Em março de 1934, Stalin recriminalizou a homossexualidade em toda a União Soviética. Daquele momento em diante, qualquer envolvido em atos homossexuais poderia ser enviado para a prisão por um período de três a cinco anos. Nos primeiros anos da Revolução Russa, no entanto, a homossexualidade havia sido legalizada – mas isso é algo quase não mencionado na literatura produzida pelos oficiais dos partidos comunistas oficiais depois de 1934. Os stalinistas de hoje, que se modelam através do regime stalinista, têm muito a explicar.
Em 1922, a homossexualidade foi legalizada na Rússia Soviética revolucionária, transformando-a em um dos países mais avançados do mundo nesse quesito. Enquanto a Grã-Bretanha e os Estados Unidos ainda estavam encarcerando homossexuais, homens gays poderiam viver abertamente com seus parceiros na Rússia. A Inglaterra não legalizou a homossexualidade até 1967, com certas limitações, e a plena legalização só aconteceu nos anos 2000! Nos Estados Unidos, antes de 1962, a homossexualidade era considerada um crime em todos os estados, passível de prisão; em Idaho, um condenado poderia até mesmo receber uma sentença de morte.
Illinois foi o primeiro estado a descriminalizar atos consensuais de amor entre o mesmo sexo, em 1962, mas foi apenas em 2003 que, enfim, a homossexualidade não era mais considerada um crime na totalidade dos Estados Unidos. A Espanha descriminalizou a homossexualidade em 1979, após a queda do regime de Franco; o Canadá o fez em 1969, assim como a Alemanha Ocidental, a Áustria em 1971, Finlândia em 1971, Noruega em 1972, e a Irlanda em 1993.
Eu estou escrevendo uma série mais extensa de artigos sobre a descriminalização da homossexualidade na Rússia após a Revolução de Outubro, como ela foi vista posteriormente, como a degeneração burocrática da Revolução Russa também sufocou lentamente as liberdades conquistadas pelos homossexuais, e, por fim, a preparação para a recriminalização em 1934. Portanto, não abordarei essas questões em detalhe aqui.
Nos anos 1930, depois da criminalização da homossexualidade na União Soviética, a Internacional Comunista stalinista se tornou permeada de homofobia e a homossexualidade foi criminalizada em quase todos esses países onde os regimes stalinistas chegaram ao poder, desde a Europa Oriental até a China e Cuba. Isso só começou a mudar sob a pressão do movimento por direitos LGBT que crescia, especialmente impulsionado pelo movimento de 1968.
No entanto, esse nem sempre foi o caso. O Partido Comunista Alemão, antes da ascensão de Hitler em 1933, era a favor da emancipação homossexual, e seria inimaginável aos membros do partido que, no meio dos anos 30, as mesmas leis anti-LGBT introduzidas por Hitler também seriam adotadas por Stalin.
Uma breve análise dos anos 1920 mostra que, nos primeiros anos, havia um questionamento geral dos antigos valores que dominaram a Rússia durante o tempo do Czar. A lei familiar foi mudada da prioridade masculina dentro do contexto familiar, para a igualdade entre os sexos. Homens e mulheres foram declarados iguais, o divórcio se tornou de fácil acesso, o aborto foi legalizado e assim por diante. Foi nesse contexto que a homossexualidade também foi legalizada.

Também é verdadeiro dizer que haviam duas tendências presentes na Sociedade Soviética nesses primeiros tempos. Havia uma tendência revolucionária que almejava mudar radicalmente a estrutura da sociedade, mas também havia uma tendência conservadora importante, uma expressão remanescente da antiga sociedade e também da natureza pequeno-burguesa da casta de burocratas que começava a emergir.
Houve tentativas de construir cozinhas, moradias e lavanderias comunitárias, tentativas de oferecer cuidados parentais generalizados e inúmeras outras maneiras de facilitar a vida das mulheres em particular. Ao mesmo tempo, no entanto, o desenvolvimento limitado da economia significava que não existiam os recursos para que tudo isso se transformasse em uma realidade duradoura.
