com base no lucro da empresa. O Lucro Por Ação (LPA) é calculado pela relação entre lucro líquido e base acionária. Portanto, quanto maior for o lucro líquido da empresa, diante da mesma base acionária, o LPA é maior e mais valiosa é a ação. Dessa maneira, podemos relacionar o mercado acionário com a economia real.”16 

A quebra de recordes dos índices das bolsas, o aumento do volume financeiro movimentado por elas, indica que houve aumento da produtividade do trabalho, refreando a tendência à queda da taxa de lucro e aumentando a massa de lucro dos capitalistas que negociam ações de suas empresas na bolsa.  Esse aumento da produtividade do trabalho já foi registrado em dados.

“Em 2020, produtividade por hora trabalhada teve crescimento de 4% na média mundial, segundo dados do Conference Board. Um dado surpreendente é que o crescimento da produtividade foi maior em economias emergentes e em desenvolvimento (5,3%) que nas economias avançadas (1,1%). Na média da América Latina houve um aumento de 10,5% e no Brasil foi registrado crescimento de 12,2%. Essas evidências sugerem que o fator preponderante para esse aumento da produtividade provavelmente não foi a incorporação de novas tecnologias, que deveria beneficiar mais as economias avançadas.”17

O aumento da produtividade se deu com maior intensificação da exploração da força de trabalho, corte de direitos, aumento das horas trabalhadas, aumento da precarização do trabalho e do trabalho informal, além da pressão do desemprego sobre aqueles que continuaram trabalhando, reduzindo salários e direitos. O homeoffice foi utilizado pela burguesia para eliminar ou reduzir seus custos com estrutura, sem recompor os trabalhadores por isso, além de que, trabalhando em casa, muitos foram ainda mais exigidos a permanecer conectados por mais tempo do que usualmente.

Uma forte pressão da burguesia é exercida sobre os salários diretos e indiretos – serviços públicos sendo privatizados, precarizados e/ou terceirizados. O aumento dos lucros é constatado em seguida, como explicou Trotsky anteriormente. O lucro líquido das 291 companhias com ações na B3 somou R$128,24 bilhões, um aumento de 139% em relação a 2019.18 Além disso, há também o componente especulativo, no ano passado quando diversas bolsas tiveram desempenhos negativos, muitos capitalistas aproveitaram o momento para comprar ações de algumas empresas, a partir das expectativas de lucro. Com esses recordes, o próximo passo é vender essas ações, sem compromisso algum com a produção real.

Mas, dissemos anteriormente que há um evidente empobrecimento geral. Como é possível recordes de lucro nas empresas da B3, dados de crescimento econômico que não são sentidos pelos trabalhadores? Se ainda não ficou claro com os argumentos acima, o fato é que, como em toda a crise, o capitalismo realiza um “ajuste” no mercado, esse “ajuste” ocorre através da concentração de riqueza.

“Em 2020, quase a metade da riqueza do país foi toda para a mão do 1% mais rico da população: 49,6%. Em 2019, eles detinham 46,9%. É também o pior nível de concentração de renda desde pelo menos 2000, de acordo com o relatório: naquele ano, o 1% mais rico era dono de 44,2% das riquezas no Brasil e, em 2010, esse número havia caído para 40,5%, a menor proporção registrada no período.”19 No mundo, a concentração de renda também galopa.

Houve uma recuperação econômica de poucos trimestres na economia global e brasileira, devido principalmente a reabertura, mas, de maneira nenhuma essa pequena recuperação pode ser identificada como uma tendência de crescimento e muito menos de desenvolvimento capitalista. Continuamos sob os efeitos da crise de 2008, “resolvida” de maneira superficial e especulativa, que começou a dar sinais de uma nova explosão em 2018-2019, sendo agravada pela pandemia do novo coronavírus. É uma crise de caráter prolongado, enquanto sua recuperação é breve e fugaz. É uma crise característica de uma fase de declínio do sistema capitalista e que não apresenta perspectiva de resolução sob suas bases.

