No primeiro século antes de Cristo, um escravo chamado Espártaco ameaçou o poderio de Roma. Espártaco (109 a. C. – 71 a. C.) foi o líder (ou possivelmente um dos vários líderes) da insurreição em massa conhecida como a Terceira Guerra Servil. Sob sua direção, um minúsculo bando de gladiadores rebeldes cresceu até se converter em um enorme exército revolucionário que chegou a 100 mil pessoas. No final, foi necessária toda a força do exército romano para esmagar a rebelião.
Apesar da bem merecida fama de grande líder revolucionário e de um dos generais mais excepcionais da Antiguidade, pouco se sabe do homem Espártaco. São sempre os vitoriosos os que escrevem a história, e a voz dos escravos ao longo dos séculos somente pode ser ouvida através dos relatos dos opressores. Dispomos de informações escassas e procedentes de seus inimigos mortais. Os registros históricos que sobreviveram foram todos escritos por historiadores romanos; são, portanto, hostis. E, com frequência, contraditórios.
Havia outros líderes da revolta cujos nomes chegaram até nós: Crixus, Castus, Gannicus e Oenomaus, gladiadores da Gália e da Alemanha. Mas destes últimos se sabe ainda menos. A história sempre é escrita pelos vencedores e reflete fielmente os interesses, a psicologia e a parcialidade classista da classe dominante. Tentar compreender Espártaco a partir dessas fontes é o mesmo que pretender compreender Lenin e Trotsky a partir dos escritos injuriosos dos inimigos burgueses da Revolução Russa. Através desse espelho deformador só se podem obter visões frustrantes do verdadeiro Espártaco.
Plutarco escreve o seguinte:
“Tomaram um sítio naturalmente protegido e elegeram três caudilhos, dos quais Espártaco, originário de um povo nômade da Trácia, era o primeiro, mas não só por seu grande talento e força extraordinária, como também pelo juízo e pela doçura muito superior à sua sorte, e mais propriamente grego que de semelhante nação” (Plutarco, Vidas Paralelas, Vida de Sacro).
Estas palavras de um inimigo de Espártaco mostram uma visão pessoalmente favorável que requer uma explicação. Não é difícil de encontrar. Um homem que derrotou exércitos romanos, um após outro, e que pôs de joelhos a república, devia possuir qualidades extraordinárias. Só dessa forma os comentaristas romanos poderiam começar a aceitar o fato de que “simples escravos” derrotaram as suas invencíveis legiões.
Outros historiadores romanos tentam apresentá-lo como sanguinário, exatamente pela mesma razão. Dizem que era dotado de atributos sobre-humanos. Dizem que sua esposa foi uma sacerdotisa e outras coisas do tipo. Tudo isso claramente faz parte da propaganda romana que pretende apresentar Espártaco como alguém muito especial e, dessa forma, minimizar o sentimento de vergonha e humilhação de uma classe dominante derrotada por trabalhadores rurais, servos e gladiadores.
As origens reais de Espártaco não são claras porque as fontes antigas não se põem de acordo sobre sua procedência, embora provavelmente fosse nativo da Trácia (atual Bulgária). Parece que tinha formação e experiência militar, pode ser que tivesse pertencido ao exército romano na qualidade de mercenário. Plutarco também disse que a esposa de Espártaco, uma sacerdotisa, foi escravizada com ele. Em qualquer caso, foi escravizado e vendido em leilão a um treinador de gladiadores em Cápua. Ápio disse que ele era “trácio de nascimento, que havia servido como soldado com os romanos, mas que foi feito prisioneiro e vendido para ser gladiador”. Flores disse que “havia se convertido em soldado romano, de soldado a desertor e ladrão, mais tarde, devido à sua força, foi gladiador” (Ibid.).
A rebelião dos gladiadores
No momento da insurreição de Espártaco, a república romana entrava em um período de agitação que daria um fim ao domínio dos césares. Os territórios romanos se expandiam de Leste a Oeste; generais ambiciosos faziam seus nomes combatendo na Espanha ou na Macedônia; depois forjavam uma carreira política em Roma. Roma era uma sociedade militarista: batalhas eram encenadas durante o novo entretenimento popular do combate de gladiadores. Embora os gladiadores de êxito fossem idolatrados, em termos de status social estavam um pouco acima dos condenados; na verdade, alguns gladiadores eram criminosos condenados. Outros eram escravos. Naquela época a escravidão afetava um terço da população da Itália. Os escravos estavam sujeitos ao castigo extremo e arbitrário de seus proprietários; enquanto mal se recorria à pena de morte (e sempre executada de forma humanitária) para os romanos livres, os escravos eram rotineiramente crucificados.
