Há algum tempo, militantes da Esquerda Marxista passaram a intervir politicamente entre categorias de trabalhadores terceirizados, tanto do setor público quanto do privado. No caso do setor público na cidade de São Paulo, apresentamos a defesa pela contratação imediata e efetiva dos terceirizados dos serviços públicos, diretamente pela Prefeitura. Sempre nos posicionamos contrários à terceirização de qualquer setor ou categoria, pois sabemos que é mais um meio que a burguesia utiliza para precarizar ainda mais as condições de vida e de trabalho da classe trabalhadora, além de pressionar por nossa fragmentação política. Buscamos discutir mais profundamente como a terceirização atinge os trabalhadores e quais as posições políticas de classe para lutar contra essa condição.
De que tipo de terceirização estamos falando?
A terceirização é a prática de contratar trabalhadores por meio de uma outra empresa prestadora de serviços para realizar uma determinada atividade. Geralmente, a terceirização é associada às “atividades-meio”. Supostamente, tais atividades não possuem relação direta com a atividade principal da empresa, indústria ou serviço. Em uma indústria têxtil se considera que a “atividade-fim” é a produção de roupas, então, por exemplo, as atividades de limpeza e segurança são chamadas “atividades-meio” porque não estão ligadas diretamente ao produto final (roupas etc., nesse caso). No Brasil, até 2017, apenas as “atividades-meio” podiam ser terceirizadas. A partir de 2017 o governo Temer (MDB) aprova as Leis 13.429/2017 e 13.467/2017 das terceirizações irrestritas.
De toda forma, as leis de 2017 já eram o resultado de um longo processo anterior de precarização das condições de trabalho e dos serviços públicos. Principalmente a partir da década de 1990, o debate em torno da execução “direta” ou “indireta” da prestação de serviços públicos vem se desenvolvendo no Brasil. Desde então é permitida a contratação de empresas terceirizadas para oferecer serviços públicos em diversas áreas, por meio de parcerias com ONGs (Organizações Não Governamentais), OSCs (Organizações da Sociedade Civil), Instituições Filantrópicas, dentre outras.
Para a classe trabalhadora, a verdade é que todas essas nomenclaturas (atividade-meio ou fim, execução direta ou indireta) servem apenas para mascarar os reais interesses dos grandes empresários, banqueiros, investidores e políticos burgueses quando o assunto é a terceirização.
Economia e política no dia a dia da classe trabalhadora
O marxista russo Lenin explicava que a política é a economia concentrada. Em outras palavras, a política é o reflexo das condições econômicas e históricas. Por isso, para compreendermos a terceirização, devemos olhar para as condições econômicas e históricas do sistema capitalista.
Na virada do século 19 para o 20, há uma mudança de qualidade no capitalismo, o que inaugura uma nova fase: o imperialismo. Essa mudança traz o início do período histórico de decadência do sistema, marcado pelo fim da livre concorrência e pelo domínio dos grandes monopólios dos países de economia dominante (ou países imperialistas), com a fusão do capital financeiro ao capital industrial. Essa mudança de qualidade leva à exploração da classe trabalhadora e à acumulação de capital a níveis cada vez mais extremos.
No capitalismo, a extração de mais-valor (ou mais-valia) da classe trabalhadora é a fonte de enriquecimento dos capitalistas. O mais-valor é a riqueza produzida pelos próprios trabalhadores que não é paga na forma de salário, ficando no bolso dos patrões. Por exemplo, um operário industrial que produz R$ 2 mil de mercadorias em um mês e recebe R$ 1.500 de salário mensal, deixa de receber da riqueza que produziu R$ 500 (mais-valor), que vai para o bolso do patrão.
Outro aspecto relevante é o salário, que é o preço da força de trabalho, com a tendência de ser o mais baixo possível para manter a vida do trabalhador. Ao longo da história da luta de classes, a classe trabalhadora alcançou importantes direitos e serviços públicos como, por exemplo no Brasil, o acesso gratuito à educação e à saúde. Esses serviços públicos podem ser vistos indiretamente como parte do salário, no sentido de que servem à manutenção das condições de vida da classe trabalhadora.
O imperialismo, fase de agonia do capitalismo, passa a atacar cada vez mais profundamente as condições de vida da classe trabalhadora, mostrando que o Estado burguês é um verdadeiro balcão de negócios dos grandes empresários, investidores e banqueiros. Nesse sentido, as demissões em massa, os cortes de direitos e salários, a privatização e a terceirização dos serviços públicos se tornam políticas fundamentais para a existência da burguesia e do sistema, aliadas a outros mecanismos como a Dívida Pública.
Terceirização no setor público – precarização para os trabalhadores e serviços, dinheiro para a iniciativa privada
Vamos tratar de exemplos da cidade de São Paulo, uma das mais ricas e importantes metrópoles brasileiras – e também da América Latina. Segundo dados da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS), ao fim de 2019 mais de R$ 81 milhões foram repassados para a “rede conveniada”, ou seja, prestadoras de serviços. No mesmo ano, o orçamento da pasta de Cultura foi de aproximadamente R$ 392 milhões. Todo esse dinheiro é destinado às parcerias com OSs, OSCs e ONGs diversas e, no caso da Cultura, também ao “fomento das artes” – na verdade, colocando diversos artistas para disputarem entre si pouquíssimos recursos financeiros para produção artística e trabalhando sem nenhum tipo de direito trabalhista e absolutamente sem estabilidade.