O isolamento da revolução em um só país, ainda mais atrasado, significava que o salto em busca de uma genuína sociedade comunista não era possível, e assim, a tendência mais conservadora eventualmente predominou. Os valores tradicionais começaram a se infiltrar novamente na sociedade. Não devemos esquecer que, especialmente dentro da estrutura oficial do Estado, era a mesma camada pequeno-burguesa conservadora que estava no controle. Assim que o completo isolamento da revolução se tornou evidente, a esperança de uma revolução internacional salvando os trabalhadores soviéticos se dissipou e sumiu da consciência de milhões de pessoas na União Soviética.
Nessas condições, é possível observar a mudança, até mesmo na habilidade de debater opiniões diferentes. Nos primeiros anos havia debates genuínos com a imprensa, algumas vezes com opiniões bastante contrastantes sendo expressas. Isso também foi visto na arte e literatura. Mas desde os primeiros anos havia outra camada, essa das não-entidades medíocres, incapazes de ter pensamentos independentes, os bajuladores e mulheres e homens que só sabem dizer sim. Essa camada só estava interessada em ser vista como “os ativistas perfeitos”, sempre carregando a “linha correta”. Essa linha, no entanto, não deveria ser alcançada através do debate aberto e genuíno, como fora o caso quando Lênin e Trotsky lideraram o Partido Bolchevique. Nesse momento a linha deveria ser aprendida mecanicamente, decorada, e replicada de cima para baixo.
Nessa atmosfera, as visões conservadoras que permeavam a burocracia lentamente começaram a emergir como as únicas visões que poderiam ser aceitas. Isso não aconteceu do dia para a noite, foi um processo que se estendeu por vários anos. Mais e mais visões conservadoras se expressavam conforme os anos passavam.
Isso causaria um tremendo impacto em como pessoas homossexuais eram tratadas. Ainda antes da criminalização da homossexualidade em 1934, o regime sob Stalin já estava fazendo com que a vida de homossexuais se tornasse mais difícil.
O destino de Kuzmin
O destino de uma figura proeminente, Mikhail Kuzmin, famoso poeta e autor, destaca o processo. Ele era abertamente gay e havia escrito muito antes da revolução. Seu mais famoso trabalho era Wings (Asas, em português), de 1906, que trazia a história de um jovem homem que descobre sua homossexualidade. Kuzmin recebeu de braços abertos a Revolução Russa e se tornou um membro da Fortaleza da Associação de Artistas em Petrogrado, juntamente com escritores como Alexander Blok e Vladimir Mayakovsky.

Em 1928, no entanto, ele vivia muito menos liberdade. Esse foi o ano da última leitura pública no Instituto da História da Arte. Ainda que a permissão para o evento tenha sido dada, não foi permitida qualquer divulgação e as admissões só poderiam ser feitas através de convites. Apesar das tentativas de sufocar o evento, na noite marcada o auditório estava lotado, com pessoas nos corredores e sentadas no chão. Muitos desses presentes eram homossexuais.
Em 1929, Kuzmin publicou um trabalho significativo, “The Trout Breaks the Ice” (“A truta quebra o gelo”, em português), uma série de poemas sobre um caso de amor homossexual. Essa seria sua última publicação, após a qual nenhum de seus trabalhos seria jamais publicado novamente na União Soviética. Mas esse não foi o fim da vitimização de Kuzmin.
Em 1931, seu apartamento foi revistado pela polícia de segurança. Antes da batida policial, seu companheiro Yuri Yurkun, cedeu à pressão da GPU para denunciar Kuzmin. Em 1933, Kuzmin vendeu seus diários para o Museu Literário Estadual. Seu diretor, V. D. Bonch-Bruevich, foi questionado pelos motivos dele ter comprado um material “tão incomumente ruim”, e então foi realizado um expurgo dos trabalhadores do museu. Isso foi tudo antes da recriminalização da homossexualidade em 1934.
Kuzmin teve a “sorte” de morrer por causas naturais em 1936. Seu companheiro não teve a mesma sorte. Em 1938 ele foi preso, interrogado por sete meses e então executado sob a acusação de contrarrevolução.

