Foto: Govesp

Doria tenta salvar o capitalismo, não as vidas

Desde o momento em que a pandemia mundial foi constatada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), por conta do novo coronavírus, a burguesia em todo o mundo se dividiu sobre as formas de lidar comcom esse aprofundamento da crise do sistema capitalista. Essa divisão se expressa no Brasil, de modo mais transparente, entre Jair Bolsonaro e João Doria (PSDB), governador de São Paulo. Enquanto o primeiro quer jogar os trabalhadores aos leões para garantir os lucros imediatos da burguesia, o segundo quer defender as instituições e o próprio sistema, a médio e longo prazo,  mesmo que para isso tenha que promover medidas menos violentas comparadas ao governo Bolsonaro.

Como demonstraremos, em ambos os casos, independente das medidas, Bolsonaro e Doria estão do mesmo lado, em defesa do capitalismo. A diferença é que, enquanto o primeiro segue em ofensiva aberta, o segundo recua momentaneamente, fortalece o sistema e prepara os futuros ataques. 

As medidas de Doria 

Destacamos aqui, quatro medidas de combate ao coronavírus apresentadas pelo governo do estado de São Paulo: 

  1. Pedido de suspensão do pagamento da dívida pública;
  2. Defesa do isolamento horizontal;
  3. Pagamento do valor das merendas aos alunos;
  4. Confisco de materiais de saúde das empresas privadas.

Analisemos cada uma delas e vejamos o quanto são de fato medidas que defendem a vida. 

1. Dívida Pública

Doria e a maioria dos governadores solicitaram a suspensão do pagamento das dívidas públicas estaduais. Só em 2020, cerca de R$ 17,5 bilhões do orçamento do estado de São Paulo seriam destinados ao pagamento desta dívida, sendo mais de R$ 11 bilhões destes somente de juros e encargos1.

Sabemos que a dívida pública é uma fraude do capital financeiro para saquear a classe trabalhadora de todo o mundo. É um sistema promovido pela classe capitalista como forma de lucrar e dominar economicamente todos os países do globo. Como prova disso, as auditorias públicas da dívida no Equador e na Grécia — para citar só dois exemplos — já demonstram tais fraudes e como são operadas, sempre com a conivência total dos governantes. Doria não quer o fim da pagamento da dívida pública, quer recursos para salvar o sistema para, imediatamente depois desse período, pagar com correção e mais juros, tudo que deixou de ser pago neste período de suspensão da dívida pública. 

Um governo dos trabalhadores declararia o fim da dívida pública em defesa da população. Porém, a ação de Doria vai no sentido contrário, suspende o pagamento para salvar o sistema, o que acabará por endividar ainda mais o estado de São Paulo. 

2. Isolamento

A principal função do chamado isolamento “horizontal” — em oposição ao suposto isolamento “vertical”, proposta defendida por Bolsonaro e que não possui comprovação científica alguma de sua eficiência — não é salvar as vidas, como Doria insiste em afirmar nas suas coletivas de imprensa diárias. A real função deste método, em todo o mundo, é evitar o colapso do sistema de saúde, algo expresso várias vezes pelo ministro Mandetta, inclusive. 

Enquanto não existe uma vacina ou um remédio para a Covid-19, duas ações se mostraram eficazes no combate à doença: o isolamento e o teste em massa. Como não é lucrativo construir hospitais públicos, produzir leitos em massa, realizar ações de prevenção voltadas aos momentos de crise etc. A única saída que resta para impedir a ruína total de um sistema de saúde já colapsado é o isolamento. Embora tenhamos a condição de produzir os equipamentos de saúde necessários, a lógica do sistema capitalista impõe a produção do mínimo possível. 

A destruição do sistema público de saúde em todo o mundo agora cobra a conta. Itália, Espanha e EUA vivem o resultado desse processo de modo desesperador. E no Brasil, que nunca contou com um acesso suficientemente digno à saúde pública, não será diferente. 

Hoje, cerca de 90% das cidades brasileiras não contam com leitos habilitados2. Enquanto a média mundial tem valor trágico de três leitos para cada mil habitantes, a média no Brasil consegue a façanha de ser pior, com 1,95 leitos por mil habitantes. Como vemos novamente, o coronavírus escancarou a incapacidade do próprio capitalismo de cuidar das vidas humanas. E essa medida adotada por Doria, novamente, só busca defender o sistema frente ao desnudamento de sua falência e incapacidade de atender as necessidades mais básicas do proletariado. 

3. Pagamento do valor das merendas aos alunos

Aqui vemos um exemplo claro de truque de marketing característico das ações do governo Doria: lindas na forma e completamente degeneradas no conteúdo. 

