Imagem: Pena Filho

Dez anos sem o camarada Chico Lessa

“Con los pobres de la tierra
Quiero yo mi suerte echar
El arroyo de la sierra
Me complace más que el mar” 
(Guantanamera, canção popular cubana)

Em 28 de fevereiro de 2015, em um acidente trágico na Avenida São João, perdemos nosso camarada Francisco João Lessa (Chico Lessa).

Chico, membro do Comitê Central (CC) da OCI (à época, ainda Esquerda Marxista), estava em São Paulo para participar de uma reunião ordinária do CC, e na noite que antecedia a reunião, foi vítima de um atropelamento fatal.

Dirigente central da OCI e um dos coordenadores do Movimento das Fábricas Ocupadas, eleito pelos trabalhadores, Chico viveu apenas 58 anos, dos quais mais de 40 dedicados à bandeira do marxismo e do trotskismo. 

Conheceu a teoria ainda no Ensino Médio e a militância desde os primeiros anos do curso de Direito em Itajaí, Santa Catarina. Gostava de contar que pouco frequentou as aulas da universidade, pois esteve envolvido cotidianamente com as lutas dos estudantes e a organização estudantil, ainda durante o final da Ditadura Militar. E assim seguiu a vida, advogado trabalhista, militante comunista dedicado na organização dos jovens e trabalhadores em todas as suas frentes.

Chico Lessa (centro) junto aos trabalhadores durante movimento de ocupação de fábricas, em Joinville

Ajudou a fundar a Central Única dos Trabalhadores (CUT) em SC e a construir o PT, e por essa razão foi um contundente crítico dos rumos do PT em direção à conciliação de classes e um entusiasta da nossa saída do Partido dos Trabalhadores em 2015. Defensor da independência sindical, esteve à frente de inúmeras batalhas contra a adaptação dos sindicatos ao aparelho estatal.

Retomar a história de Chico Lessa é retomar a nossa própria história, e é uma necessidade que cultivemos sua memória e os ensinamentos extraordinários que tivemos com a convivência cotidiana com esse camarada.

Nascido em Braço do Norte, cidade situada a 173 km ao sul da capital de Santa Catarina, Florianópolis, em 23 de julho de 1956, Chico era um homem vindo do interior. Foi ali, em Braço do Norte, que nosso camarada passou sua infância. Sempre dizia que era um campônio, dada a origem rural. 

No início da adolescência, foi para o Rio Grande do Sul ingressar no seminário, com o intuito de se tornar sacerdote — uma situação pitoresca, mas que rendia muitas risadas quando Chico relembrava os episódios, especialmente o “convite” para se retirar do seminário. Contava com risos e expressões peculiares que o padre lhe dissera que ele não servia para aquilo. Mas recordava com saudosismo, pois frisava a importância desse período. 

Vindo de uma família de poucos recursos, o seminário lhe proporcionou uma formação clássica sólida em literatura, matemática, latim, italiano, música — coisas que jamais teria acesso sem esse episódio. Ria e dizia que o que restou da fé católica foram os cantos gregorianos, que continuava apreciando muito e considerava de uma beleza singular da produção musical da humanidade assim como o hábito da literatura clássica.

O senso de humor e de proporção acompanharam Chico até seu último dia. Seu amor pela vida e pela humanidade foi um enorme exemplo e deve ser seguido.  

Não era possível encontrá-lo de mau humor, no máximo sério, mas, em poucos minutos, ele tentava dispersar a tensão e tornar a conversa agradável. Do tempo de seminário, carregava ditos populares que alternavam entre o sagrado e o profano. Frases como “Só por Deus e o Padre Bertino” ou “Que Deus nos ajude” eram típicas nas ocasiões mais tensas ou engraçadas, e era impossível não descontrair quando, no meio de uma tensão política violenta, ele soltava um “estamos firme igual palanque no banhado”.

Chico esteve envolvido em batalhas homéricas para colocar grandes sindicatos de Santa Catarina nas mãos dos trabalhadores, foi assim  com os metalúrgicos de Jaraguá do Sul, na década de 80, ou com o Sinsej mais recentemente.

Ajudou a organizar o Centro de Direitos Humanos (CDH) em Joinville, junto com sua companheira Cynthia Maria Pinto da Luz e esteve envolvido na defesa do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) em SC. No assentamento de Garuva há uma foto em homenagem a Chico na varanda do assentamento.

Colaborou já na primeira eleição de Adilson Mariano para vereador, quando este ainda não era militante organizado e foi fundamental na orientação desse camarada no parlamento.

Para a OCI, foi um elemento chave na reconstrução da organização no começo dos anos 2000 em Joinville e dirigiu o Comitê Regional da cidade por mais de uma década.

Nesses dez anos sem nosso camarada, percebemos o quanto Chico era um homem imprescindível e por certo isso o fazia tão didático, pois aprendemos muito com ele, e seus ensinamentos continuam a nos ajudar a prosseguir a luta.

Desprovido de vaidade política não hesitava em dizer “pensemos”, num visível gesto de humildade e dúvida diante dos grandes embates que envolveram seus anos de militância. 

Por isso, mantemos nossas bandeiras erguidas, inspirados pelo fato de que Chico se faz presente em cada luta que travamos.

Pouco antes de morrer, Chico Lessa expressou o desejo de que seu antigo escritório fosse a sede da OCI em Joinville. Após seu falecimento, a família de Chico manteve o desejo de nosso camarada e nossa sede permanece sendo  em seu antigo escritório, um elemento fundamental da OCI e que continua contribuindo na nossa construção.

Em nossa página, você pode conhecer mais sobre nosso camarada que dedicou a vida à emancipação dos trabalhadores. Embora sejam poucos textos assinados, ousamos dizer que há milhares de contribuições políticas tanto internamente na OCI como nas dezenas de sindicatos que Chico ajudou a organizar. Existem editoriais sem assinatura, contribuições a resoluções políticas e contribuições em textos de centenas de militantes. É difícil encontrar um militante que conviveu com Chico e que, em dado momento, não recebeu sua contribuição teórica.

Para os militantes da OCI que puderam conhecer Francisco João Lessa, foi um privilégio ter sido contemporâneo desse saudoso camarada.

Chico Lessa, presente.