Contrarrevolução em palavras e ações
Os anos 1920 viram um processo de gradual burocratização. Foi a Oposição de Esquerda liderada por Leon Trotsky que lutou contra isso. Durante os anos 1930, a burocracia stalinista tinha total controle do poder e a contrarrevolução política fora completada. Nesse processo, começando no final dos anos 1920, e indo por toda a década de 1930, dezenas de milhares de bolcheviques genuínos foram presos com acusações falsas, arrastados para os Gulags e levados a trabalhar nas mais terríveis condições até que eles, literalmente, caíssem mortos. Outros foram torturados para serem forçados a confessar os mais absurdos crimes e então, serem sumariamente mortos com de armas de fogo. Era uma guerra civil de um lado só, com a burocracia tendo todos os meios físicos disponíveis para eliminar os oposicionistas indefesos.
Tudo isso foi retratado como uma luta contra a contrarrevolução burguesa. Mas isso era apenas uma forma de disfarçar o que eles estavam realmente fazendo. No processo de degeneração, uma burocracia privilegiada havia se colocado acima dos trabalhadores. Enquanto ainda defendia a economia planificada controlada pelo Estado, a burocracia apagou todos os elementos da genuína democracia dos trabalhadores que havia prevalecido nos primeiros anos da revolução.
Nessas condições, nenhum pensamento crítico era permitido. Aceitar tal maneira de pensar significaria defender a democracia dos trabalhadores, algo que a burocracia jamais toleraria. Caso os trabalhadores tivessem o poder de eleger seus oficiais com o direito de destituí-los, caso necessário, e impor o salário dos trabalhadores para esses mesmos oficiais, a burocracia, enquanto uma casta privilegiada, estaria em perigo. A burocracia criou uma atmosfera em que supostos contrarrevolucionários eram encontrados em cada esquina da União Soviética. Esse foi também um momento crítico no desenvolvimento da URSS. O impacto negativo na coletivização forçada no interior foi sentido e a burocracia estava preocupada pela decaída da população em sentido numérico.
Assim, tudo se transformou em torno de promover a família burguesa como a base da produção e reprodução do trabalho. Com isso veio a idealização da maternidade, ao ponto em que mães com mais de sete filhos recebiam incentivos, de uma maneira muito próxima como Mussolini e Hitler estavam fazendo naquele mesmo período. O aborto também foi banido e o divórcio se tornou menos acessível. Como podemos ver, esse é o triunfo final das tradições atrasadas da velha Rússia, incorporadas nos preconceitos da burocracia. Tais preconceitos chegaram ao topo máximo, na pessoa do próprio Stalin.
Ao mesmo tempo estava ocorrendo um grande expurgo dos chamados contrarrevolucionários ao redor do país. O regime de terror estava chegando ao seu ponto mais alto e a atmosfera suspeita de procurar bodes expiatórios estava ocorrendo em todos os lugares.
A recriminalização da homossexualidade em 1934
Nesse contexto, a repressão aos homossexuais começou. Como vimos no caso de Kuzmin, isso ocorreu bem antes da criminalização formal da homossexualidade. Mas em 1933 esse processo havia ganhado impulso. Neste ano, ao final do verão, por exemplo, 130 homens foram presos em Moscou e Leningrado durante batidas policiais contra os homossexuais. Tais aprisionamentos continuaram em 1934.
Como não havia ainda uma lei banindo a homossexualidade, esses presos foram acusados de outros crimes, normalmente atividades “contrarrevolucionárias”. Uma testemunha ocular afirmou que os encontros entre pessoas homossexuais eram “feitos… para parecerem contrarrevolucionários, trotskistas ou mesmo hitleristas”.
A iniciativa para a recriminalização da homossexualidade veio de G. G. Iagoda, delegado chefe da OGPU, a polícia secreta, em setembro de 1933, quando ele escreveu uma carta a Stalin insistindo que a lei contra homossexuais era necessária do ponto de vista da segurança do Estado. Ele apresentou os homossexuais como pertencentes a uma rede de contrarrevolucionários espiões. Stalin agiu rapidamente em favor do pedido de Iagoda, passando-o para Kaganovich, um membro do Politburo (Comitê Executivo do partido) com uma nota acrescentada: “esses canalhas devem receber punição exemplar, e um decreto orientador correspondente deve ser introduzido em nossa legislação”.

