Na recente reunião do Fórum Econômico Mundial em Davos, os ricos e poderosos se reuniram para discutir uma estratégia para a defesa de seu sistema. No passado, o ânimo desses encontros era de confiança e determinação. Neste ano, contudo, respirava-se desespero. A classe dominante passou das celebrações vitoriosas a encarar o abismo no espaço de apenas 25 anos.
Após o colapso do Muro de Berlim, a burguesia estava em alta em todo o mundo. Como já assinalamos muitas vezes, pensavam que haviam ganhado na disputa com o “socialismo” e acreditaram que a história havia terminado, como Fukuyama declarou. Essa ilusão se viu destroçada pela crise que começou em 2007 e que agora está entrando em outra, e mais crítica, etapa.
Ânimo deprimido em Davos
Desde o início da crise de 2008, nada foi resolvido. Nunca houve uma recuperação real na economia mundial depois de 2008 e agora estamos enfrentando outra recessão mundial. Dessa vez, no entanto, todas as medidas destinadas a tirar uma economia da recessão já foram utilizadas.
Agora, o que preocupa a classe capitalista é a chamada curva invertida de rendimentos. No passado, quando a dívida de curto prazo obtinha um rendimento mais alto (taxa de juros) do que a dívida de longo prazo – uma situação que surgiu várias vezes durante os últimos meses – a recessão prosseguia em sucessão curta.
Este ano, muitos líderes mundiais, que foram protagonistas dos encontros passados (como Macron e Trump) ficaram longe de Davos. Trump esteve participando de um jogo de empurra-empurra com o Congresso sobre o financiamento de seu muro fronteiriço (a propósito, foi ele quem piscou primeiro), enquanto Macron estava ocupado tratando de sufocar os protestos dos Coletes Amarelos, que causaram graves transtornos à economia francesa.
Os informes da reunião refletiram o estado de ânimo. Gideon Rachman comentou no Financial Times: “Todos necessitam de heróis – até mesmo os plutocratas de Davos. Mas a ‘elite global’ está atualmente carente de entusiasmo e ideias”.
O economista de Harvard, Kenneth Rogoff, disse ao FT: “Este é o Davos mais insípido de que posso me lembrar. Normalmente, há um país estrela ou uma indústria estrela de que todos estão falando. Mas este ano não há nada disso” (Davos 2019: No more heroes for the global elite, Financial Times, 28 de janeiro).
Rachman lista uma série de heróis anteriores: Erdogan, Brasil, Macron, Bitcoin, China e Modi. Todos eles estão atualmente no ostracismo de uma forma ou de outra. Não havia nenhuma fonte de entusiasmo e muitas razões de preocupação.
Uma das principais preocupações era sobre o comércio internacional. Martin Wolf, principal comentarista de economia do Financial Times, escreve:
“Desde a revolução industrial, a economia mundial experimentou duas grandes vagas de integração econômica ou, como agora as denominamos, ‘globalização’: no final do século XIX e início do século XX e no final do século XX e início do século XXI. O conflito entre as grandes potências, a depressão econômica, o nacionalismo e o protecionismo mataram a primeira. A mesma combinação, se ocorrer em sequência histórica diferente, ainda pode matar a segunda” (Davos 2019: A globalização enfrenta um caminho difícil à frente, Financial Times, 20 de janeiro).
Em particular, a virada ao protecionismo por parte dos EUA é preocupante:
“Se as ações tomadas até agora não são extremamente daninhas, muito mais o é a rejeição ideológica dos princípios do sistema de comércio global por parte de seu fundador, os EUA: em vez de liberalização, há protecionismo; em vez de multilateralismo, unilateralismo; em vez de regras globais, discrição nacional” (Ibid.).
Os EUA não estão mais no centro da liberalização comercial como estiveram no passado. É evidente que o protecionismo está aumentando nos EUA e os burgueses estão preocupados com que o protecionismo de Trump não seja apenas um fenômeno temporário, mas que se torne uma característica permanente da política dos EUA, independentemente da administração.
Além disso, o sentimento entre os dignitários reunidos era de que o controle político estava escapando de suas mãos:
“… é pouco provável que a combinação tóxica de populismo, protecionismo e nacionalismo, que atormenta os países desde o Brasil ao Reino Unido, desapareça logo – e as mudanças tecnológicas, como a inteligência artificial, podem tornar isso pior. E isso levou muitos chefes executivos nesta semana a se engajarem em uma nova onda de discussões sobre como atenuar o clima de raiva, através do ativismo social” (“O ânimo se torna muito mais sombrio em Davos”, Financial Times, 24 de janeiro).
Os participantes em Davos tinham muitas boas razões para estarem preocupados. As indicações são de que o crescimento dos últimos dois anos nos EUA, longe de ser o início de uma recuperação sustentada, foi apenas um aumento temporário impulsionado pelo fato de Trump ter derramado dinheiro sobre as grandes corporações.
O artigo de Rachman termina assim:
“Parece que o mundo desapontou Davos. Mas, novamente, talvez tenha sido Davos que desapontou o mundo” (Ibid.).
Uma “desaceleração sincronizada”
Em 7 de abril, o FT e o Instituto Brookings divulgaram o seu índice TIGER, que prognosticou uma “desaceleração sincronizada” na economia mundial. Isto se devia a uma queda nas exportações de uma série de países:
“O índice caiu em parte porque os dados concretos indicando atividade econômica real foram mais débeis, com países como a Itália caindo em recessão e a Alemanha evitando uma por pouco, e com a economia dos EUA perdendo força à medida em que os efeitos dos cortes de impostos de Donald Trump se desgastam” (Global economy enters ‘synchronised slowdown’, Financial Times, 7 de abril).
Por si só, não é uma leitura particularmente alarmante. A economia mundial reduzirá sua taxa de crescimento, mas ainda continuará crescendo a uma taxa de 3,3%. O professor Prasad do Instituto Brookings disse que “a desaceleração ainda não parecia dirigir-se a uma recessão global”, no entanto, “todas as partes da economia mundial estavam perdendo impulso”. Em outras palavras, não esperem que as coisas melhorem. Seja como for, piorarão.
