Uma nova situação mundial se abriu – acabou a ordem de Yalta e Potsdam

Camaradas,

Aqui se transcreve um informe oral apresentado no dia 11/03/2025, pela manhã, à Comissão Executiva da OCI. Esperamos a compreensão dos camaradas para a maneira informal da contribuição.

Esta é uma reflexão sobre a nova situação mundial. Ela não é completa. É uma reflexão inicial, mas creio que tem uma importância maior. Sobre a situação internacional há muito o que desenvolver. Guerras, ações do capital em suas diferentes formas monstruosas, mas todos elas com alma única: com a faca na boca e olhos injetados de sangue atacando o proletariado e ameaçando a Humanidade. Mas o central é compreender que o mundo mudou e nada mais será como antes.

Será no caos, com sua luta de classes, que o proletariado poderá construir uma chanfrada paz e um futuro para a humanidade. Camaradas, desembainhem as espadas porque os monstros tiraram as peles de cordeiro. A classe trabalhadora lutará. Avançamos para a época de novos Spartacus, novos Leônidas, novas Comunas e novas revoluções soviéticas.

A época de Lênin e Trotsky continua aberta à nossa frente. Os desanimados, os chorões, os adaptados, os que não veem na história mais do que aquilo que os capitalistas lhes dizem, os que acreditam que a democracia burguesa é democracia, estes não podem oferecer nenhum futuro à juventude e à classe trabalhadora, à espécie humana.

Mas, os revolucionários que conseguem, com o marxismo, compreender a história da luta de classes e agir organizadamente na luta de classes, estes estão aqui pela humanidade!

Camaradas, muito mais deveremos aprofundar sobre a nova situação mundial. Essa será uma tarefa coletiva onde todos os dirigentes eleitos, os quadros e os militantes têm um papel essencial. Não é um texto definitivo, mas a transcrição de meu informe sobre a situação internacional na Comissão Executiva. Sem dúvida, poderemos coletivamente desenvolvê-lo para ordenar nossas tarefas para os próximos tempos tumultuosos, e que obrigatoriamente terão prazos e ritmos diferentes em cada país. Mas tenho absoluta confiança em nosso programa, na classe operária e na certeza de que só o bolchevismo pode emergir desta torrente e abrir um futuro à humanidade.

Camaradas, na Executiva eu propus dividir a preparação do informe ao CC em duas partes, dois pontos: internacional, e situação nacional e tarefas. Porque creio que é necessário fazer uma discussão particular sobre a situação internacional. E se nós fazemos situação internacional e situação nacional junto, há uma tendência a concentrar em alguma coisa que a gente está lidando digamos mais no dia a dia, que é a situação nacional, mesmo que a gente acompanhe muito a situação internacional.

Quero deixar claro que é melhor falar em uma nova situação mundial e não de uma “virada na situação mundial”, porque essa expressão inclui a ideia de que as classes trabalhadoras tomaram uma iniciativa mundial. Digamos como foi em 68 da Tchecoslováquia, ao Brasil, ao México, ao Estados Unidos, ou seja, uma iniciativa global das massas contra os governos e os regimes. Não que isso não esteja acontecendo, mas ainda não é uma virada na situação mundial.

Por exemplo, na Alemanha, além do SPD levar a maior surra da sua história, a AfD fez 20% dos votos e ainda ganhou a CDU, que são os reacionários democratas cristãos, então não é ainda uma “virada” na situação mundial. E, mesmo que tenha greves em uma série de lugares, uma quantidade enorme de greves de combates, e agora a situação da Grécia com um milhão de pessoas nas ruas, ainda não é uma virada na situação mundial do ponto de vista de que nossa classe tem a iniciativa colocando a outra classe, digamos com a faca no pescoço.

Não vou me estender sobre os exemplos históricos disso, mas, por exemplo, a Revolução Russa foi uma virada na situação mundial. Estava no meio de uma guerra mundial, a Primeira Guerra, e a iniciativa das massas russas provocou uma virada na situação mundial. A situação de hoje é de que há uma nova situação mundial. Não é mais a situação mundial que nós vínhamos analisando, pelo menos, pra falar dos últimos tempos de 2008, 2009…  o aprofundamento da crise e aprofundamento de novo da crise com a pandemia, ou seja, a temperatura da água subindo e tendo algumas borbulhas.