A nota nos arquivos traz notas de reconhecimento, “Correto! L. Kaganovich”, e “Claro. É necessário. Molotov.” Lazar Kaganovich e Molotov, pertencentes ao tipo medíocre de elementos que então estavam no topo do partido, não teriam qualquer escrúpulo em simplesmente obedecer Stalin. Caso eles tivessem escrúpulos, acabariam enfrentando um esquadrão de fogo em algum momento. Ao invés disso, de maneira contrária a muitos velhos bolcheviques, eles tiveram o luxo de morrer em uma idade avançada!
Iagoda então seguiu para esboçar um texto para a lei em 13 de dezembro de 1933. Apenas alguns dias depois, em 16 de dezembro, o Politburo aprovou esse esboço . Logo no dia seguinte, o Comitê Executivo Central de toda a URSS adotou o projeto de lei, para ser aplicada por todas as repúblicas que compunham a União. Em 7 de março de 1934, o esboço se transformou em lei na URSS, seguido pela República Socialista Federativa Soviética Russa (RSFSR). Neste processo, inúmeras mudanças foram feitas ao esboço original. Daquele momento em diante, homens pegos em comportamentos homossexuais poderiam ser presos e sentenciados a três a cinco anos na prisão. Nos anos que se seguiram, milhares de homossexuais foram enviados para as prisões e campos de trabalho stalinistas.
O caso de Harry White, um Comunisa Britânico
Antes da criminalização de 1934 na União Soviética, os partidos Comunistas na Europa estavam em campanha pela emancipação homossexual, especialmente na Alemanha onde havia um forte e organizado movimento pelos direitos gays – que seria, posteriormente, reprimido, de modo brutal, por Hitler, com muitos homossexuais indo para os campos de concentração. É uma ironia da história que o regime stalinista denunciava a homossexualidade como uma depravação burguesa, citando a Alemanha e os nazistas como exemplo, precisamente quando Hitler estava se movendo na mesma direção que Stalin, nessa questão!
Havia preocupação entre os membros do Partido Comunista Europeu em relação a essa virada reacionária da União Soviética. Um exemplo das dificuldades que Stalin teve em superá-la pode ser visto na experiência de um membro do Partido Comunista da Grã-Bretanha, que estava trabalhando em Moscou no jornal Notícias Diárias de Moscou. Quando soube da nova lei, ele escreveu para Stalin perguntando como ele poderia justificá-la. Na carta, Harry White, que era um homem gay vivendo com seu companheiro homossexual russo, recontou seus esforços para encontrar seu namorado, que havia sido preso pela política secreta durante batidas contra homossexuais. Em sua carta, Whyte apontou como a nova lei estava encerrando todo o progresso que havia sido feito referente a tais assuntos após a revolução. Harry Whyte, refletindo o pensamento de um membro leal do partido, acreditava que apenas homossexuais envolvidos em genuínas atividades contrarrevolucionárias seriam processados, mas muito rapidamente descobriria que a lei se aplicava a todos os homossexuais.
Stalin arquivou a carta de Harry Whyte, mas antes acrescentou sua própria nota, “Um idiota e um degenerado”, uma clara referência ao autor da carta. Ainda que ele tenha arquivado a carta, tais protestos oriundos de Comunistas gays alertaram Stalin que ele precisaria de uma campanha de propaganda para balançar a opinião pública. Então ele pediu ajuda para alguém que era melhor do que ele como escritor, Maksim Gorky, que apressadamente escreveu um artigo, “Humanismo Proletário”, publicado, tanto no Pravda quanto no Izvestia, em maio de 1934. O artigo era um texto raivosamente homofóbico que posicionava a homossexualidade como uma doença burguesa ocidental, até mesmo como uma expressão da “desmoralizante influência do fascismo.” O slogan que ele levantou foi “Destruam os homossexuais – o fascismo desaparecerá”.
Krylenko deixa claro que todos os homossexuais são criminosos
Apesar de tudo isso, fazer com que a lei fosse aplicada tão firmemente quanto Iagoda gostaria se provou difícil. Tanto no mundo médico quanto no judiciário, 15 anos de homossexualidade legalizada deixaram suas marcas. Médicos, psiquiatras e juízes haviam se acostumado à homossexualidade estando dentro da lei. Alguns até mesmo se recusaram a acreditar que tal lei havia sido aprovada. Entre essa camada havia, portanto, uma tendência inicial a ser brando em relação a homossexuais.