O FMI, em abril, previu crescimento econômico de 3,3%, uma redução em relação à previsão de 3,7% em outubro. Prognosticou-se que o comércio mundial aumentará 3,4%, uma redução em relação aos 3,8% que foi o resultado de 2018. A queda foi generalizada em todas as principais economias.
Em janeiro, o FMI também rebaixou a taxa de crescimento de sua previsão anterior. Naquele momento, Greg Ip escreveu no Wall Street Journal:
“O Fundo Monetário Internacional ainda pensa que a economia global crescerá respeitáveis 3,5% neste ano. Mas este é o segundo rebaixamento desde um ano atrás quando o FMI aclamou ‘a mais ampla expansão sincronizada do crescimento global’ desde 2010.
“Esta última decepção não é a história; a verdadeira história é as decepções em série que perseguiram essa expansão desde o início” (The Global Boom, Barely Begun, May be Over [O boom global, apenas iniciado, pode haver terminado], Wall Street Journal, 23 de janeiro).
Ele cita as cifras de crescimento entre 2010 e 2019 com uma média de 3,8% anuais em vez dos 4,4% que vimos entre 2000 e 2007, mas até mesmo este crescimento modesto está desacelerando. O autor menciona o Brasil, a China, a Alemanha, o Japão, a Rússia e a Grã-Bretanha, que cresceram mais lentamente no ano passado do que nos oito anos anteriores. Outros países, como a Itália, como vimos, já estão em recessão.
Um dos fatores por trás disso são as tentativas dos bancos centrais de tornar o crédito mais caro. O BCE [Banco Central Europeu], a Reserva Federal e o Banco do Japão reforçaram suas políticas monetárias no ano passado. No entanto, isto por si só não explica o fenômeno. Se esta foi uma recuperação séria, esses pequenos ajustes não deveriam tê-la descarrilado.
O problema é muito mais profundo do que as decisões meramente acidentais dos banqueiros centrais ou as negociações entre os EUA e a China, ou o Brexit. A verdade é que o sistema capitalista não está enfrentando um problema menor, nem uma recessão curta, mas uma grande crise orgânica. O fato é que o capitalismo sobreviveu ao seu papel histórico. Já não pode mais desenvolver as forças produtivas como o fez no passado e vive há décadas no tempo emprestado.
Declínio da produtividade
Desde o início da crise, o investimento vem caindo, particularmente nos países capitalistas avançados. Isto levou a um declínio na produtividade. A produtividade do trabalho é fundamental para desenvolver o potencial produtivo da economia. Em sentido histórico amplo, é determinada pela habilidade dos trabalhadores e pelo nível da maquinaria e da infraestrutura. É uma expressão do nível alcançado pelas forças produtivas, que agora estão desacelerando dramaticamente.
Houve uma tendência de desaceleração da taxa de aumento da produtividade nos países da OCDE desde os anos 1970, de mais de 25% em sete anos no início dos anos 1970 a 21% na década anterior a 2007. Deve-se observar que parte da elevação da produtividade no período anterior a 2007 não se deu através do investimento, mas através do trabalho mais intenso da força de trabalho existente.
No entanto, ao contrário do investimento em nova maquinaria, há um limite para os ganhos de produtividade que podem ser obtidos com a intensificação do trabalho. Numa base anual, somente duas vezes, entre 1970 e 2006, houve um crescimento de menos de 1,5% na produtividade. Isso aconteceu em 1980 e 1982. Mas, desde 2006, o aumento da produtividade do trabalho somente excedeu 1,5% uma vez, em 2010, quando chegou a 2,5%. Então, o que era a exceção antes do crash agora se tornou a norma. Essa desaceleração no aumento da produtividade é uma indicação de quão séria é a crise.
Queda do investimento
No longo prazo, a única forma de se lograr crescimento econômico é através do investimento. Sob o capitalismo, isso vem tipicamente na forma de investimento público em infraestrutura ou na forma de investimento privado na produção. Somente elevando o nível de capital pode o capitalista elevar a produtividade do trabalho de forma sustentável. No entanto, os investimentos privados derivam dos lucros realizados pelos capitalistas. Ted Grant explicou a relação na década de 1950:
“O excedente produzido pela classe trabalhadora acima de sua própria subsistência é, além de uma pequena parte consumida pelos capitalistas, devolvido à produção. Todo o papel histórico do capitalismo foi o desenvolvimento das forças produtivas da sociedade através do uso do excedente na construção do capital” (“Haverá uma recessão?”, Ted Grant).
É por isso que os burgueses em tempos de crise buscam expandir a taxa de exploração da classe trabalhadora para reduzir seus custos e aumentar os lucros. Isso significa reduzir os salários e atacar as condições de trabalho, como também reduzir os impostos sobre as corporações para lhes dar, como eles dizem, “incentivos”. No entanto, apesar de todas as suas tentativas de aumentar os lucros ao longo das últimas décadas, o investimento declinou de forma contínua, mesmo antes da crise recente.
Nos países da OCDE, em particular, houve um declínio acentuado no nível do investimento como parte da economia total. De cerca de 26% na década de 1970, a Formação Bruta de Capital caiu para cerca de 21% atualmente.
Essa tendência de queda nas taxas de investimento vem ocorrendo há algum tempo. Em crises anteriores, menos graves, todas as vezes em que houve uma crise, ela vinha acompanhada por uma queda nos investimentos, e embora o investimento tenha se recuperado um pouco depois de uma recessão, nunca alcançava o nível em que se encontrava antes da crise.
No entanto, a queda no investimento de 26 a 21% do PIB subestima o impacto que isso produziu. Essas cifras consideram a formação bruta de capital, o que significa que a depreciação não foi considerada. Se observarmos o aumento no estoque de capital, a mudança que ocorreu nas últimas décadas é ainda mais dramática.
A taxa anual de crescimento no estoque total de capital costumava estar em torno de 3% nos EUA, mas vem caindo constantemente desde 1980 e em particular depois da crise. A mudança na Alemanha e no Japão é mais dramática. Entre 1950 e 1965, o estoque de capital alemão cresceu entre 6 e 10%, mas agora sua taxa de crescimento é de apenas 1%. O Japão teve uma taxa anual de crescimento de mais de 10% entre 1959 e 1973, mas agora está crescendo a menos de 1%.