Espártaco foi treinado na escola de gladiadores (ludus) próxima à Cápua pertencente a Lentulus Batiatus. Foi aqui, no ano 73 a. C., que Espártaco encabeçou uma revolta de 74 gladiadores que se armaram, dominaram seus guardiões e escaparam. Como relata Plutarco na seção “A Vida de Crasso”, de sua “História de Roma”:
“A sedição dos gladiadores e a devastação da Itália, a que muitos dão o nome de guerra de Espártaco, teve então sua origem pelo seguinte motivo: certo Lentulus Batiatus mantinha em Cápua gladiadores, dos quais muitos eram galeses e trácios; e como para o objetivo de combater, não porque tivessem feito nada de mal, mas por pura injustiça de seu dono, se lhes mantivessem encerrados, confabularam entre si até uns duzentos para fugir; houve quem os denunciasse, mas, contudo, os que puderam adivinhar e antecipar-se, em número de setenta e oito, tomando de uma cozinha facas e espetos, lograram escapar. Casualmente, no caminho, encontraram alguns carros que conduziam armas apropriadas aos gladiadores a outra cidade; roubaram-nas e, já melhor armados, tomaram um sítio naturalmente protegido e elegeram três caudilhos, dos quais Espártaco, originário de um povo nômade da Trácia, era o primeiro, mas não só por seu grande talento e força extraordinária, como também pelo juízo e pela doçura muito superior à sua sorte, e mais propriamente grego que de semelhante nação” (Ibid.).
Assim, armados com facas de cozinha e com o carro cheio de armas que haviam capturado, os escravos fugiram para as encostas do Monte Vesúvio, próximas à atual Nápoles. As notícias da explosão animaram outros a segui-los. Uma afluência contínua de escravos rurais logo se uniu aos amotinados, cujo número começou a aumentar. O grupo dominou a região, assaltavam as granjas em busca de alimentos e abastecimentos. Desta forma, os rebeldes começaram a obter pequenas vitórias que levaram a coisas maiores. Plutarco continua o seu relato: “A primeira vantagem que ganharam foi a de rechaçar os que saíram de Cápua contra eles; e, tomando-lhes grande número de armas de guerra, fizeram a mudança com imenso prazer, desfazendo-se das outras armas bárbaras e afrontosas dos gladiadores” (Ibid.).
É quase possível retratar o júbilo dessas primeiras vitórias e o gozo com que os gladiadores se desfaziam do odiado uniforme de seu patrono e se vestiam como autênticos soldados, não como escravos. Este pequeno detalhe revela algo muito mais importante que as armas e o equipamento. Revela a confiança crescente, o rechaço não somente da situação servil, mas também da mentalidade servil. Vemos o mesmo em todas as greves e em cada revolução na história, quando os trabalhadores comuns, os descendentes em linha direta dos escravos, se levantam e começam a pensar e a agir como homens e mulheres livres.
Este motim dos escravos de forma alguma foi um acontecimento único. Quando as notícias chegaram à Roma, provocaram certa preocupação, mas não causaram surpresa ou alarme excessivo. No século anterior, duas revoltas de escravos, ambas na Sicília, haviam custado a vida de dezenas de milhares. Não há dúvida de que as mentes dos augustos senadores, que tinham o controle do mundo em suas mãos, pensavam que o resultado desta insurreição não seria diferente.
Portanto, em primeiro lugar, as autoridades romanas não tinham Espártaco em tão alto apreço como os comentaristas posteriores. O Senado sequer se molestou em enviar uma legião para reprimir os rebeldes. Enviou somente uma milícia de uns 3 mil soldados às ordens do pretor Claudius Glaber. Evidentemente consideravam que se tratava apenas de uma simples operação policial e que poderia ser facilmente superada. Pensavam que seria mais do que suficiente para reprimir um pequeno número de escravos mal armados. Mas o acampamento de Espártaco se havia convertido em um ímã para os escravos das zonas circundantes, tendo-se unido a ele vários milhares de escravos. Diferentemente dos soldados romanos e de seus oficiais, os escravos lutavam uma batalha desesperada pela sobrevivência. Em contraste, os generais romanos subestimaram o inimigo e, de início, estavam muito relaxados.