Krylenko, o Comissário da Justiça do Povo, sentiu a necessidade de explicar a real natureza da nova lei, em 1936. Após uma reunião do Comitê Executivo Central, ele explicou que homossexuais eram uma classe inimiga e criminosa. Em referência à descriminalização da homossexualidade após a revolução, ele explicou que a legislação fora influenciada pelo pensamento no Ocidente, que via a homossexualidade como uma doença, e não um crime.
É válido citar uma parte de seu discurso, para dar um gosto da homofobia desenfreada da burocracia:
“Em nosso ambiente, no ambiente dos trabalhadores através do ponto de vista da normalidade das relações entre sexos, que estão construindo sua sociedade sobre princípios saudáveis, nós não precisamos de cavalheiros deste tipo. Quem então, em sua maioria, são os clientes desses assuntos? Trabalhadores? Não! Ralé desclassificada. [Animação alegre no corredor, risadas] Ralé desclassificada, ou oriunda da escória da sociedade ou como remanescentes da classe exploradora. [Aplausos] Eles não sabem nem mesmo para qual lado virar. [Risadas] Então eles se viraram para a… pederastia.” [Risadas] (Citado em O Desejo Homossexual na Rússia Revolucionária, por Dan Healey)
Com seu discurso, Krylenko deixou claro como a água que todos os homossexuais deveriam ser tratados como criminosos. No período dos expurgos e julgamentos tratados como shows, a repressão contra os homossexuais era severa e comumente usada para atacar dissidentes. Uma vez que a tarefa de desenraizar todo potencial dissidente havia sido realizada com aprisionamentos, campos de trabalho, tortura, confissões e execuções, a lei continuou a ser aplicada, mas aparentemente com menos veemência.
Stalin descobriria, no entanto, que a homossexualidade não poderia ser decretada como fora de existência. Os subsequentes julgamentos de homossexuais revelaram que a subcultura gay continuava a existir, com locais de encontros frequentados por homens gays. Nos mesmos julgamentos, apesar do preconceito dos burocratas encarregados de manter a lei persecutória contra a homossexualidade, emergiu a noção de que sexo entre homens poderia vir acompanhado de emoções genuínas de amor e cuidado. Incapaz de entender isso como um traço humano natural, foi explicado de maneira torta como sendo algum tipo de defeito nos homens que seriam produzidos como um tipo “feminino” e “masculino”.
A “desestalinização” e a difícil situação dos homossexuais
A repressão aos homossexuais seguiu após a morte de Stalin e além. Milhares de homossexuais terminaram nas prisões e gulags stalinistas. Quando morreram, estavam entre as mais de duas milhões de pessoas condenadas ao trabalho forçado. Após a morte de Stalin, o regime agiu no sentido de reduzir a população dos gulags com anistia para muitos dos que estavam aprisionados lá. Mas os homossexuais não foram incluídos, porque eram considerados criminosos comuns.
De fato, enquanto o regime de afastou de alguns dos piores aspectos do terror stalinista, no caso das relações entre o mesmo sexo, a repressão, na verdade, aumentou. Paradoxalmente, o enclausuramento forçado de um grande número de homens – e mulheres em campos separados – nas prisões e campos de trabalho aumentou o número de envolvidos em amor entre o mesmo sexo. Podemos supor que uma das coisas de que o regime teve medo foi que libertar esses presos dos gulags poderia “infectar” a sociedade mais ampla com a influência “corrupta” da homossexualidade.

O destino de mulheres lésbicas não foi muito melhor. Na verdade, as coisas pioraram para elas. Muitas foram tratadas como dissidentes políticas, declaradas mentalmente doentes e enviadas para hospitais “psiquiátricos” para “tratamento”, o que significava serem forçadas a tomarem medicação.