A imagem que eu faria agora é que a água chegou à temperatura da fervura e está se transformando em vapor. Nós não podemos exatamente dizer pra que lado vai esse vapor ou como ele vai se desenvolver, se vai voltar para o estado líquido ou vai se dispersar no ar, ou vai queimar em algum lugar, mas é uma nova situação mundial. E eu quero explicar isso não tanto pra executiva, mas também pra executiva. Eu creio que vai ser importante na preparação do nosso congresso porque nós temos uma enorme quantidade de militantes novos que não conhecem, digamos, corretamente, os meandros da história e da luta de classes no século anterior e até agora.

Então eu queria começar, quer dizer, continuar dizendo, que se trata aqui exatamente disso. Em 1945 nós tivemos, ao final da Segunda Guerra Mundial, o que se chamou “A Ordem de Yalta (na Criméia) e Potsdam (na Alemanha)”, duas conferências promovidas por Roosevelt, Stalin e Churchill que estabeleceram o que eles chamaram de “ordem mundial”.

A Ordem de Yalta e Potsdam significava o acordo contrarrevolucionário entre a União Soviética, que tinha com o Exército Vermelho derrotado o nazismo e o fascismo, e o imperialismo norte-americano, que entrou na guerra tardiamente  deixando durante um bom tempo que a Europa, em particular a Inglaterra e a França, se esvaísse financeira e economicamente. Depois, quando o exército russo virou a guerra a partir de, mais ou menos, Stalingrado, da Batalha de Kursk, mas basicamente Stalingrado, que foi em direção à Berlim, os Estados Unidos entraram na guerra mandando diretamente as tropas, já no meio da guerra. Afinal, eles não podiam deixar o Exército Vermelho derrotar o nazismo e ocupar toda a Europa.

Em 1944, o acordo de Yalta e Potsdam foi uma divisão traidora feita por Stalin, também com objetivo de sufocar o impulso da revolução que vinha da Ásia à Europa, onde se dividiu a Alemanha ao meio e se decidiram as zonas de influência do mundo, que, aliás, já estavam dadas pela luta. Todo o leste europeu já estava ocupado pelo exército vermelho e não havia mais burguesia na maioria desses países, na Eslováquia, na Hungria e tal, porque ou eles tinham fugido do nazismo ou eles tinham colaborado com o nazismo. Eslováquia e  Hungria colaboraram com o nazismo e os da Polônia fugiram para Inglaterra. O resultado disso é que ao final da guerra não tinha burguesia para retomar os meios de produção.

Por isso Dimitrov, a mando do Stalin, cria a teoria antimarxista e contrarrevolucionária das “Democracias Populares”, que seria uma transição onde haveria capital estatal e capital privado e onde a burguesia teria lugar, teria papel, teria, digamos, a preponderância. Ou seja, não se estabeleceria num Estado operário mesmo que burocrático. Bom, isso fracassou porque não tinha burguesia e onde tinham restos da burguesia as massas as varreram e o Exército Vermelho foi obrigado a expropriar tudo.

Então, o acordo das zonas de influência já estava dado praticamente pela situação desenvolvida durante a guerra. Em 1944, se realiza a conferência de Bretton Woods, onde se cria o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial, pra emprestar dinheiro para países que tivessem necessidade, submetendo-os ao controle do grande capital e o outro para regular as relações econômicas mundiais. E nesse acordo de Bretton Woods, cujos inspiradores foram, desde 1942, John Maynard Keynes e Harry Dexter White dos Estados Unidos, se decide como cerca de 60% a 70% do ouro do mundo estava na mão dos Estados Unidos ou estava vindo porque a França e a Inglaterra, tinham que pagar os armamentos e os gastos dos Estados Unidos. Como foi feito agora com a Ucrânia, que tem que pagar o Trump. Se decidiu, naquela época, que o padrão ouro, que já estava sendo abandonado durante a Primeira Guerra Mundial por incapacidade de transportar ouro em grande quantidade durante a guerra, se estabeleceu o padrão dólar. Ou seja, onde os norte-americanos garantiam que os  dólares podiam ser livremente convertidos em ouro. O ouro ficava depositado em Fort Knox, nos Estados Unidos, em Ohio, e o papel emitido pelo governo estadunidense, a verdinha, podia ser trocada por ouro. Então, se você tivesse US$ 100 você ia lá no tesouro americano e trocava por uma quantidade de ouro.