A China é a exceção. Seu pico de crescimento foi alcançado em 2010. Grande parte do investimento industrial mundial durante as últimas três décadas se concentrou aqui, mas isso agora está também alcançando seus limites, e vemos o declínio acentuado em sua taxa de crescimento desde 2010.
Essencialmente, esse problema de falta de investimento e a consequente queda na taxa de crescimento do PIB revelam a escala do problema. Todas as tentativas dos burgueses de aumentar o nível do investimento fracassaram, ou pelo menos fracassaram em restaurar o capitalismo ao seu estado anterior.
Afinal, a única justificação histórica para o capitalismo é sua capacidade de investir para desenvolver as forças produtivas, mas isso não está mais ocorrendo. Nessas condições, o enorme crescimento da desigualdade serve apenas para aumentar a pilha de dinheiro acumulado em um extremo da sociedade, sem qualquer aumento significativo nos investimentos. Isso mostra muito claramente como o capitalismo já desempenhou o seu papel e necessita ser removido para que a sociedade avance.
O vício da dívida da economia mundial
A maneira como a burguesia tentou evitar a crise foi baratear o crédito e, assim, baratear os investimentos e os gastos do consumidor. Durante todo um período histórico, eles desregulamentaram e baixaram as taxas de juro para manter o investimento e o consumo andando.
No entanto, ao contrário do investimento, o consumo não eleva em primeiro lugar o potencial de longo prazo da economia. Apenas aumenta a quantidade do potencial da economia que está sendo utilizado. É por isso que os economistas burgueses tendem a se concentrar no que eles chamam de lado da oferta, basicamente o custo de produção.
No entanto, continua sendo um fato que sem consumo não haverá ninguém para comprar as mercadorias que estão sendo produzidas. Assim, quando os capitalistas atacaram os salários reais durante as décadas de 1980, 1990 e 2000, tiveram que substituir o poder de compra desses trabalhadores por outra coisa. Essa outra coisa era endividamento.
Em diferentes países, diferentes setores da economia acumularam diferentes níveis de endividamento. No Japão, por exemplo, o governo detém um pouco mais da metade da dívida, enquanto nos EUA é apenas um terço. No Japão, as corporações não-financeiras detêm 32% da dívida total, na Alemanha são 45%. O que é comum a todos os países é que, ao longo das últimas décadas, houve um crescimento massivo da dívida total.
Em 1960, segundo uma medição, a dívida total em escala mundial estava em torno de 90% do PIB mundial. Era um pouco mais alta nos EUA, onde se encontrava em torno de 140%. Houve um ligeiro aumento em 1980, mas era mais ou menos o mesmo patamar (120% da economia mundial). No entanto, depois disso, houve um acentuado aumento em escala mundial. Em 1990, a dívida total em escala mundial alcançou 160% e nos EUA, 180%. Em 2007, ela alcançou 190% e 250%, respectivamente. No Japão, a mudança foi mais dramática, quando a dívida subiu para 340% em 2007, partindo de um nível semelhante aos dos EUA em 1970. A Alemanha, depois de agregar uma grande quantidade de dívida na década de 1990, na verdade pagou parte de sua dívida, mas essa é a exceção e não a norma.
A dívida no período que antecedeu 2007 estava particularmente concentrada nos países capitalistas avançados da Europa Ocidental, na América do Norte, Japão, Austrália etc. Contudo, a crise mudou isso.
Em janeiro de 2007, os países avançados detinham 160% e o restante do mundo cerca de 30% da dívida mundial em relação ao PIB. Dez anos mais tarde, o restante do mundo detinha 70% e os países capitalistas avançados 150%. Muito disso se explica pelo aumento dramático da dívida chinesa.
Existem outras cifras para a dívida que são muito mais altas. O Institute for International Finance, por exemplo, estima a dívida total mundial em 317% do PIB mundial, em vez da cifra de 225% proporcionada pelos dados historicamente comparáveis do FMI. De qualquer forma, o processo continua o mesmo.
Esta foi uma política deliberada e “irresponsável” por parte da burguesia para evitar uma recessão em estágio anterior. O aumento do endividamento foi encorajado através de repetidas intervenções políticas do governo: as taxas de juro foram reduzidas mais de uma vez e os empréstimos foram desregulamentados para que os bancos emprestassem a clientes menos capazes de pagar os empréstimos que haviam tomado.
A bolha das hipotecas subprime, que foi o ponto inicial da crise de 2008, só foi possível porque o governo dos EUA aboliu as leis que impediam os bancos de emprestar a pessoas que eles sabiam que não poderiam pagar. Os bancos estavam apostando no fato de que, se tivessem que reaver uma casa, ela valeria mais do que valia a hipoteca original.
O propósito dessa política era o de manter vivas várias empresas e manter as fábricas abertas que, de outra forma, seriam forçadas a fechar. O mesmo aconteceu com as famílias que conseguiam hipotecas com facilidade e crédito barato em geral, que de outra forma seriam insustentáveis. Essa intervenção efetivamente impediu que o mercado cumprisse o seu papel de realizar a “destruição criativa”, para usar o termo eufemístico de Schumpeter. Ao manter as empresas vivas artificialmente, evitaram demissões em massa, despejos em massa e reduções massivas no poder de compra. Pode-se acrescentar que também estavam preocupados com o acirramento da luta de classes, que é o que realmente temiam.
O problema com a dívida, naturalmente, é que eventualmente ela tem que ser paga e não somente paga, também têm que ser pagos os juros. Os juros agravam o problema. A menos que quem toma emprestado o dinheiro esteja constantemente adicionando mais dívida, seu poder de consumo eventualmente será reduzido devido ao pagamento dos juros. Assim, para expandir constantemente o poder de compra ou a capacidade das empresas ou dos governos para investir, é preciso adicionar constantemente mais dívida. Este é particularmente o caso se há crescimento insuficiente na economia. No entanto, mais dívida cria mais juros e, assim, gera um círculo vicioso.