A homossexualidade seria finalmente descriminalizada em abril de 1993 e, em 1996, isso seria confirmado no esboço de um novo código criminal. Isso foi feito no contexto de um novo regime desejando se separar de muito do que o antigo stalinismo havia feito, enquanto a burocracia se movia em direção ao capitalismo, e para longe da economia planificada. No entanto, apesar das relações entre o mesmo sexo estarem formalmente legalizadas, na prática, a vida não era tão fácil para os gays contemporâneos da Rússia. E ainda existe uma ideia generalizada de que a homossexualidade é estranha à sociedade russa. Gays e lésbicas ainda precisam alcançar o mesmo nível de liberdade do que aquele durante os bolcheviques, após a Revolução de Outubro. Como tal, o legado do stalinismo é um claro fator que contribui para o tratamento horroroso que os LGBTs russos enfrentam hoje.
Quantas pessoas LGBTs sofreram a humilhação de julgamento e aprisionamento durante o longo período de 59 anos, em que a lei soviética criminaliza a homossexualidade? É difícil calcular. Existem alegações de que 250 mil homens gays foram condenados, ainda que cálculos mais recentes parecem indicar que o número real seria de 60 mil. Dos anos 1960 aos 1970, houve um aumento no número de homens processados por atividades homossexuais, com o pico sendo alcançado em 1977-78, quando mais de 1.300 foram condenados em cada um desses dois anos.
Os outros países stalinistas
Antes de 1933 e 34, os Partidos Comunistas em diferentes países – como temos visto – tinham o posicionamento de pedir pela emancipação dos homossexuais. O Partido Comunista Alemão, o maior fora da União Soviética naquele momento, tinha essa posição. Isso mudaria radicalmente quando a homossexualidade fosse recriminalizada na União Soviética.
Isso não deveria nos surpreender, porque a Internacional Comunista e suas seções nacionais não eram mais as tão vibrantes e vivas forças revolucionárias dos quatro primeiros congressos mundiais. Quem ler os discursos, resoluções e declarações desses congressos achará um debate genuíno com diferentes opiniões expressas pelos delegados de várias seções nacionais. Ao ler, verá que o método de Lenin e Trotsky era debater e convencer estes delegados que tinham visões contrastantes.
Com a ascensão da burocracia na União Soviética tudo mudou. Os métodos de Stalin eram manobras nos corredores e por trás das costas das pessoas. Sua especialidade era a calúnia e a difamação. Ele era muito melhor em organizar caças às bruxas do que debater ideias políticas. A chegada de Stalin ao poder foi também a ascensão do pequeno burocrata com opiniões mesquinhas e conservadoras.
Nesse ambiente, a homofobia se espalhou através de toda o Comintern, e depois, quando os regimes que seguiram o modelo da União Soviética burocratizada foram iniciados na Europa Oriental, uma atmosfera hostil a homossexuais também foi criada. A homossexualidade na maior parte dos Partidos Comunistas oficias passou a ser vista como um comportamento degenerado que emana da sociedade burguesa. Isso teve um impacto negativo enorme na luta contra as opressões LGBTs, e serviu para separar o movimento LGBT do marxismo e socialismo durante décadas.
A Polônia foi a única exceção. Seu Código Penal de 1932 havia descriminalizado atos consensuais entre o mesmo sexo, e essa lei foi levada adiante para o regime stalinista, após a Segunda Guerra Mundial. No entanto, em todos os outros blocos de regimes Orientais, a homossexualidade foi tratada como uma ofensa criminal. Apenas anos depois alguns desses regimes começaram a se tornar mais liberais nesta questão. A descriminalização de atos entre o mesmo sexo na Checoslováquia e Hungria se deu em 1962, na Bulgária e Alemanha Oriental em 1968, com a exceção da Romênia, que apenas fez a descriminalização em 1996, muitos anos depois da queda dos regimes stalinistas. Na Romênia a legislação anti-LGBT foi particularmente severa, com sentenças prisionais que poderiam chegar até 10 anos.
Na Iugoslávia, que não era um satélite da União Soviética, cada república que fazia parte da federação tinha autonomia em sua legislação. Assim a Croácia, Montenegro e a Eslovênia descriminalizaram em 1977, enquanto outras repúblicas apenas o fizeram após o colapso da república federal da Iugoslávia. A Albânia, um regime extremamente autárquico, a descriminalizou em 1977, apesar da completa descriminalização não ter acontecido até 1995, alguns anos após o colapso do regime stalinista de Hoxha.