É bem conhecido o fato de que os revolucionários somente podem ganhar passando à ofensiva e demonstrando a maior das audácias. Os romanos rodearam os rebeldes no Vesúvio, bloqueando sua fuga. Os escravos encontravam-se cercados em uma montanha acessível somente através de uma passagem estreita e difícil, que os romanos mantinham vigiada, “rodeada por todos os lados com precipícios abruptos e escorregadios”. Em um impressionante golpe tático, Espártaco tomou cordas tecidas de videiras e, com seus homens, desceu por um penhasco do outro lado do vulcão até se colocar na retaguarda dos soldados romanos, lançando um ataque de surpresa.
Plutarco descreve a situação:
“Por todas as demais partes, o sítio não tinha mais que rochas escarpadas e grandes precipícios; mas, como no cimo havia parreirais silvestres, cortaram os que se achavam cercados as videiras mais fortes e robustas e, formando com elas escadas resistentes e de grande extensão, de forma que suspensas por cima das pontas das rochas tocavam pelo outro extremo no solo, baixaram por elas todos em segurança, com exceção de um só, que foi preciso que ficasse por causa das armas. Mas este as baixou logo que os outros baixaram, e depois também ele se pôs a salvo. De nada disto tiveram o menor indício os romanos, e ao se encontrarem tão repentinamente envolvidos, sobressaltados com este incidente, se deram à fuga, e aqueles lhes tomaram o acampamento” (Ibid.).
Claudius Glaber, esperando uma vitória fácil sobre um punhado de escravos, provavelmente não se molestou em tomar a precaução elementar de fortificar seu acampamento. Sequer colocou postos de sentinela adequados para manter a vigilância. Os romanos pagaram um alto preço por esta negligência. A maioria deles foi morta em suas camas, incluído o pretor Claudius Glaber. Foi uma derrota ignominiosa para os romanos. Os escravos agora possuíam armas e armaduras. Mais importante ainda, desenvolveram o sentimento de que podiam lutar e ganhar. Esta foi a maior conquista.
Espártaco se dirige ao Norte
Espártaco era excelente nas táticas militares, o que tende a confirmar a ideia de que havia servido como soldado auxiliar sob os estandartes de Roma. Se isto é verdade, deveria estar familiarizado com as táticas do exército romano e isso, junto à audácia, é uma qualidade necessária para um revolucionário, o que o convertia em um inimigo formidável. No entanto, seu exército era formado principalmente por ex-trabalhadores escravos, mal armados e mal treinados. Este fato determinava as táticas que, de início, eram defensivas. Ocultaram-se nos frondosos bosques do Monte Vesúvio até que chegou o momento em que estavam treinados adequadamente para o enfrentamento decisivo com o exército romano.
Consciente de que o tempo estava se esgotando antes que chegasse uma batalha nova e mais séria, Espártaco delegou aos gladiadores a tarefa de formar pequenos grupos, que depois formavam outros pequenos grupos e assim sucessivamente. Desta forma foi capaz de criar a partir do zero e em questão de semanas um exército totalmente treinado. O exército dos escravos carecia de experiência militar, mas estava temperado pelo heroísmo das pessoas que lutam pela própria sobrevivência e que literalmente não têm nada a perder exceto os seus grilhões.
Houve muitas escaramuças com o exército romano e todas terminaram em vitória. Publius Varinus, o pretor, foi enviado contra eles acompanhado de 2 mil homens que combateram e foram derrotados. Depois foi enviado Cossinius com “forças consideráveis” e por pouco não o capturam quando se banhava em Salinae. Escapou com grandes dificuldades enquanto Espártaco se apropriava pessoalmente da bagagem de Cossinius. Os escravos acompanharam a retirada dos romanos matando muitos. Finalmente, assaltaram o acampamento romano e o capturaram. O próprio Cossinius foi morto.
A cada vitória, elevava-se o moral dos rebeldes. Os informes ao Senado em Roma passaram a ser sombrios. Pouco a pouco, a verdade começou a se evidenciar inclusive nas mentes dos aristocratas mais estúpidos: que eles estavam enfrentando o inimigo mais perigoso, um inimigo que tinha um grande número de reservas infiltradas no próprio coração do campo inimigo; que em cada granja, em cada família, havia escravos, e que cada um deles era um rebelde em potencial, a quem se devia olhar com receio e temor. Depois dessa exitosa batalha, cresceu a fama de Espártaco. A mensagem era clara para todos: os romanos já não eram mais invencíveis.