Em seu último informe, o Institute of International Finance adverte que “os gastos com juros da dívida pública podem desviar os gastos dos investimentos economicamente produtivos”. Isso em relação à dívida pública, mas o mesmo vale para as corporações. Resolver o problema do investimento e do consumo adicionando dívidas só piora o problema no futuro.
A crise na China
Na superfície, a China parece ser a exceção à regra do declínio geral, e a economia chinesa ajudou a impulsionar várias outras economias nos primeiros anos depois da crise. Brasil, África do Sul e Austrália foram todos arrastados pelo crescimento da China, exportando matérias-primas para alimentar a indústria chinesa. No entanto, isso terminou. A economia chinesa está desacelerando e de forma bastante dramática.
Desde 2008, a dívida chinesa explodiu quando o governo tentou manter a China fora da desaceleração geral. De um pouco mais de 130% do PIB, a dívida total alcançou 250% do PIB no ano passado. Em certo sentido, a elite dominante chinesa fez em 10 anos o que os EUA fizeram em 30.
Contudo, este nível de aumento da dívida é insustentável no longo prazo e o efeito da expansão do crédito se reduziu ao longo do tempo:
“Em 2008, de acordo com um relatório divulgado no Verão passado pelo FMI, 1 trilhão de yuan de crédito eram requeridos para gerar um trilhão de yuan de produção econômica. Em 2017, o ano mais recente para o qual tais dados são disponíveis, 3,5 trilhões de yuan de crédito eram necessários para a mesma escala de criação do PIB” (“As China Faces Slowdown, Stimulus Will Have Smaller Global Reach”, Wall Street Journal, 16 de março).
Isto significa que a economia tem de adicionar cada vez mais dívida para alcançar o mesmo nível de crescimento econômico. O limite dessa política foi alcançado agora. Como resultado, o governo chinês mudou de rumo nos últimos dois anos. Tentou reduzir o crédito e desenvolver outros métodos de crescimento. Parte disso foi uma tentativa de empurrar a economia chinesa a competir em novas áreas, por exemplo, “Made in China 2025”, que é um fator importante na guerra comercial EUA-China.
A retirada de algumas dessas linhas de crédito já viu o crescimento anual chinês cair a 6,6%, que é muito mais alto do que em outras partes do mundo. Mas ainda é o mais lento crescimento chinês desde 1991 e uma queda significativa em relação aos 8-14% que alcançou entre 2002 e 2011. Como mencionado, isso já mergulhou na recessão vários países que exportavam para a China.
Este ano, em vez do crédito, o governo tentou métodos similares aos realizados no Ocidente:
“A restrição aos níveis de endividamento já altos explica por que a natureza do pacote de crescimento de Pequim está mudando em comparação à era da crise financeira – do crédito aos cortes de impostos e gastos governamentais.
“A mudança pode não ser tão potente e rápida como os esforços anteriores: a senhora Wang [economista-chefe da UBS] crê que as empresas provavelmente manterão a maior parte dos impostos economizados em vez de gastá-los, à luz da desaceleração e da incerteza causadas pelas tensões comerciais entre os EUA e a China” (Ibid.).
Sem dúvida, o estímulo terá um impacto, mas será insuficiente para impedir que o crescimento chinês desacelere ainda mais. Isso representa um problema não só para a China como também para uma grande quantidade de países que dependem do crescimento chinês para manter crescendo suas próprias economias.
A economia dos EUA está desacelerando
A maior economia do mundo continua a ser a dos EUA, e ela desempenhou um papel importante na leve recuperação experimentada pela economia mundial. No entanto, muito disso foi de natureza temporária:
“A recente força dos EUA também se deve principalmente à política fiscal: um grande corte nas taxas de impostos no início de 2018 e um aumento no gasto federal. O corte da taxa corporativa deveria, em teoria, impulsionar o investimento. Mas, embora o crescimento tenha se acelerado no ano passado, o Penn Wharton Budget Model, um grupo de acadêmicos, atribui toda essa aceleração a um aumento dos preços do petróleo que estimulou mais perfuração e extração de petróleo do xisto betuminoso. É provável que não se repitam nem o estímulo fiscal nem o aumento dos preços do petróleo” (“The Global Boom, Barely Begun, May Be Over”).
As enormes doações às corporações realizadas pela administração Trump no início do ano passado realmente tiveram um impacto, mas foi temporário, e foi à custa do aumento massivo do déficit orçamentário federal (de 3,5% do PIB a 5,1%). Não proporcionaram um impacto sobre o investimento e não criaram o potencial para qualquer recuperação no longo prazo.
Agora, a economia está começando a desacelerar à medida que os efeitos da retirada dos estímulos são sentidos, em combinação com a disputa comercial entre os EUA e a China. As cifras para o primeiro trimestre de 2019 pareciam boas, superficialmente. A economia cresceu 3,2% em comparação ao ano anterior. Mas essa cifra esconde o fato de que uma grande parte desse crescimento se deve ao aumento dos estoques. As empresas estão se aprovisionando antes das possíveis tarifas, se as negociações comerciais entre os EUA e a China forem ruins. Eliminando-se o comércio, os estoques e o gasto governamental, a economia só aumentou 1,3%, o que equivale à metade da taxa do quarto trimestre de 2018. No quarto trimestre, a economia cresceu meros 2,2%, uma queda comparada à do terceiro trimestre, quando a economia cresceu 3,8%. Então, em vez de ser motivo de celebração, os mercados de ações caíram durante a divulgação das últimas cifras. Sob a superfície, parece que a economia dos EUA está desacelerando.
Política monetária esgotada
A chave para se controlar a disponibilidade do crédito são os bancos centrais. Eles usam as alavancas a sua disposição, principalmente as taxas de juros, para tentar nivelar o ciclo econômico. No entanto, são incapazes de resolver fundamentalmente os problemas da economia capitalista, como Ted Grant apontou alguns anos atrás:
“Por acaso, a Comissão Radcliffe demonstrou de forma conclusiva a falácia de que a economia era controlada por medidas monetárias. De fato, como os marxistas sempre argumentaram, o inverso é o caso. O desenvolvimento da economia na direção da inflação ou da deflação força a elevação ou a redução da taxa bancária.” (“Haverá uma recessão?”)