De acordo com a Secretaria Estadual de Educação, o custo diário da merenda dos alunos da rede pública paulista é de R$ 1,14 por dia3. No caso do rede estadual de São Paulo, que conta com 3,5 milhões de alunos em 200 dias letivos, isso representaria um custo anual de, pelo menos, R$ 798 milhões, ou aproximadamente R$ 4 milhões diários. Esse valor desconsidera ainda as centenas de escolas de tempo integral, onde o custo da merenda é de quase R$ 4 por dia para cada aluno matriculado. 

A medida de Doria repassará R$ 55 para 700 mil estudantes, um gasto de R$ 40,5 de reais mensais, de acordo com o próprio governo4. Ou seja, 20% dos alunos matriculados na rede. 

Considerando, para fins de cálculo, o mês de abril, e excluindo daí os feriados, vemos que o teríamos 20 dias letivos neste mês. Ou seja, em condições normais o governo gastaria, no mínimo, R$ 80 milhões para arcar com a merenda dos estudantes. Com essa medida, ao mesmo tempo em que Doria aparece como um governante responsável, economiza R$ 40 milhões só com a merenda dos alunos. Como vemos, este é o centro da medida. Longe de ajudar os alunos, o foco aqui é retirar verba da educação para salvar o sistema. Isso fora o que está sendo economizado nas escolas em termos de uso de água, energia etc. 

4. Confisco de materiais de empresas privadas

De acordo com o jornal O Estado de S. Paulo, o governo estadual confiscou 500 mil máscaras da empresa 3M para uso no sistema público de saúde5. Este é só um exemplo das medidas desesperadas dos governos estaduais e municipais em todo o país como forma de tentarem salvar o sistema. 

Alguns poderiam ver mais uma medida efetiva do governo estadual na defesa da vida. Porém, não nos enganemos, é mais um engodo que, no fim, se reverterá em mais lucros para a classe capitalista. 

Esse tipo de “confisco”, está sendo realizado a partir da Lei Federal 13.979/20206, que em seu artigo terceiro estabelece: “Art. 3º – Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, poderão ser adotadas, entre outras, as seguintes medidas: VII — requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas, hipótese em que será garantido o pagamento posterior de indenização justa” (grifo nosso). 

Como vemos, isso não é confisco, é compra sem aviso prévio, mas com garantia de pagamento. Não se trata de uma medida em defesa da vida, mas para evitar um aprofundamento da crise do sistema. E tudo isso é feito garantindo o lucro da empresa. Uma medida que reforça o sistema, os capitalistas e que endivida ainda mais o estado. 

A medida correta seria, não simplesmente um confisco (ressaltamos, nem isso Doria faz!), mas a estatização de todo o sistema privado e a indústria da saúde e utilização de todos os meios para salvaguardar as vidas dos trabalhadores. Isso possibilitaria orientar a produção para Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) de necessidade do povo, contratando inclusive mais trabalhadores. Ou seja, somente caminhando rumo à planificação da economia e da produção é que poderíamos readequar a produção de maneira ágil a ponto de fabricar produtos em escala suficiente, hoje, para combater, de fato, o coronavírus. 

Nossas tarefas

Nossa principal tarefa nesse momento é o trabalho de esclarecimento da classe trabalhadora sobre as reais saídas para essa nova crise do sistema capitalista. É neste sentido que a Esquerda Marxista lançoua proposta de plano emergencial, para ser debatido em cada categoria de base, em cada bairro. O centro desse plano é o completo rompimento com o sistema capitalista, em defesa da vida dos trabalhadores e da retomada do desenvolvimento humano pleno. E como verão, Doria não caminha em direção de nenhuma delas, ao contrário, promove ações que impossibilitem as alcançarmos se depender de sua vontade.

Junte-se a nós e fortaleça essa luta!

  • Fora Doria e Fora Bolsonaro!
  • Por um governo dos trabalhadores sem patrões nem generais!

Fontes: 

1 – http://www.orcamento.planejamento.sp.gov.br/orcamentaria-anual – p. 582

2- https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/03/15/brasil-precisa-aumentar-em-20percent-o-total-de-leitos-de-uti-para-adultos-no-sus-para-tratar-coronavirus-diz-entidade-medica.ghtml)

3 – https://www.educacao.sp.gov.br/noticia/governo-de-sp-anuncia-investimento-de-r-114-milhoes-em-merenda-escolar/

4 – https://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/governo-do-estado-anuncia-programa-merenda-em-casa-para-700-mil-alunos/

5 – https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/governo-doria-recolhe-500-mil-mascaras-de-empresa-para-usar-em-hospitais/

6 – https://correio.rac.com.br/_conteudo/2020/03/campinas_e_rmc/918322-doria-confisca-500-mil-mascaras-de-fabrica.html

7 – https://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2020-04/estudantes-da-rede-estadual-de-sp-terao-aulas-por-tv-aberta-e-celular