Perspectivas

O Banco Mundial projeta um crescimento do PIB mundial de 4,3% para 2022 e 3,1% para 2023. Como vemos, não há uma expectativa de sustentação do crescimento. Sua projeção que “até 2022, as perdas de renda per capita não terão sido totalmente recuperadas em cerca de dois terços das economias emergentes e em desenvolvimento” e que “a perspectiva global continua sujeita a riscos negativos significativos, incluindo a possibilidade de novas ondas de Covid-19 e tensão financeira em meio aos altos níveis de endividamento das economias emergentes e em desenvolvimento”. Sua orientação aos governos é que encontrem o equilíbrio entre a recuperação, a estabilidade dos preços e sustentabilidade fiscal, além de reformas para estimular o crescimento.20 Essa orientação, no entanto, é muito fácil de ser escrita e muito difícil de ser aplicada sob bases capitalistas.

Para obter o equilíbrio é preciso acumular capital e para isso a burguesia necessita pressionar ainda mais por aumentos de produtividade, isto é, intensificar ainda mais pressão sobre os trabalhadores para retirar parcelas ainda maiores da renda nacional, intensificando a exploração, reduzindo salários reais e nominais através da inflação e de reajustes insuficientes, repassando perdas aos consumidores com elevação de preços, realizando contrarreformas para privatização ou precarização de serviços públicos, ampliando a terceirização e precarização das relações de trabalho.

Para manter a “sustentabilidade fiscal”, ou seja, continuar pagando a Dívida Pública, precisará cortar recursos de serviços públicos indispensáveis como saúde, educação, ciência21, previdência, assistência etc.

Um estudo da FGV aponta que apenas em 2025 haverá uma recuperação econômica para os níveis pré-pandemia. A expectativa da FGV é que a geração de empregos aumentará apenas em 2026 e a massa salarial dos trabalhadores se manterá nos níveis pré-pandemia, ou seja, não há expectativa de ganho salarial.22

Aliás, a redução de salário real que temos experimentado através da escalada inflacionária nos preços alimentícios, principalmente da carne bovina, o que tem feito milhões de brasileiros perderem o acesso ao item, deve continuar. Recentemente o embargo da China23 para a carne bovina brasileira foi retirado, o que significa que o setor exportador, frente ao câmbio extremamente desvalorizado, vai exportar mais, reduzindo a oferta de carne no mercado interno, portanto, elevando ainda mais seus preços. Espera-se que o efeito desse aumento já seja sentido em janeiro de 2022. Ainda em 2021 a inflação deve alcançar dois dígitos, 10,2%, projeta o Banco Central.24

Outro elemento da elevação dos custos de vida está relacionado às mudanças climáticas e a permanência da crise hídrica. A energia ficou mais cara para os consumidores além de aumentar os custos de produção, elevando também os preços finais que são repassados aos trabalhadores. A elevação das temperaturas no mundo, como resultado das emissões de gases CO2, sugerem uma mudança radical na forma como produzimos e nos relacionamos com a natureza e os recursos que ela nos oferece, contudo, sob bases capitalistas essa mudança esbarra na propriedade privada e nos interesses dos Estados Nacionais.

Um estudo publicado pelo MapBiomas mostra que a superfície de água no Brasil está 15% menor no que nos anos 1990, o que significa que perdemos uma quantidade de superfície de água equivalente ao tamanho de uma vez e meia a região nordeste.25 Esse fato por si só já é bastante preocupante uma vez que a maior parte da pauta de exportação brasileira26 depende de quantidades enormes de água para ser produzida. Soma-se a isso um aumento das queimadas na Amazônia, além de diversos focos no Pantanal, Caatinga, Cerrado e Mata Atlântica estarem em alta em relação ao mesmo período do ano passado27. Maiores focos de incêndio, reduzem o volume de chuvas, uma vez que essas áreas perdem a capacidade de reciclar água, agravando a crise hídrica. A matriz energética do Brasil é altamente dependente do volume de chuvas, uma vez que a geração de energia está principalmente ligada às hidrelétricas.

Além do aumento do custo da energia para a produção industrial, há ainda uma perspectiva de pressão sobre os gêneros alimentícios, uma vez que com períodos de seca prolongados e chuvas torrenciais, as safras tendem a sofrer impactos redutivos com a perda irreversível de áreas cultiváveis e danos em galpões de armazenamento, por exemplo. Para evitar esses desarranjos o desafio proposto por especialistas é o desmatamento zero na Amazônia, contudo, esse desafio esbarra nos interesses expansionistas do agronegócio. Os efeitos disso podem ser sentido nas próximas décadas, mas também no curto prazo a perspectiva da crise hídrica continua em 2022.28 As soluções individuais de redução de consumo de água e energia, apenas podem contribuir para a redução de nossas contas no final do mês, mas para uma contenção real dos efeitos das mudanças climáticas é preciso o rompimento com as bases capitalistas de produção.129