E isso teve duas consequências. Uma é que isso fez com que todas as contradições do capitalismo depois da Segunda Guerra, atingissem os Estados Unidos, que até então estava do outro lado do Atlântico, bem tranquilo e crescendo às expensas do Velho Continente. Mas teve outro problema também. Os Estados Unidos estabeleceram 754 bases militares no mundo e teve que fazer o Plano Marshall para reconstruir os Estados burgueses na Europa, para conter a revolução proletária e integrar a economia europeia ao controle dos EUA.  O Plano Colombo para reconstruir o Japão e o sudeste asiático, que é o Plano Marshall do Pacífico, e assim por diante. E, para isso, precisava de mais dólares do que aqueles que estavam emitidos com lastro direto no ouro.

Então, os Estados Unidos, como só eles controlavam o ouro (até hoje nenhuma pessoa que não trabalha em Ford Knox pode entrar, exceto, talvez, o presidente da República. o último que entrou foi o Franklin Delano Roosevelt. Eagora o Musk quer entrar, o Trump quer entrar, e está um rolo pra ver se o ouro está lá).

O que os americanos fizeram? Começaram a emitir dólar, sem explicação. Em 1970, Charles de Gaulle que tinha US$ 7 bilhões,  que na época era uma fábula de dinheiro em dólar, desconfiou que os americanos estavam dando um golpe e mandou buscar os sete bilhões da França em ouro. E, naquele momento, Richard Nixon assinou um ato impedindo a conversão, cancelando a conversão do dólar em ouro. E todo mundo, no mundo inteiro, inclusive De Gaulle, ficou com um papel que ninguém sabia qual era o valor, porque ninguém sabia quanto o ouro havia de lastro. Bom, o resultado é que todo mundo ficou quieto e continuou usando o dólar como padrão ouro, porque se alguém desse o grito de “pega ladrão” todo mundo corria ao banco e não tinha dinheiro, então o dólar continuou como o padrão. Golpe perfeito apoiado em armas.

Essa é a época do imperialismo. Época do declínio geral do capitalismo, onde as forças produtivas sufocam no Estado nacional e na propriedade privada, e são transformadas em forças destrutivas. Esse é o sentido do que Marx explicou de que se abria a época das revoluções, de mudança de sistema social, e a época que o Lênin, no século XX, chamou de imperialismo. Época das guerras e revoluções.

Nessa situação, as conquistas arrancadas após a Segunda Guerra Mundial, com o Exército Vermelho vencendo o nazismo, o medo do comunismo na Europa, no Japão, na Coreia, no Vietnã, enfim, o imperialismo era obrigado a fazer concessões pra tentar impedir que a expropriação dos meios de produção prosseguisse. Obviamente que eles não confiavam no Stalin a ponto de dizer “esse cara está com a gente”, apesar de toda a política de cooperação de Stalin que desenvolvia a política de “coexistência pacífica” com o imperialismo.

E aí vai se desenvolvendo cada vez mais a contradição entre o crescimento do capital constante e a equação com o capital variável, que é de onde sai o lucro. Ou seja, a expressão do roubo da mais-valia, que se transforma em lucro dessa forma. Aliás, é por isso que o dia em que as máquinas controlarem todo o planeta e fizerem tudo, acabou o capitalismo, porque não vai ter ninguém pra comprar o que as máquinas produzirem, e se as máquinas resolvem produzir tudo pra distribuir, não se chamará mais capitalismo, então isso é uma hipótese utópica e catastrófica, utópica ou distópica. A própria burguesia teria que lutar contra isso cruelmente. É, portanto, uma besteira.