Também em Cuba, após a chegada de Castro ao poder, e também sob a influência da União Soviética, a homossexualidade foi criminalizada. Imediatamente após a Revolução Cubana, muitos artistas e intelectuais proeminentes de orientação LGBT eram simpáticos ao novo regime, vendo nele uma perspectiva de justiça social, incluindo a liberalização das atitudes em relação à homossexualidade. Mas em alguns poucos anos tudo isso mudou e houve uma repressão geral em relação aos atos de mesmo sexo, com muitos homossexuais acabando aprisionados. Foi apenas no meio dos anos 1970 que uma abordagem mais tolerante começou a emergir, e em 1979, atos de amor entre o mesmo sexo foram legalizados.

O que aconteceu sob o regime maoísta é especialmente interessante porque a China, historicamente, teve a tradição de aceitar a homossexualidade, remontando aos primórdios da sua antiga civilização. Ninguém poderia alegar que a homossexualidade não tinha seu lugar na sociedade chinesa. Foi apenas na história mais recente que isso mudou. Após a revolução de 1949, o mesmo ambiente homofóbico prevalecente na União Soviética foi promovido na China. A China maoísta adotou a mesma abordagem que a União Soviética sob Stalin, prendendo e aprisionando pessoas gays. Durante a Revolução Cultural nos anos 1960, homossexuais eram humilhados publicamente e sentenciados a longas penas de prisão. Esse permaneceu o caso durante todo o período maoísta. A homossexualidade foi finalmente descriminalizada em 1997, mais de duas décadas após a morte de Mao. E foi apenas em 2001 que a homossexualidade deixou de ser oficialmente classificada como transtorno mental. Mesmo então, a atitude oficial sobre atividades do mesmo sexo era de considerá-las uma “anormalidade”.

A situação no Vietnã é bem diferente, não existem quaisquer registros da homossexualidade já ter sido criminalizada. Isso não quer dizer que as atitudes oficiais fossem amigáveis com pessoas LGBT. Ser parte desse grupo era comumente apresentado como um mal social e, em determinado ponto, havia apelos em criar uma lei banindo atos entre o mesmo sexo, mas não resultou em nada.
Os stalinistas e maoístas de hoje devem dar uma boa resposta
Como podemos ver, a maioria dos regimes stalinistas, após a Segunda Guerra Mundial, criminalizaram a homossexualidade ou seguiram adiante com legislações anti-LGBT em seus códigos criminais. E a maioria deles, gradualmente, dos anos 1960 aos 1980, descriminalizaram a homossexualidade. Nesse contexto havia paralelos com o que estava acontecendo no Ocidente. Então alguém poderia argumentar que esses países não eram piores do que o que havia na Inglaterra ou nos Estados Unidos. Mas dessa forma, estaria esquecendo de um ponto muito importante.
Em 1922, nos tempos de Lênin e Trotsky, quando a União Soviética ainda era um Estado de trabalhadores relativamente saudável e o processo de burocratização e degeneração estava apenas em seus primeiros estágios sob o poder bolchevique, a homossexualidade foi descriminalizada. Isso posiciona a URSS na vanguarda internacional, muito à frente dos países ocidentais mais avançados economicamente. E como nós já vimos, por quase 15 anos as relações entre o mesmo sexo estiveram livres de interferência legal. Homens e mulheres LGBTs não poderiam ser presos ou condenados.
Hoje ainda há adeptos à tradição stalnista. Aqueles que são abertamente adeptos da linha dura stalinista, ainda se referem ao regime dele como um modelo. Os maoístas – que reivindicam Stalin como seu e só condenam a União Soviética após a sua morte – olham para o regime sob Mao como seu modelo. Eles ainda se referem a tais teorias como a “Guerra Popular Prolongada”, historicamente modelado, na Longa Marcha de Mao, e tentam aplicar isso a condições modernas e urbanizadas. Isso leva a muita confusão sobre o que realmente significa. Onde no passado essa política foi aplicada na prática em áreas altamente urbanizadas, como na América Latina, terminou como uma guerrilha urbana totalmente isolada da classe trabalhadora, e servindo de maneira contra-produtiva.