Na saúde em São Paulo, os trabalhadores contratados na “rede conveniada” são o dobro de funcionários municipais, segundo dados da própria secretaria. A SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina) administra 189 serviços, a ASF (Associação Saúde da Família) 105 e a Santa Marcelina 105. Enquanto o número de servidores municipais de 2018 para 2019 caiu em quase 8%, o número de terceirizados subiu em mais de 8%. Assim, cerca de 16 mil trabalhadores eram servidores na saúde no final de 2019 e quase 55 mil eram trabalhadores terceirizados! Em maio deste ano, já são cerca de 15.958 servidores (número que continua caindo) enquanto os terceirizados são 57.518, fazendo com que o vínculo por “parceria” (terceirizado) chegue a 66% da força de trabalho. A tabela abaixo ilustra muito bem o desenvolvimento dessa situação:
Em outro texto, apresentamos um pouco da situação da educação no município, onde os governos do PSDB – e inclusive do PT, quando houve oportunidade – não mascaram suas intenções de privatizar e terceirizar os serviços:
“(…) Em 2016, por exemplo, mais de 340 Centros de Educação Infantil (CEIs) foram para a iniciativa privada. Na assistência social, em agosto deste ano, foram registradas mais de 1.240 “parcerias” e “convênios”. Na prática, a terceirização impõe condições de trabalho piores e dificulta a mobilização dos trabalhadores, que estão mais expostos a perseguições políticas ou assédios caso queiram lutar por melhorias, já que não têm estabilidade no emprego.”
A terceirização dos serviços públicos é uma excelente medida… para a burguesia! Um jeito fácil de destinar dinheiro público diretamente nas mãos dos empresários! E quem paga a conta são os trabalhadores, com falta de estabilidade no emprego, condições mais precárias de trabalho e menos direitos. No caso dos médicos, por exemplo, as organizações podem até dar um salário maior para encobrir todos esses problemas e criar a ilusão de que o setor privado é quem garante boas condições para a população e os trabalhadores.
A principal justificativa dos governos dos patrões e dos servos do Capital é que não existe dinheiro suficiente para atender as demandas básicas da classe trabalhadora, como serviços públicos, gratuitos e para todos na educação, saúde, assistência social, cultura, entre outros. Por isso, buscam entregar os serviços nas mãos da iniciativa privada por meio de uma gigantesca “rede conveniada”. Mas, então, para onde vai o dinheiro que deveria ser investido nos interesses da classe trabalhadora? É aqui que entra o papel da Dívida Pública.
No que se refere à dívida municipal, em 2000, a cidade de São Paulo reparcelou suas dívidas. A União assumiu as dívidas da cidade utilizando dinheiro federal e o saldo foi financiado em 30 anos, com 360 parcelas mensais. A prefeitura paga aproximadamente 13% do valor de sua Receita Líquida Real (RLR) como mensalidade. Em 2019, foram destinados mais de R$ 3 bilhões para o pagamento da dívida pública de São Paulo. Nos destinatários aparecem o Santander (cerca de R$ 22 milhões) e o Itau Unibanco (cerca de R$ 4 milhões). Em outras palavras, o governo municipal de São Paulo gastou infinitamente mais com o pagamento de sua “Dívida Pública” do que com o investimento em Cultura e Assistência Social, por exemplo.
Em que se aplica, então, a explicação anterior de Lenin? O sistema capitalista, caduco do ponto de vista histórico, degradou inclusive seu “meio normal” de arrancar lucros e manter a burguesia e a exploração de classe, pois desenvolveu ao máximo as forças produtivas e não é mais capaz de continuar existindo sem antes destruir ainda mais as condições de vida da classe trabalhadora – a maior força produtiva do mundo.
No Brasil, temos visto isso principalmente por parte dos bancos, que mesmo diante de uma profunda crise econômica continuam batendo recordes de lucros, graças ao governo federal que envia um generoso “auxílio emergencial” para o bolso dos banqueiros. Para a burguesia brasileira, parece que há uma tendência geral à privatização e à terceirização. Mas como podemos barrar esse processo?
Em primeiro lugar, devemos compreender que a contratação imediata e efetiva dos terceirizados dos serviços públicos está diretamente ligado a exigir o fim do pagamento da Dívida Pública e que todo o investimento necessário seja destinado aos serviços públicos, gratuitos e para todos. Essa “Dívida” não passa de um meio dos investidores e banqueiros para sugar a maior parte das riquezas produzidas pelos trabalhadores! E os capitalistas ainda querem fazer todos acreditarem que a condição de terceirização dos trabalhadores no setor público é necessária, pois sem isso não haveria possibilidade de oferecer os serviços – cada vez mais precarizados, como sabemos. Não podemos aceitar essas mentiras! Porém, para alcançar essas reivindicações, devemos contar com nossa força de organização e mobilização enquanto classe trabalhadora. Na próxima parte vamos tratar da terceirização no setor privado e qual o caminho de organização para nossa classe.