Mas, em 1991, com a queda da União Soviética nós tivemos, digamos, a ruptura da ordem de Yalta e Potsdam pela metade. A outra metade continuou, que era a relação dos Estados Unidos com a Europa, com o Japão, com vários países que formavam o bloco que é o que vai levar em 1949 à formação da OTAN, e muito mais, com suas 754 bases militares espalhadas pelo mundo. Então, sobrou o controle imperialista, que prosseguiu, depois da queda da União Soviética já rasgada metade da ordem mundial de Yalta e Potsdam.

Agora, nós estamos numa nova etapa, a situação de ruptura da outra parte da ordem de Yalta e Potsdam e sua liquidação. O discurso de Marco Rubio, no Senado americano, que se completa com o discurso de J. D. Vance, na Conferência de Segurança na Europa, em Munique, tem duas coisas significativas. J.D. Vance diz que os governos europeus estão perdendo a eleição e vão perder porque entraram nessa baboseira de identitarismo, e não se preocuparam com a fome do povo, com o povo desempregado. Tudo o que ele falou é verdade, apesar de ser mentiroso e canalha, ele culpou a burguesia e os partidos burgueses europeus exatamente. E junto com isso acusou os governos e partidos europeus de atacarem a democracia ao regular e controlar as empresas norte-americanas. Eles pretendem arrombar as portas da União europeia, que eles próprios fizeram construir desde 1952, e de cada país em particular, para o imperialismo dos EUA.

A segunda questão relevante foi a declaração de guerra, que expressa a posição do Trump, no discurso de Marco Rubio, secretário de Estado, no Senado americano: “A ordem mundial do pós-guerra não é apenas obsoleta, mas tornou-se uma arma usada contra nós”, desde que “aceitamos o Partido Comunista da China na ordem mundial onde ele aproveitou todas as vantagens e ignorou todas as obrigações e responsabilidades”. Reconheço. no entanto, que a China “serviu-nos muito bem” e “muito”. E, conclui Rubio, “devemos recorrer a volta da criação de um mundo livre a partir do caos.”

Obviamente que essa gente não entende a estrutura orgânica do funcionamento do capital, e não a podem aceitar se alguém lhes explica. Inclusive aqueles que entendem este funcionamento sistêmico não podem aceitá-lo e lutam contra a maré, porque é sua vida, como classe, que está em jogo. A burguesia não pode nunca perdoar Marx por ter trazido à luz do dia o que se passava “na morada oculta da produção”, a apropriação privada da Mais-Valia.

Eles têm uma compreensão de que a ordem antiga não serve mais aos interesses do capital neste momento. E, que é a partir do caos que eles querem construir uma nova ordem. Acontece que, como já temos discutido, há uma cisão importante na burguesia imperialista do mundo, não é porque as Big Techs se juntaram com o Trump, que o capital financeiro internacional, todas as burguesias, inclusive norte-americana e da Europa, da Ásia etc. estão com o Trump. Não. O capital financeiro, que é o imperialismo no sentido leninista, ele não pode suportar uma política nacionalista de protecionismo e de guerra comercial violenta, como agora. Sim, agora existe uma verdadeira guerra comercial no mundo, desatada pelo Trump.

Antes eram rusgas e atritos, o que é normal num mercado público entre o sujeito que vende peixe e o que compra peixe. Um fala, você está me roubando e o outro diz que o peixe está mais caro, o aluguel subiu, é assim etc.

Mas, agora não, agora há uma guerra desatada. É o fim da ordem de Yalta e Potsdam, por isso o FMI está cada vez mais sumido, o Banco Mundial ninguém mais fala dele, a OMC que foi criada no mesmo sentido, só que mais tarde, está como moribunda que ainda não foi despejado do prédio que ocupa, mas que não serve pra ninguém mais, ou seja, é a continuidade da marcha à desagregação do mercado mundial. Essa marcha vem de longe, como já expliquei, mas está chegando a uma situação de desastre grandioso. 