A mesma conversa maoísta do futuro regime que eles enxergam como sendo um em que existe “liberdade de discordância e unidade na ação”, e alegam que isso vem de Mao! Está totalmente fora da realidade afirmar que havia liberdade para discordância, seja sob Stalin ou Mao. Maoístas e stalinistas também falam de um futuro “partido vanguardista” no poder, cujos representantes eleitos seriam destituíveis pelo povo. Novamente nos perguntamos, onde e quando tal direito democrático básico foi aplicado na Rússia stalinista ou na China maoísta? Tudo isso é uma apologia ao que era um regime burocrático monstruoso. Nega a realidade histórica.

Isso não impede alguns desses stalinistas, em particular os maoístas de tempos recentes, a aderir às políticas identitárias, para promover a teoria de interseccionalidade e daí em diante. Ao fazerem isso, estão sendo bastante desonestos com o seu passado. Sob Stalin e Mao, se você fosse uma pessoa gay ou lésbica – sem mencionar pessoas transgênero – você sofreria tratamentos terríveis, humilhação e aprisionamento.
Outros ex-stalinistas abandonaram qualquer pretensão de serem marxistas ou comunistas e se moveram para o campo do liberalismo burguês e, ao fazê-lo, abraçaram ideias que servem para dividir os oprimidos, em vez de uni-los. É irônico que essas pessoas, que no passado teriam encontrado formas de defender os regimes totalitários stalinistas, agora se vestem com as roupas nojentas do liberalismo burguês e preferem que nenhuma menção seja feita de suas próprias tradições do passado.
Aqueles que ainda se definem como stalinistas ou maoístas, mas que hoje fazem campanha em relação a questões LGBTs, precisam explicar por qual motivo aderem a ideias que vieram de uma casta burocrática privilegiada, que destruiu os muitos direitos conquistados pelos trabalhadores e camponeses em 1917. Eles precisam explicar porque essa burocracia, que eles idealizam como verdadeiros comunistas, derrubaram a lei de 1922 que descriminalizava a homossexualidade. Qual papel isso teve em “construir o comunismo”?
A razão pela qual eles não podem conceder uma explicação é porque eles não reconhecem o fato de que havia uma burocracia que usurpou o poder político e rompeu com aquilo pelo que os bolcheviques haviam lutado muito. Não podem aceitar que o que resultou disso foi um regresso a muitos dos preconceitos da velha sociedade de classes czarista. Nesse processo, direitos básicos, elementares, foram perdidos, como o direito ao aborto para mulheres. Nesse mesmo processo, pessoas LGBTs foram mais uma vez rebaixadas ao nível de criminosos comuns.
Nós, os marxistas, por outro lado, temos todo interesse em endireitar os registros históricos. E parte disso é estabelecer a verdade sobre o que a Revolução de Outubro alcançou em termos de emancipação homossexual e também o que foi destruído no processo da degeneração stalinista.
TRADUÇÃO DE DAVI FRANCO.
Livros
- O Desejo Homossexual na Rússia Revolucionária, por Dan Healey, Imprensa da Universidade de Chicago, 2001.
- Revolução Sexual na Rússia Bolchevique, por Gregory Carleton, University of Pittsburgh Press, 2005.
- Homens gays e a história sexual da esquerda política, editado por Gert Hekma, Harry Oosterhuis e James Steakley, Harrington Park Press, 1995.
Artigos
- Pode um homossexual ser um comunista? Carta de Harry Whyte para Stalin, 1934.
A homossexualidade era ilegal na Europa comunista? Por Lukasz Szulc, 24 de outubro de 2017. - China: Informações sobre o tratamento de homossexuais, publicadas pelo Departamento de Cidadania e Serviços de Imigração dos Estados Unidos, 1º de março de 2001.
- Uma história da homossexualidade na China, por Hayden Blain, atualizado: 2 de novembro de 2016.
*O romance curto de Mikhail Kuzmin, Wings, não tem link para redirecionamento. Também está disponível em inglês, publicado pela Hesperus Press Limited em 2007. Os artigos estão todos em inglês, assim como os livros. Os livros não têm link para redirecionamento, diferente da maioria dos artigos.