De fato, a falta de demanda efetiva causou tremenda pressão deflacionária. Para aumentar o investimento e o consumo, os bancos centrais recorreram a uma política monetária frouxa sem precedentes. As taxas de juros ao longo de todo um período histórico estiveram em constante declínio.
Todas as vezes em que houve uma recessão, as taxas da reserva federal caíram em torno de 5 pontos. No entanto, desde 1980, todas as vezes que caíram, não voltaram a subir ao seu nível anterior à recessão. O resultado é que, quando se produziu a última recessão, a taxa da reserva federal era só de 5% e, depois de ser reduzida em 5 pontos, se manteve em zero. No entanto, mesmo com um juro de 0%, a inflação ainda não aumentaria, o que é profundamente preocupante para o pensamento burguês:
“A razão é que grande parte do mundo parece estar estancado em um equilíbrio de baixo crescimento e não pode tolerar taxas de juros tão altas quanto antes. A taxa de juros ‘neutra’ – alta o suficiente para conter a inflação, baixa o suficiente para evitar a recessão – é muito mais baixa do que antes. Por exemplo, se o último aumento da taxa do FED for o último, como muitos suspeitam, então a nova taxa ‘neutra’ real (ajustada pela inflação) nos EUA é inferior a 0,5%, comparada aos históricos 2%” (The Global Boom, Barely Begun, May Be Over).
Como sugere o título de seu artigo, Greg Ip está preocupado com o fato de que, 10 anos após o início da crise, a taxa de juros real seja apenas de meio ponto acima de zero. Isto é significativamente menor do que no passado.
Imprimindo dinheiro – sem inflação?
A triste situação da economia levou a programas sem precedentes de Flexibilização Quantitativa. O fato de que a Reserva Federal pôde imprimir efetivamente 3,5 trilhões de dólares sem que isto produzisse um efeito significativo na inflação mostra a profundidade da crise.
A razão disso foi que este dinheiro terminou em grande parte nas mãos das grandes corporações e bancos que não viam nenhuma razão para investir. Já estavam sentados em montanhas de dinheiro e uma linha extra de crédito não era muito útil. Em vez disso, o dinheiro foi utilizado para fins especulativos.
Houve uma série de leilões de arte, com um príncipe saudita pagando 450 milhões de dólares por um dos 20 Da Vinci conhecidos. As bolhas habitacionais vêm crescendo na América do Norte, na Europa do Norte e, de forma crucial, na China. As bolsas de valores vêm crescendo em valor com o Índice Dow Jones chegando ao recorde de 26.000 pontos, duas vezes mais alto do que antes da crise (o mesmo aumento do S&P 500). Outras bolsas de valores não-estadunidenses registraram aumentos substanciais, se não tão altos quanto nos EUA.
Essas bolhas de “ativos” (ações, imóveis, arte etc.) tiveram o efeito de também aumentar massivamente a disparidade da riqueza. Muitas das cifras sobre a imensa desigualdade de riqueza derivam do fato de que os ativos dos ricos aumentaram massivamente devido ao crédito barato.
Outro efeito dos programas de flexibilização quantitativa foi o de deprimir simultaneamente a moeda estadunidense e, ao mesmo tempo, oferecer um crédito muito barato. Essa combinação foi muito ruim para vários países que começavam a tomar empréstimos em dólares estadunidenses.
Quando a política dos EUA mudou para endurecer o crédito, o que elevou o dólar e aumentou os custos dos empréstimos, esses países acabaram em uma situação muito crítica. As empresas não-financeiras turcas, por exemplo, conseguiram acumular uma dívida equivalente a quase 50% do PIB denominada em dólares e euros. Quando a Lira caiu, essa dívida subiu de repente em 10%. A dívida do governo argentino aumentou em 30 pontos, de 57% a 86% no ano passado. Agora, ela detém 64% do PIB em dívida denominada em moeda estrangeira, como resultado do colapso do peso. Portanto, as mudanças na política monetária dos EUA estão tendo severas repercussões em outros países.
Guerras comerciais tornando uma má situação ainda pior
Uma das principais preocupações dos economistas vem sendo a perspectiva de guerra comercial. Muitas decisões sob o capitalismo são baseadas em projeções do tamanho esperado do mercado, às vezes com bastante antecedência. Há questões de prazo mais curto sobre quantas matérias-primas comprar e quantos produtos produzir, mas também há outras de prazo mais longo sobre a possibilidade de comprar nova maquinaria ou de construir novas fábricas, que se baseiam nos anos esperados de mercado no futuro. A insegurança sobre os mercados mundiais fará com que as empresas hesitem ao assumir compromissos.
Quando Trump ameaça uma tarifa de 25% sobre as importações da China, isso gera muita incerteza. Quando as empresas repassam esse custo aos consumidores (e a maior parte será inevitavelmente repassada), isso reduzirá as vendas. Portanto, as fábricas que você construiu ou a maquinaria que você comprou serão capazes de produzir muito mais do que você pode vender, o que significa que você não poderá recuperar o dinheiro que o maquinário custa. Em certo sentido, ameaçar com tarifas é quase tão ruim quanto impô-las. Mesmo que você nunca as imponha, se os mercados levarem você a sério, eles adiarão os investimentos.
Além disso, quando as empresas começam a construir suas cadeias de suprimento, querem previsibilidade. Querem saber quais serão os custos de suas partes. Considerem o iPhone da Apple, que absorve componentes dos EUA, Japão, Coreia do Sul, Taiwan e da União Europeia, para depois ser montado na China. A maior parte do trabalho é feito em outros países, mas é montado nas enormes fábricas da Foxconn na China. Então, a Apple é vulnerável em várias frentes a surtos repentinos de tarifas ou a outros obstáculos ao comércio. É por isso que estavam travando uma batalha contra as tarifas no ano passado. Grande parte da produção mundial é feita dessa forma, significando que as empresas multinacionais são muito vulneráveis a guerras comerciais.
Trump se comportou como um rinoceronte em uma loja de porcelana no cenário mundial, tentando intimidar aliados e inimigos para que mudem as condições comerciais. A disputa com a China provocou a maior preocupação porque se trata das duas maiores economias do planeta.