Um grande número de escravos escapou para se unir e logo o pequeno bando de rebeldes aumentou até se converter em um exército. Segundo alguns relatos, o exército escravo no final chegava a 140 mil escravos fugidos, acostumados a viver em condições duras, curtidos por anos de trabalho pesado e com nada a perder lutando contra seus antigos amos. Plutarco escreve o seguinte: “Reuniram-se a eles ali muitos vaqueiros e outros pastores daquela comarca, gente de mãos expeditas e pés ligeiros; assim, armaram a uns, e a outros os destinaram como batedores ou às tropas ligeiras”. A palavra “muitos” deve ser lida como dezenas de milhares.
O exército de Espártaco passou o inverno do ano 73 a. C. acampado na costa sul da Itália, a todo momento acumulando homens, armamento e moral. Na Primavera, dirigiram-se ao Norte; o audaz plano era marchar ao longo da Itália, cruzar os Alpes e escapar à Gália (atual França, mas que então tinha uma grande parte fora do controle romano). Segundo Plutarco: “Contudo, lançou, como homem prudente, suas contas e, sabendo ser-lhe impossível superar todo o poder de Roma, conduziu seu exército aos Alpes, parecendo-lhe que deviam pôr-se do outro lado e encaminharem-se todos às suas casas, uns à Trácia e outros à Gália” (Ibid.).
Divisões entre os escravos
O Senado, agora totalmente alarmado, enviou duas legiões às ordens dos cônsules Lucius Gelius Publicola e Gnaeus Cornelius Lentulus Clodianus contra os escravos. Espártaco enfrentava seu maior desafio até o momento: um exército de duas legiões, 10 mil homens, a mando de Cassius Longinus, governador da Gália Cisalpina (“Gália deste lado dos Alpes”, atual norte da Itália). Os romanos lograram uma vitória quando derrotaram o contingente gaulês dirigido por Crixus. A razão deste revés foram as divisões nas fileiras dos rebeldes.
Não devia ser fácil manter a unidade e a disciplina em um exército de escravos procedentes de lugares diferentes, que falavam línguas diferentes e professavam cultos diferentes. Conseguir isso requeria um líder de estatura colossal e nem sempre foi possível. Crixus e os gauleses haviam se negado a marchar sob a direção de Espártaco. Parece que Crixus queria permanecer na Itália, seduzido pela perspectiva do saque. Espártaco queria continuar para o norte até a Gália, como assinala Plutarco:
“Mas eles, confiantes em seus números e cheios de arrogância, não lhe deram ouvidos e foram para cima e devastaram a Itália. De modo que, agora, não foram somente a humilhação e a vergonha daquela rebelião que irritaram o Senado, mas sim que, por temor e por consideração ao perigo, como a uma das guerras mais arriscadas, enviou ambos os cônsules a ele como a uma grande e difícil empresa” (Ibid.).
O comentarista romano compreendia a raiz do problema. Alguns dos líderes dos rebeldes estavam excessivamente confiantes, intoxicados pelos primeiros êxitos. Por esta razão, Crixus abandonou Espártaco, levando consigo uns 30 mil gauleses e germanos. Essa divisão foi um erro desastroso: Crixus foi derrotado por Publicola e caiu na batalha. Os gauleses pagaram um preço terrível e 20 mil foram mortos. Foi a primeira advertência das consequências perigosas que teriam as divisões nas fileiras do exército escravo.
Apesar das ações desastrosas de Crixus, Espártaco ordenou uma cerimônia fúnebre em honra ao líder gaulês, incluído um combate de gladiadores entre soldados romanos capturados. Este detalhe revela a nobreza de caráter e os verdadeiros dotes de direção. Mais tarde, Espártaco derrotou primeiro a Lentulus e depois a Publicola, como relata Plutarco:
“Destes, Gelius caiu repentinamente sobre a gente da Germânia, que por orgulho e soberba se havia separado das de Espártaco, e as desfez e desbaratou totalmente. Propôs-se Lentulus a cercar Espártaco com um grande exército; mas este se decidiu a fazer-lhe frente e, dando-lhe batalha, venceu aos seus oficiais e se apoderou de toda a bagagem. Enquanto se retirava em direção aos Alpes, foi em sua busca Cassius, pretor dessa parte da Gália que se encontra sobre o Rio Pó, com os 10 mil homens que tinha; mas, travada a batalha, foi igualmente vencido, perdendo muita gente e salvando-se ele mesmo com grande dificuldade” (Ibid.).