É sob essas perspectivas que serão realizadas as eleições presidenciais no Brasil em 2022, onde uma pesquisa realizada pelo Ipec mostra que os dados de reprovação do governo Bolsonaro aumentou de 39% em fevereiro para 55% agora. Além disso, apontando para um cenário onde Lula (PT) lidera a pesquisa eleitoral com 48% das intenções de voto e Bolsonaro (PL) aparece com 21% das intenções.30

O próprio cenário eleitoral tende a trazer mais instabilidade para a economia brasileira e um possível governo Lula não poderá restaurar o equilíbrio capitalista e todos os problemas que apontamos acima sem acirrar os enfrentamentos no terreno da luta de classes.

“Teórica e abstratamente, a restauração do equilíbrio capitalista é possível. Mas isso não ocorre em um vácuo social e político – ela pode ocorrer apenas através da luta de classes. Cada passo para a restauração do equilíbrio na vida econômica, não importa quão pequeno seja, é um golpe no equilíbrio social instável sobre o qual os srs. Capitalistas ainda continuam a se manter. E isso é a coisa mais importante.” – A situação mundial, junho de 1921, L. Trotsky. O imperialismo e a crise da economia mundial, pg. 48, Editora Sundermann

Se esses enfretamentos têm sido paralisados pela perspectiva traidora das direções sindicais e dos partidos da esquerda para resolver tudo no pleito eleitoral, eles não podem ser contidos para sempre. É nesse terreno concreto que desenvolveremos nossa ação militante e educação teórica para compreender melhor o mundo a nossa volta e poder construir junto aos trabalhadores o instrumento necessário para transformá-lo, destruindo a propriedade privada dos grandes meios de produção e os Estados nacionais.

Em condições de enorme pressão econômica, social e política – onde as massas verificam que suas direções não estão dispostas a organizar o enfrentamento contra o capital, ao contrário, defendem abertamente a ordem vigente – o caminho eleitoral se apresenta como o caminho mais curto para remover Bolsonaro. Nesse contexto, a pressão sobre as organizações para capitular a uma política eleitoreira, oportunista ou sectária é enorme.

Além das formulações táticas necessárias a cada período, baseadas no princípio da Frente Única Proletária – a luta pela unidade e independência de classe – estudamos, assimilamos e propagandeamos a necessidade de superação da sociedade dividida em classes, da superação da sociedade capitalista por meio de uma revolução socialista, que planifique a economia através de um Estado operário e controle democrático da produção pelos próprios trabalhadores, até finalmente a abolição das classes e do próprio Estado.

Como Engels demonstrou, essa não é uma concepção utópica. Ao revelar a mais-valia e determinar o lugar da produção capitalista na história, sua necessidade e também sua queda futura, Marx converteu o socialismo em uma ciência e é a partir de bases cientificas que propagandeamos que a burguesia não tem mais nada a oferecer aos jovens e trabalhadores, que inclusive seu papel e seu lugar na produção capitalista é supérfluo.

“Se as crises provam a incapacidade da burguesia dirigir, doravante, as forças produtivas modernas, a transformação dos grandes organismos de produção e de comunicação em sociedade por ações e em propriedades do Estado mostram que a burguesia tornou-se supérflua. Todas as funções sociais dos capitalistas são agora preenchidas por empregados assalariados. O papel social do capitalista se limita a aferir lucros, a destacar coupons e a jogar na Bolsa, onde se despojam mutuamente de seus capitais. A produção capitalista que começou por lançar o operário na superpopulação relativa acaba por precipitar nela, por sua vez, o capitalista, esperando que ela lhe designe seu lugar no exército industrial de reserva.” – Do socialismo utópico ao socialismo científico, F. Engels, pg. 87. Editora Edipro.

Cabe a nós nos prepararmos, estudarmos e agir na luta de classes, à luz da teoria econômica, filosófica e socialista de base científica, que nos legou os gigantes. Temos condições técnicas de “tocar” o Sol31, também temos para organizar uma outra forma de organização da produção e da distribuição, satisfazendo necessidades do sonho e do estômago, sob bases comuns e para todo o mundo, em harmonia com a natureza. Essa possibilidade existe pela primeira vez em toda a história. Tomemos essa possibilidade em nossas mãos!