Segundo distintos informes, Trump esteve pressionando por um acordo, mas, naturalmente, desde que fosse um “bom acordo”. O que isto significa é que tem que ser um acordo que ele possa vender de alguma forma ao seu eleitorado como “progresso”, algo que faça parecer que ele está falando sério sobre “tornar a América grande novamente”. Agora, as duas potências parecem estar em rota de colisão mais uma vez, com Trump impondo outra rodada de tarifas e os chineses ameaçando com contramedidas. O mais provável é que cheguem eventualmente a algum tipo de acordo, mas ainda está por se ver se as tarifas continuarão ou não. No entanto, um acordo não será o fim da questão, como estão bem conscientes os burgueses:
“O que realmente preocupou alguns executivos-chefes foi a percepção de que mesmo que os chineses concordem em fazer concessões significativas sobre tarifas aos estadunidenses, a China e os EUA estão se dirigindo para um confronto de longo prazo sobre quem controlará tecnologias como o portátil 5G” (“Mood turns ‘a lot more gloomy’ at Davos).
Essencialmente, a luta entre as potências imperialistas está se intensificando como resultado da crise. Um acordo não pode resolver essa questão. Novas tecnologias estão sendo desenvolvidas e haverá uma luta sobre quem deve controlar os novos mercados. É disso que trata “Made in China 2025”, e é precisamente isso o que está preocupando os EUA e a União Europeia. A China quer tomar uma grande fatia dos mercados em expansão nos campos dos aviões, dos carros elétricos, da energia solar e dos semicondutores.
No curto prazo, as empresas chinesas ZTE e Huawei estão dando uma oportunidade aos seus concorrentes, e os EUA, como bem se sabe, estão tentando bloqueá-las. As acusações de espionagem provavelmente não são totalmente infundadas. De fato, Snowden revelou com precisão o quanto os EUA confiam em suas empresas multinacionais para a espionagem, de modo que as agências de espionagem dos EUA sabem que isso pode ser feito. Mais importante, entretanto, é que os EUA estão tentando impedir a Huawei de ganhar a parte do leão do mercado do 5G. A desculpa da segurança nacional é cada vez mais forte, visto que os senadores dos EUA estão agora argumentando que os trens que os chineses exportam para os EUA colocam os passageiros estadunidenses em risco de serem espionados. Claramente, isto não tem nada a ver com espionagem e tudo a ver com o fato de que os fabricantes chineses de trens estão superando seus rivais estadunidenses.
Há uma séria ameaça de que as duas economias desacoplem, rompendo as cadeias de suprimento e deslocando as rotas comerciais. A Foxconn está considerando transferir a produção de iPhones para a Índia, a GoPro está transferindo produção para o México, a Ford está descartando planos de exportar carros da China para os EUA etc. O investimento de empresas chinesas nos EUA se deteve e o fluxo dos EUA para a China desacelerou. O conflito tarifário no ano passado desencadeou uma vaga de protecionismo antichinês, ameaçando o comércio mundial.
A ameaça do protecionismo
Essa luta por mercados não está sendo travada apenas entre os EUA e a China. Os europeus têm suas próprias disputas. Para citar alguns exemplos:
- A batalha pelo controle da Nissan, quando a junta japonesa se revoltou contra os planos do governo francês de assumir o controle acionário da Renault. Isso envolve um processo judicial no qual Carlos Ghosn, o ex-CEO de ambas as empresas, é acusado de má condução financeira.
- Múltiplas queixas à OMC sobre subsídios estatais a Boeing e Airbus, levando a OMC a se pronunciar contra a União Europeia e aos EUA. Isso levou a União Europeia e os EUA a se engajarem em ameaças tarifárias.
- O encalhamento do Boeing 737 MAX foi realizado primeiro pela China, em seguida pela União Europeia e finalmente pelos EUA.
- Trump há algum tempo vem pedindo tarifas de automóveis sobre as exportações da União Europeia aos EUA, particularmente as exportações alemãs.
Isso mostra um quadro de tensões crescentes em escala global, onde as principais potências imperialistas estão engajadas em ações para defender os interesses de suas empresas multinacionais. Isso ameaça a premissa básica de como se estruturou a economia global.
Os governos alemão e francês recentemente entraram em conflito com a Comissão Europeia sobre a questão da legislação da concorrência. Os dois governos estão favorecendo uma fusão entre os fabricantes de trens Alstom e Siemens, mas a Comissão Europeia recusou. Através da fusão dos dois maiores fabricantes de trens da Europa, esperavam criar um concorrente à chinesa CRRC, que é o maior fabricante do mundo. No entanto, a Comissão Europeia bloqueou a fusão, devido ao papel dominante que a nova empresa teria sobre o mercado europeu.
Tanto o governo francês quanto o alemão exigiram mudanças na legislação para permitir a criação de tais “campeões” europeus. Eles propuseram que um conselho de ministros da União Europeia pudesse ter um veto nacional sobre as decisões de concorrência. Manfred Weber, eurodeputado alemão e principal candidato pelo Partido Popular Europeu, disse que iria propor mudanças na legislação para criar isenções especiais onde as fusões resultassem em “campeões” europeus e que queria “mais empresas Airbus” (note-se que a Airbus controla cerca da metade do mercado mundial de aviões). A Federação das Indústrias Alemãs (BDI) também apoiou as mudanças nessa direção.
O BDI e o ministro da economia alemã, Peter Altmaier, foram ainda mais longe. O BDI propôs subsídios estatais (para combater os subsídios chineses). Altmaier propôs um fundo de investimento estatal para combater as aquisições estrangeiras de empresas cuja “tecnologia é crucial para a futura competitividade da Alemanha” e disse que era do “interesse nacional e econômico” da Alemanha proteger os “campeões”.
O que está sendo proposto é basicamente a criação de enormes monopólios europeus para enfrentar em particular os chineses, mas também outros monopólios. Em certo sentido, é um desenvolvimento posterior do que Lenin descreveu em Imperialismo: a etapa mais alta do capitalismo, quando cada estado-nação tinha alguns monopólios em cada indústria. Agora, estão tentando efetivamente criar alguns monopólios em escala mundial, onde a União Europeia terá seus próprios monopólios, ou, como eles preferem chamá-los, “campeões”.