Foi um duro golpe para o prestígio romano e abalou a confiança do Senado. Não somente havia massacrado seu exército, como também Espártaco havia capturado os fasces, símbolos da autoridade romana (do que se deriva a palavra fascismo). Em Mutina (atual Modena), os escravos derrotaram a outra legião comandada por Gaius Cassius Longinus, governador da Gália Cisalpina. O líder dos escravos agora parecia totalmente invencível.
Os escravos mudam de direção
O que ocorreu depois é um dos grandes mistérios da história. Os escravos tinham à vista os Alpes e podiam tê-los cruzado para a Gália e entrado na Alemanha, onde poderiam haver escapado do domínio romano, ou mesmo à Espanha, onde existia uma furiosa rebelião. Então, por alguma razão, o plano mudou e Espártaco retrocedeu: seu exército de novo marchou ao longo da Itália. Qual foi a causa desta mudança? Não o sabemos. Quiçá desanimaram diante da perspectiva de conseguir que um exército atravessasse os Alpes, ou quiçá os escravos estivessem intoxicados pelo êxito e os embriagasse a visão do saque das ricas cidades italianas.
No entanto, os acontecimentos não seguiram o plano de Espártaco. Agora seu exército estava inchado de muitos seguidores, incluídos mulheres, crianças e anciãos que se haviam unido aos rebeldes com a esperança de escapar de uma vida de servidão. Os seguidores que não combatiam podiam chegar a 10 mil pessoas e todas deviam ser alimentadas. Esse fato devia complicar consideravelmente os seus movimentos. Ademais, os romanos já não cometiam mais o erro de subestimar as qualidades de seu inimigo.
Quando o Senado soube que Espártaco havia obtido novas vitórias sobre os exércitos da República, enfureceram-se com os cônsules e lhes ordenaram que se mantivessem à margem do conflito. Em seu lugar, puseram no comando da guerra Marcus Licinius Crassus. Era o homem mais rico de Roma, um político ambicioso e sedento de glória. Crassus não era um louco e não cometeu o erro de subestimar os seus oponentes. Seu objetivo foi o de construir cuidadosamente as suas forças e evitar uma batalha decisiva, confiando que, finalmente, os recursos superiores e a riqueza de Roma esgotariam os rebeldes e criariam as condições favoráveis para uma vitória militar.
Não obstante, muitos dos que se uniram a ele em busca de glória não compartilhavam sua compreensão do inimigo a que enfrentavam. Eram jovens almofadinhas ricos que não estavam conscientes de contra quem lutavam. Deviam sair atrás dos escravos com o mesmo espírito com que embarcavam na caça à raposa. Plutarco nos diz: “Uma grande parte dos nobres que foram voluntários com ele, em parte o faziam por amizade e em parte para obter honrarias”. Mais uma vez, este excesso de confiança foi a receita para o desastre.
Enquanto Crassus permanecia nas fronteiras de Picena à espera da chegada de Espártaco, enviou seu lugar-tenente Munius, com duas legiões, para observar os movimentos do inimigo, mas lhe deu ordens estritas de não se intrometer nem empreender nenhuma escaramuça. Ordenou-lhe ocupar uma pequena colina, mas que o fizesse o mais silenciosamente possível para não alertar o inimigo.
Demasiado confiante, na primeira oportunidade o lugar-tenente de Crassus se envolveu em combate e foi severamente derrotado. Teriam sido aniquilados se Crassus não tivesse aparecido imediatamente e participado da batalha. Esta se mostrou como uma das mais sangrentas. Um grande número de seus homens pereceu, e outros tantos somente salvaram a vida abandonando suas armas e fugindo de maneira vergonhosa. Em contraste, Plutarco escreve: “Dos 12.300 rebeldes a quem matou, somente dois estavam feridos pelas costas, tendo perecido os demais em seus postos, mantendo-os e lutando contra os romanos” (Ibid.).
Essa valentia dos escravos contrasta com o comportamento covarde dos romanos nas primeiras batalhas, o que obrigou Crassus a recuperar o antigo método romano de castigo: o dízimo. Tentando restaurar a disciplina, Crassus primeiro repreendeu severamente a Munius. Depois armou novamente os soldados, mas como um gesto de humilhação, os fez pagar um depósito por suas armas, para se assegurar de que eles não mais as abandonariam.