Referências:

A situação mundial, junho de 1921, L. Trotsky. O imperialismo e a crise da economia mundial, Editora Sundermann

Do socialismo utópico ao socialismo científico, F. Engels, Editora Edipro

1Acumulado dos últimos quatro trimestres. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/indicadores#variacao-do-pib

2 Disponível em: https://www.bcb.gov.br/content/focus/focus/R20211203.pdf

3Disponível em: https://valor.globo.com/politica/noticia/2021/11/23/economia-do-brasil-deve-expandir-53percent-ou-ate-mais-em-2021-diz-paulo-guedes.ghtml

4Disponível em: https://youtu.be/lfqmjovJyS0

5 Quantidade de moeda em poder do público (papel-moeda e moeda metálica) + depósitos à vista nos bancos comerciais, um tipo de base monetária que não rende juros, chamada M1. M2 é a combinação de M1 + depósitos a prazo (para investimentos, depósitos de poupança, fundos de aplicação financeira e títulos do governo em poder do público).

6EUA: Disponível em: https://www.ceicdata.com/pt/indicator/united-states/m2-growth; EU: https://www.ceicdata.com/pt/indicator/european-union/m2-growth; China: https://www.ceicdata.com/pt/indicator/china/m2-growth; Brasil: https://www.ceicdata.com/pt/indicator/brazil/m2-growth

7 Disponível em: https://www.bcb.gov.br/estatisticas/estatisticasmonetariascredito

8 Disponível em: https://datasebrae.com.br/pib/?pagina=evolucao-do-pib&ano=2010

9 Leia mais em: https://www.marxismo.org.br/o-canto-de-sereia-da-renda-basica-universal/

10 Leia mais em: https://www.marxismo.org.br/o-programa-auxilio-brasil-e-o-aumento-da-miseria/

11 Leia mais em: https://www.marxismo.org.br/bolsa-familia-renda-brasil-e-as-politicas-liberais-de-distribuicao-de-renda/

12 Disponível em: https://www.bcb.gov.br/estatisticas/estatisticasmonetariascredito

13 Disponível em: https://www.poder360.com.br/economia/divida-dos-paises-sobe-us-15-trilhoes-durante-a-pandemia/

14 Disponível em: https://6minutos.uol.com.br/mercado-e-dolar/volume-financeiro-da-bolsa-brasileira-bate-recorde-em-2021-acoes-da-vale-e-petrobras-sao-mais-negociadas/

15 Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-55551669

16 Disponível em: https://www.marxismo.org.br/o-coronavirus-a-economia-real-e-sua-expressao-financeira-parte-1-bolsas-e-acoes/

17 Disponível em: https://blogdoibre.fgv.br/posts/o-aumento-recente-da-produtividade-no-brasil-foi-temporario-ou-permanente

18 Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/business/lucro-de-empresas-listadas-na-bolsa-tem-alta-de-125-no-trimestre/

19 Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/business/desigualdade-no-brasil-cresceu-de-novo-em-2020-e-foi-a-pior-em-duas-decadas/

20 Disponível em: https://www.worldbank.org/pt/publication/global-economic-prospects

21 Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/proposta-no-congresso-preve-cortes-acima-de-55-para-universidades-federais-bolsas-do-cnpq-25312285

22 Disponível em: https://tvbrasil.ebc.com.br/reporter-brasil-tarde/2021/10/estudo-da-fgv-preve-recuperacao-da-economia-em-2025

23 Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2021/12/4970980-china-retira-embargo-de-carne-bovina-do-brasil-diz-ministerio-da-agricultura

24 Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2021-12/banco-central-projeta-inflacao-de-102-para-este-ano

25 Disponível em: https://mapbiomas-br-site.s3.amazonaws.com/MapBiomas_A%CC%81gua_Agosto_2021_22082021_OK_v2.pdf

26 Disponível em: https://www.portaldaindustria.com.br/industria-de-a-z/exportacao-e-comercio-exterior/

27 Disponível em: https://youtu.be/ZnW6jvedIXQ

28 Disponível em: https://youtu.be/WXvhmyvGeEY

29 Disponível em: https://www.marxismo.org.br/cop26-encenacao-capitalista-e-promessas-vazias/

30 Disponível em: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2021/12/14/pesquisa-ipec-reprovacao-ao-governo-bolsonaro-chega-a-55percent.ghtml

31 Disponível em: https://www.bbc.com/news/science-environment-59661827