Este tipo de desenvolvimento é efetivamente o mesmo que o protecionismo, que não passa despercebido na imprensa dos negócios. O Financial Times escreve: “o mais recente sinal do crescente sentimento protecionista em Berlim” (“Altmaier exorta a União Europeia a proteger dos rivais chineses a tecnologia”, 17 de fevereiro), e eles estão preocupados. Alan Beattie, o principal comentarista europeu, comenta: “A criação de campeões europeus corre o risco de criar um estado permanente de guerra de concentração do mercado”. A pergunta é: como responderão os EUA, o Japão ou o Canadá a tais ações da União Europeia? Inevitavelmente, eles terão que responder com seus próprios subsídios estatais.
Em geral, a burguesia está muito preocupada sobre os efeitos que essa ascensão do protecionismo produzirá na economia mundial. O FMI encomendou um estudo como parte de seu relatório World Economic Outlook em abril. Ele detalha o papel que o livre comércio (“globalização”) desempenhou no investimento. Conclui que a integração comercial contribuiu com até 60% da queda no preço da maquinaria em relação ao preço dos bens de consumo. O relatório sugere que a redução de 1 ponto percentual nas tarifas resultou no aumento de 0,4 ponto percentual no investimento.
“As tensões comerciais e o lento crescimento da produtividade podem desacelerar o declínio no preço relativo da maquinaria e dos equipamentos, o que impedirá o crescimento do investimento em todo o mundo” (“Why Investiment May Come Under Threat”, FMI Blog).
O movimento em direção ao protecionismo teria um impacto decisivo, não só no curto prazo como também no longo. Corre o risco de levar a um aumento no custo de investimento e à consequente queda de novos investimentos. O protecionismo levanta a perspectiva de interromper as rotas de suprimento, elevando o custo das mercadorias e o custo do investimento. Se o FMI está correto em suas conclusões, e não existe nenhuma razão para se pensar que estaria equivocado, isso significa que o já limitado investimento na economia mundial poderia cair ainda mais.
As consequências políticas da crise
Os economistas do mundo foram forçados a reconhecer que a política desempenha um papel importante na economia mundial. Por dois anos consecutivos, o FMI listou os riscos políticos como os mais importantes fatores de risco para a economia. Enquanto a maquinaria e as matérias-primas descartadas não fazem barulho ou protestam, os trabalhadores sim o fazem. Os trabalhadores e os pobres têm uma tendência a ficar irados quando seus padrões de vida são ameaçados por cortes, demissões e ataques.
A burguesia, que sempre reage empiricamente aos acontecimentos, se deu conta disso com lentidão. Isso estava no primeiro plano das mentes dos participantes em Davos:
“Ainda pior, o espectro do risco político está agora assombrando a suíte C [C-suite ou C-level é uma linguagem amplamente usada para descrever um grupo de executivos principais mais importantes de uma corporação -NDT] em um grau que poucos executivos do Ocidente viram antes em suas carreiras. ‘Em termos gerais, a economia ainda é relativamente forte: vemos que a demanda por TI continua a crescer’, disse Antonio Neri, executivo-chefe de Hewlett-Packard. ‘Mas há instabilidade política – temos a globalização e o nacionalismo acontecendo ao mesmo tempo’” (“Mood Turns ‘a Lot More Gloomy’ at Davos”).
A ascensão de Trump, um protecionista, como o chefe da mais poderosa potência imperialista, é um sinal do que está por vir. O mesmo desenvolvimento pode ser visto na Itália e no Brasil, onde forças de direita estão no governo e além do controle direto da burguesia.
A manipulação da saga do Brexit pelo governo Conservador britânico é outra fonte de perplexidade para o mundo burguês:
“A Grã-Bretanha desapontou Davos votando pelo Brexit – e apenas confundiu os delegados na conferência deste ano colocando enormes cartazes sobre o Hotel Belvedere proclamando: ‘o Livre Comércio é ótimo’” (“Davos 2019: No More Heroes for the Global Elite”).
A ascensão de vários tipos de movimentos nacionalistas de direita coloca uma ameaça séria ao mercado mundial e à estabilidade política. Marx e Engels salientaram em O Manifesto Comunista que os governos burgueses são meramente “um comitê para administrar os assuntos comuns de toda a burguesia”. No entanto, na atual situação mundial, esses governos, sob a pressão das mudanças de humor na sociedade, estão desenvolvendo uma certa independência da burguesia. No final, até os políticos burgueses têm, de uma forma ou de outra, de convencer os trabalhadores a votar neles.
A malfadada tentativa de Cameron de manter o Partido Tory junto levou ao Brexit. A tentativa de Theresa May de manter os Tories juntos levou o país à beira do abismo, e o partido agora está enfrentando uma explosão. A tentativa da burguesia brasileira de se livrar de Dilma, um movimento a que o imperialismo se opunha no momento, preparou o caminho não para o governo dos partidos burgueses tradicionais que a acusavam, mas para Bolsonaro. Macron era para ser a salvação da França e da Europa, mas apenas preparou os maiores protestos de massas em décadas. Os acontecimentos parecem estar conspirando contra a classe dominante, mas apenas refletem a profunda ira que existe contra a ordem existente.
O CEO do grupo japonês Suntory, Takeshi Niimani, comentou:
“As pessoas [em Davos] estão percebendo que têm de começar a operar para o bem social ou corremos o risco de ser expulsos – temos todo esse nacionalismo e populismo e sabemos que, se a economia estiver sombria, isso pode piorar” (“Davos 2019: No More Heroes for the Global Elite”).
A realidade da situação está gradualmente se impondo à burguesia, “Operar para o bem social” é só uma expressão vazia, embora com as costas contra a parede eles possam fazer concessões temporárias em várias frentes.
Esse sentimento é ecoado cada vez mais por alguns dos grandes burgueses. Em abril, dois importantes banqueiros, o chefe do JP Morgan Chase e o da BridgeWater Associates, comentaram sobre isso. Ambos se referiram à questão da desigualdade, concluindo, como colocou Jamie Dimon de JP Morgan Chase: “Em poucas palavras, as necessidades sociais de muitos de nossos cidadãos não estão sendo atendidas”.