Por exemplo, já se começa a falar em vários lugares que vão criar moedas regionais etc. Não vão conseguir fazer isso. O Lula é o campeão de dizer estas bobagens, fazer uma moeda do Mercosul, fazer uma moeda do BRICS, só que não tem viabilidade nisso porque o mercado é mundial e interdependente. E o que que eles estão começando a fazer já há algum tempo? Tentar sair do controle do dólar. E, por isso os Estados Unidos estão tão furiosos com a ideia de que se criem moedas para fazer comércio regional, porque o dólar poderia despencar para 10% do valor dele se isso acontecesse. 

Em tudo isso se acrescenta um pequeno problema. Esse negócio que já estão tentando fazer (compra e venda utilizando, por exemplo, reais brasileiros e remimbi chines)  é de certa maneira uma forma de escambo, que é do início do capitalismo, onde eu cortava o teu cabelo e você me dava uma galinha. Afinal, o real e o remimbi estão  no quadro da paridade internacional do processo de produção e circulação que, gostem ou não, ainda tem o dólar como padrão. 

Foi o que aconteceu em 2001 na Argentina quando toda a economia afundou. Eu te dou um sapato e você me dá um vestido, mas acontece que qualquer cara que tem o mínimo de senso na cabeça, sabe que sapato não tem o mesmo valor que o vestido. Pode valer muito mais ou valer muito menos. E se não há parâmetro para saber quanto de força de trabalho está investido em cada mercadoria, você desequilibra completamente o mercado e desagrega, desagrega o mercado e as cadeias de produção e circulação, porque o valor dinheiro tem essa função de sintetizar quanto de valor trabalho está incluído nele, para se equiparar entre as mercadorias, porque senão não há forma de comparar, não posso dar uma tonelada de minério de ferro e você me dá duas toneladas de milho. Ninguém sabe quanto vale isso se não tem padrão, padrão de comércio capitalista e internacional, porque o mercado é internacional. E, portanto, com a economia internacionalizada e completamente interdependente a única forma final de funcionar duradouramente é agindo sobre a base de um padrão, seja ouro ou dólar ou outro padrão universal. O resto é gambiarra. 

E o mercado financeiro que está controlando o conjunto da economia e da especulação no planeta, ele não pode aceitar uma situação dessa, porque acaba o mercado financeiro se isso se desenvolve e no fim o capitalismo regride para o mercantilismo mais primitivo inicial. Para a barbárie.

Bom, a divisão da burguesia é real e ela se expressa de certa maneira em alguns lugares nos aparelhos de Estado que são o Comitê de Negócios da burguesia, mas que não tem nada a ver com interesses próprios de Estado, que é o que afirma a geopolítica, que é uma teoria desenvolvida contra o marxismo, contra a unidade mundial da luta de classe. O que determina tudo é a unidade mundial da luta de classes que deriva da existência do mercado mundial.

Então a divisão internacional da burguesia ela existe, e isso vai continuar e se acirrar. Assim como a teoria falsa de Kautsky de que o desenvolvimento do imperialismo levaria a um super imperialismo que ao controlar tudo estabeleceria a ordem no mercado capitalista mundial.

O que o Trump está fazendo, eu também não chamaria muito de atitude imperial, porque isso remete a questão do imperialismo, e o imperialismo como o Trotsky já explicou desde Lênin, o imperialismo significa o domínio do capital financeiro, e não é isso que Trump está fazendo, ele está como um dragão semi moribundo, se remexendo, estrebuchando e quebrando o parquinho inteiro, está metendo fogo no parquinho. Sua “America First” conduz à obrigação de guerra comercial e ameaças ou mesmo guerras em todos os lugares. É um momento de aceleramento da decomposição da sociedade capitalista presa nas amarras do Estado Nacional e da propriedade privada dos meios de produção.