Despois escolheu 500 homens, os primeiros a fugir, e os dividiu em 50 grupos de 10, ordenando matar a um de cada grupo por sorteio, “restabelecendo esse antigo castigo dos soldados, abandonado há muito; o qual, ademais de vir acompanhado pela infâmia, tem algo de terrível e triste, por ser executado à vista de todo o exército”, como relata Plutarco. Esse terrível castigo há tempos havia caído em desuso e Crassus, ao recuperá-lo, queria demonstrar o que estava disposto a fazer. A partir desse momento, cada soldado romano aprendeu a temer mais ao seu general do que aos escravos.
Bloqueado
No final do ano 72 a. C., Espártaco e seu exército acamparam em Rhegium (Reggio, na Calábria), perto do Estreito de Messina. Espártaco tentou chegar a um acordo com os piratas da Cilícia para conseguir que os escravos atravessassem o Estreito até a Sicília. Segundo Plutarco: “Tentou passar para a Sicília e introduzir 2 mil homens naquela ilha, com o que voltaria a acender nela a guerra servil, pouco antes apagada, e que parecia necessitar de muito pouco combustível para deixá-la queimando novamente. Mas depois que os piratas fizeram um trato com ele e receberam algumas dádivas, o enganaram, fazendo-se vela sem ele” (Ibid.).
Este fato demonstra uma boa compreensão da tática e da estratégia. Se tivessem cruzado para a Sicília e alentado ali uma nova rebelião escrava, poderiam ter sido capazes de defender a ilha frente à Roma. Não tendo conseguido aproveitar a oportunidade de cruzar os Alpes, quiçá fosse essa a única opção que lhes restava, além de um ataque direto contra a própria Roma. Mas o projeto fracassou porque os piratas traíram os escravos. Pode ser que os agentes de Crassus os tivessem subornado ou simplesmente temiam que, ao ajudar aos escravos, todo o peso do exército romano caísse sobre suas cabeças. Seja qual for a razão, o exército de Espártaco se encontrou bloqueado na Calábria.
Podemos imaginar o terrível golpe que isso representou para Espártaco e seus seguidores. Fracassado o plano de escapar à Sicília, a situação dos escravos era desesperadora. No início do ano 71 a. C., oito legiões sob o comando de Crassus foram lançadas contra eles. Tinham o mar às suas costas e nenhum lugar para onde escapar. As piores notícias estavam por chegar. A morte de Quintus Sertorius, que havia liderado uma rebelião na Espanha, permitiu ao Senado romano trazer Pompeu dessa província. E, por mais segurança, também trouxeram Marcus Terentius Varro Luculus da Macedônia. O estado romano, que de início demonstrou absoluto desprezo para com os escravos, agora concentrava todas as suas forças contra eles.
Parece que depois de uma pequena escaramuça Espártaco havia crucificado um prisioneiro romano. Os propagandistas romanos citaram esse fato como uma prova da “natureza bárbara e cruel” dos rebeldes. No entanto, a crucificação era o castigo normal para os escravos. Toda a história demonstra que são os dominadores, e não os escravos, os que mostram a crueldade mais bárbara. Pode ser que tenha sido um ato calculado de desafio, uma vez que a crucificação era um método particularmente cruel e degradante de execução não utilizado normalmente contra os romanos. Com esse ato, Espártaco dizia aos seus inimigos: pensais que as vidas dos escravos são baratas, mas os faremos pagar muito caro vossos atos. Esse relato, como todos os demais publicados pelos romanos, pretendia justificar a repressão sangrenta dos escravos. Mas realmente não necessitavam de nenhuma desculpa para fazer o que estavam decididos a fazer. Deviam dar uma lição a esses escravos que o mundo inteiro nunca esqueceria!
O excesso de confiança desempenhou um papel na derrota da insurreição, como explica Plutarco: “Depois desta derrota, Espártaco retirou-se para as montanhas de Petelia, mas Quintus, lugar-tenente, e Scroffa, questor de Crassus, o perseguiram muito de perto; mas, voltando-se contra eles, foi grande a fuga dos romanos, que com dificuldades puderam salvar, ferido, o questor. Este pequeno triunfo foi justamente o que perdeu a Espártaco, porque inspirou ousadia aos fugitivos, os quais já desdenhavam de se bater em retirada e não queriam obedecer aos chefes, e sim que, pondo as armas ao peito quando já estavam a caminho, os obrigaram a voltar atrás e os conduziram pela Lucania contra os romanos, obrando assim de acordo com os desejos de Crassus” (Ibid.).