Na carta de Jamie Dimon, que faz parte do relatório anual da empresa, encontra-se o seguinte título: “O capitalismo é o culpado? O socialismo é melhor?”. Sem surpresa, ele conclui que o capitalismo é superior, mas o fato de que tenha sentido a necessidade de comentar sobre isto é instrutivo.
Ray Dalio, um dos fundadores de BridgeWater Associates, vai mais longe. Este líder do maior fundo de hedge do mundo nos dá essa denúncia condenatória:
“Durante esses muitos anos também vi o capitalismo evoluir de uma forma que não está funcionando bem para a maioria dos estadunidenses porque está produzindo espirais auto-reforçadas para os que têm e para os que não têm” (“Why and How Capitalism Needs to Be Reformed”, 4 de abril).
Quando enfrentada à crise de 2008, a classe dominante internacionalmente retirou todos os obstáculos para resgatar o sistema, mas apenas reinflou a bolha. Em certo sentido, ela foi “irresponsável”, mas temia as consequências de deixar a economia em queda livre como na década de 1930. No entanto, mesmo essa austeridade relativamente branda fez com que os burgueses perdessem o controle de seus representantes políticos. A desigualdade disparou e é claro que a pouca recuperação que houve só beneficiou os ricos. Isso não augura nada de bom quando chegar a próxima recessão.
Dalio saca a seguinte conclusão da situação atual:
“A disparidade da riqueza, especialmente quando acompanhada pela disparidade em valores, leva a um conflito crescente e, no governo, isso se manifesta na forma de populismo de esquerda e populismo de direita e frequentemente em revoluções de um tipo ou de outro. Por essa razão me preocupa como será a próxima recessão econômica, especialmente porque os bancos centrais têm capacidade limitada para revertê-la e temos tanta polaridade política e populismo”.
Haverá uma depressão?
Não é por acaso que a Alemanha está encabeçando o movimento em direção ao protecionismo na Europa. A economia alemã está lutando com a desaceleração na China, bem como com as dificuldades econômicas na Europa. As exportações caíram 1,3% em março, o que foi mais do que o prognóstico de 0,5%. A fabricação foi a mais afetada. Os pedidos em fevereiro caíram 8,4% em comparação a fevereiro de 2018.
A economia italiana já estava em recessão na segunda metade do ano passado. A Alemanha evitou por pouco uma recessão técnica visto que só sofreu uma queda no PIB de um trimestre, entre julho e setembro, e o PIB estagnou no quarto trimestre. Em seu conjunto, a zona do euro cresceu 0,1% no terceiro trimestre e 0,2% no quarto. Isso dificilmente inspira confiança. Joerg Karemer, economista-chefe de Commerzbank comentou: “Estamos atualmente em uma zona cinza entre uma desaceleração pronunciada no crescimento e uma recessão”.
O BCE enfrentou a ameaça anunciando outro pacote de estímulo. Como a taxa de juros já está em zero ou logo abaixo, teve que retomar seu programa de compra de títulos que só terminou em dezembro. Este novo programa de compra de títulos provavelmente terá pouco efeito, como aponta o Wall Street Journal:
“A efetividade do novo financiamento barato do BCE pode ser limitada, dizem alguns economistas, na medida em que uma perspectiva econômica incerta, mais do que a incapacidade dos bancos para assegurar o financiamento, reduziu os empréstimos” (“As Draghi Moves to Avert Recession, Eurozone Looks for a Jolt”, Wall Street Journal, 8 de março).
Em outras palavras, os bancos têm muito dinheiro, simplesmente não querem emprestar aos seus clientes, porque não têm certeza de que seus clientes possam devolvê-lo. O BCE tem uma margem muito limitada para estimular a economia.
“’Não há muito de poderoso que [o BCE] possa fazer’, disse Dirk Schumacher, economista-chefe de Natexis em Frankfurt. ‘O que é poderoso é a política fiscal’” (Ibid.).
No entanto, os governos do Norte da Europa mostraram-se pouco dispostos a aumentar os seus déficits orçamentais para ajudar a economia europeia geral. Fazer isso não resolveria o problema de suas respectivas indústrias de exportação. A Alemanha tem até disciplina fiscal escrita em sua constituição, então um estímulo keynesiano de qualquer escala significativa é improvável, a menos que as coisas piorem drasticamente. No final, as perspectivas para a economia europeia parecem sombrias.
Muitos dos “países em desenvolvimento” estão se debatendo como resultado do efeito combinado da crise na Europa e da desaceleração na China. O Brasil passou por dois anos de perda de 3% do PIB, embora tenha se recuperado ligeiramente desde então. O PIB da Argentina, a segunda maior economia da América do Sul, caiu 2,7% no ano passado e se prevê que caia 1,2% neste ano. O FMI também está projetando uma queda de 2,5% para a Turquia.
A economia mundial passa por crises a cada 6-10 anos. Isso faz parte do ciclo normal dos negócios. A atual recuperação nos Estados Unidos foi a mais longa desde a década de 1960. Todos sabem que outra crise está chegando. É meramente uma questão de quando.
No entanto, dessa vez, as ferramentas que eles usaram para sair das recessões anteriores não estão mais disponíveis. As taxas de juros para todos os principais bancos centrais estão em mínimos históricos para este ponto do ciclo econômico. Os bancos centrais japonês e europeu, bem como uma grande quantidade de bancos dos países menores, têm taxas em zero ou abaixo de zero. Os déficits orçamentários do governo são grandes nas principais economias e as dívidas estatais são significativamente mais altas do que eram no passado. Safaram-se de todas as dificuldades em 2008 e resgataram a situação temporariamente, mas agora tudo está azedando novamente.
Nessa base, a única conclusão que podemos tirar é que, quando a próxima recessão chegar, será muito mais profunda e mais dura do que a de 2008-9. A crise, portanto, não terminou absolutamente. Está prestes a entrar em uma ainda mais séria etapa, com todas as consequências que isso acarreta para a instabilidade social e para a luta de classes.
Tradução de Fabiano Leite.