Nesta situação Trump e os setores capitalistas que representa devem disciplinar, conter, esmagar a classe trabalhadora dentro de seu próprio país, em primeiro lugar. Todos que observam a história sabem que não se pode fazer guerra fora com guerra dentro de casa. Hitler, assim como Mussolini, primeiro tiverem que destruir as organizações operárias para disciplinar e aterrorizar a classe trabalhadora e depois se lançaram a fazer guerra fora. Hoje, Trump está com guerra dentro e fora de casa. Será inexoravelmente levado ao confronto com a classe trabalhadora norte-americana, que não está derrotada, apesar da ausência brutal do fator subjetivo revolucionário, um partido operário independente e revolucionário de massas. É só recordar a greve da Boeing, as diversas greves de metalúrgicos e de portuários, enfermeiras, professores e as manifestações em defesa da Palestina, ou a explosão após o assassinato de George Floyd. Nesse sentido todo o impulso de Trump é para aprofundar o caráter bonapartista do regime norte-americano desembainhando abertamente a espada. Se não alcança seu objetivo necessário interno será derrotado na arena internacional, não pela força das armas, mas politicamente, como foi no Vietnam ou no Afeganistão. 

Como não existe socialismo num só país, também não existe capitalismo num só país. Mesmo que o imperialismo dos EUA tenha a maior força do mundo, ele não tem como disciplinar o planeta nesta era de ruína da sociedade capitalista. E eu dou exemplo da especulação interligada, por exemplo, quando saiu o DeepSeek e a Nvidia teve uma queda de 50% do seu valor na bolsa de Nova Iorque. Bom, perdeu 50% do valor em uma semana, grande crise e tal, loas à China por muitos incautos, e duas semanas depois a Nvidia já tinha recuperado 30% de seu valor. O que é uma demonstração absoluta da especulação e do significado das Bolsas. Porque se perdeu 50% de valor, como é que em duas semanas recupera 30%? E a Nvidia frente ao surgimento do DeepSeek resolveu fazer uns ajustes no que ela desenvolve. 

Agora o DeepSeek, ah! A China, agora a China vai tomar o globo e vai chamar o Flash Gordon e o Lex Luthor pra controlar o planeta. A DeepSeek fez uma gambiarra que se chama engenharia reversa, que significa roubo de tecnologia, mesmo que mais ultrapassada, e a usou utilizando os chips da Nvidia, de 3 anos, 4 anos atrás, comprados no mercado.

E teve, claro, chineses, como outros de qualquer país do mundo, inclusive o Brasil, que têm uma enorme criatividade, e utilizando chip e uma estrutura que levou 30 anos pra ser desenvolvida na Nvidia, e que, portanto, consumiu bilhões de dólares, ela pegou pronta, roubou tecnologia, pintou de azul, de colorido e botou no mercado. Como fazem os ladrões de carro e os receptadores de peças nos desmanches.

Então, o que nós temos na situação mundial, é uma Nova Situação Mundial com o fim da ordem mundial traçada no final da 2ª Guerra Mundial por Roosevelt, Stalin e o bufão Churchill, que fazia de conta que não via que ele era só passado junto com seu império que submergia.

A guerra das tarifas e a forma com que o Trump está conduzindo a discussão com a Rússia e com a Ucrânia, demonstram que eles não têm uma saída coerente, ou seja, há uma nova situação mundial, eles querem avançar, mas eles não têm uma saída coerente de salvação de sua sociedade. Assim seu caminho é a ampliação do domínio, opressão e exploração sobre os povos e as classes trabalhadores, guerras, miséria e sangue. O capitalismo surgiu suando sangue e sujeira por todos os poros e assim que ele vai acabar.

A invasão do Panamá pelos Estados Unidos provocaria uma onda anti-imperialista na América Latina, maior do que a de outras épocas, inclusive quando os Estados Unidos invadiram a Nicarágua em 1912 e 1933 e depois cercou Cuba. Na época, as notícias chegavam por telegramas e pelo jornal. Agora, no mesmo dia vai se estar mostrando o panamenho morto, americano morto, embaixadas queimando e tal. E, além do que, a alegação de Trump de que a China construiu um porto em cada ponta do Canal não se sustenta, pois os dois portos estão sendo comprados por uma empresa ianque de Nova Iorque. 

Mas, por que que eu chamo a atenção pra essa nova situação mundial? Porque isso vai provocar acirramento da luta de classes, e uma confusão maior ainda nas classes dominantes, além das organizações que se reivindicam da classe trabalhadora, mas estão adaptadas ao jogo capitalista, sua democracia bastarda e falsa e ao dinheiro que jorra do Estado para melhor controlá-las. E isto será uma brecha para a entrada da classe trabalhadora.

Se vocês ouviram o discurso do Justin Trudeau, ele foi impressionante. Ele é o primeiro-ministro do Canadá, mas já renunciou há um certo tempo e disse que não vai voltar à política mais. Ele fez um discurso falando para os trabalhadores dos Estados Unidos, e depois falando para os trabalhadores do Canadá, e depois fazendo uma gozação, porque é óbvio que ele fez, ele deu até sorrisinho na hora que fez isso, ele falou “Donald”, porque tem o Donald Trump e o pato Donald, ele falou “Donald você é um cara inteligente, mas essa tua atitude é uma burrice” como disse o Wall Street Jornal. 

Então, eu queria situar essa situação internacional para que a gente tenha a dimensão que nós estamos numa nova situação internacional, um terremoto que ninguém sabe exatamente onde e como vai parar se é que pode parar.

Nós não temos todo o plano delineado sobre o que fazer nessa nova situação, mas nós temos que entender que o mundo mudou, a ordem de Yalta e Potsdam está definitivamente encerrada, a Europa está em pânico, os Estados Unidos mordem e assopram, mas ele está mordendo e assoprando de uma forma extremamente violenta. Não é que exatamente ele esteja recuando, como na “teoria do louco”, de Richard Nixon, de que eu inclusive falei sobre isso, teoria que propõe “vai lá e diz que eu sou louco, que eu vou jogar uma bomba atômica etc., aí vê o que dá pra conseguir e daí a gente recua”.

Não, eles estão numa situação em que o morde assopra é para ir mordendo cada vez mais. É por isso que cada vez mais o militarismo, a produção de armas, a provocação de guerras localizadas ou regionais (Oriente Médio!).

E, numa situação em que os Estados Unidos estão começando a entrar em recessão, inclusive por causa das tarifas do Trump e, pior pra eles ainda e pro capital internacional, o Japão está saindo da deflação e entrando numa inflação, coisa que ele não via há décadas. Enquanto o Japão estava sofrendo com a deflação os trabalhadores também ainda mais porque a principal mercadoria que existe no mundo é a força de trabalho e seu preço é fixado pela média geral do mercado, com diferenças pontuais aqui e ali dependendo da luta de classes.

Então, é uma situação mundial nova e nós temos que nos preparar pra isso, refletir e agir em consonância com essa situação nova, uma nova situação mundial. Poderia aqui repetir muita coisa sobre as guerras existentes, especialmente Ucrânia e a Palestina. Mas, não se trata de repetir o que já escrevemos. Trata-se neste momento de compreender profundamente que existe uma Nova Situação Mundial e que tudo que é sólido se desmanchará no ar, como nos ensinaram os gigantes Marx e Engels. 

É o fim definitivo da ordem de Yalta e Potsdam. Bom, é basicamente isso que eu queria trazer para reflexão dos camaradas porque sem dúvida nenhuma nós estamos entrando numa época de redemoinhos, guerras e revoluções acentuadas e aceleradas. Nada será como antes.

As guerras localizadas vão continuar se desenvolvendo, a indústria de armamentos está em pleno desenvolvimento, nunca ganhou tanto dinheiro, e aqueles que acham que as guerras custam muito caro, que as guerras elas são feitas por indivíduos doentes ou alucinados ou com mania de grandeza,  e que elas acabam custando tanto que o país que faz a guerra quer parar a guerra pra não gastar mais, esses vivem no século XVIII e começo do XIX, onde os reis se endividavam pra comprar exércitos de mercenários etc. Nós vivemos na época do imperialismo, do militarismo, eu aconselharia muitos camaradas a lerem também sobre militarismo em Rosa Luxemburgo, Lênin e Trotsky.

E tudo isso ressalta a necessidade da luta diária pela construção do fator subjetivo necessário, o fator revolucionário, comunista, pois a “classe em si” luta, mas só pode vencer e varrer o triste regime da propriedade privada dos meios de produção, se ela se constitui em “classe para si”, nacional e internacionalmente.

Mãos à obra, camaradas! 

Serge Goulart
11/03/2025