O sempre cauteloso Crassus não queria uma batalha imediata com inimigos cuja força, coragem e iniciativa haviam derrotado os romanos em muitas ocasiões. Em vez de atacar, ordenou às suas tropas construir um muro através do istmo, em uma tentativa de matar de fome os escravos e obrigá-los à submissão. Toda a destreza tecnológica de Roma foi reunida para derrotar os escravos. Nas palavras de Plutarco:
“A obra era grande e difícil, mas, contra toda esperança, a terminou e completou em muito pouco tempo, abrindo, de mar a mar, uma vala sobre o estreito, que tinha uma longitude de trezentos estádios, e 15 pés de largura e profundidade: sobre o fosso, construiu um muro de maravilhosa altura e espessura” (Ibid.). Com a construção deste muro, conseguia dois objetivos: afastar seus soldados do ócio desmoralizador e negar ao inimigo alimentos e forragem.
Contudo, todo este esforço foi em vão. Apesar dessas enormes vantagens, Espártaco de novo mostrou uma extraordinária gama de táticas. Em uma noite tormentosa, em meio a uma tormenta de neve, Espártaco ordenou aos seus seguidores encher parte da vala com terra e ramos de árvores, a última amostra de energia antes do colapso final da revolta. Com este golpe atrevido, conseguiu romper as linhas de Crassus e escapar para Brundisium (atual Brindisi), onde estava acampado o exército de Luculus.
Quando viu que Espártaco havia escapado, Crassus ficou aterrorizado ante a possibilidade de que o exército escravo se encaminhasse diretamente para Roma. Essa era provavelmente a melhor opção para ele, na realidade a única: arriscar tudo em um derradeiro golpe desesperado à cabeça do inimigo. Mas foi impossível devido a novas divisões nas fileiras dos escravos. Novamente, parte do exército de Espártaco se amotinou, abandonou seu comandante e estabeleceu um acampamento sobre o lago Lucano. Mais uma vez, a falta de unidade teve consequências desastrosas. Crassus caiu sobre os escravos dissidentes e os atacou no lago. E os teria massacrado a não ser por que de repente apareceu Espártaco, aglutinando as tropas e controlando sua luta.
A batalha final
Apesar desse revés, ficou claro para Crassus que os escravos estavam em uma situação difícil. Sentia que a vitória estava ao seu alcance e começou a se arrepender de sua prematura ação de escrever ao Senado pedindo para trazer Luculus da Trácia e Pompeu da Espanha. Como um típico político desse período, via a guerra como uma forma de ganhar o prestígio e a glória que o ajudassem a lograr um alto posto no Estado, como o fez efetivamente Júlio César mais tarde. Se os outros generais chegassem no último momento antes da batalha decisiva, pareceria que eles, e não Crassus, haviam ganhado a guerra. Foi isto o que ocorreu. Crassus ganhou a batalha decisiva contra Espártaco, mas Pompeu foi quem ficou com toda a glória.
Portanto, Crassus estava ansioso para entrar o antes possível na batalha:
“Já havia notícias de que Pompeu se aproximava e não poucos faziam correr nos comícios a voz de que aquela vitória lhe estava reservada, pois o mesmo poderia obrigar o inimigo a combater e pôr um fim à guerra. Crassus, portanto, ansioso por lutar uma batalha decisiva, acampou muito perto do inimigo e começou a construir linhas de circunvalação, mas os escravos fizeram uma sortida e atacaram os pioneiros” (Ibid.).
Crassus tinha forças superiores e que estavam preparadas para lutar a batalha decisiva. Interceptou o exército de Espártaco e acampou muito próximo do inimigo, o que se tratava de uma provocação óbvia para que os escravos lutassem. Os escravos se viram obrigados a lutar. Espártaco, ao ver que de todas as partes chegavam reforços novos, compreendeu que não havia nenhuma possibilidade de evitar o combate. Cada momento que passava significava o fortalecimento das hostes romanas. Quando observou que ao acampamento romano chegavam abastecimentos novos de cada zona, Espártaco teve que dar tudo em um último e sobre-humano esforço. Karl Marx, mais tarde, utilizou as seguintes palavras para descrever a heroica insurreição da Comuna de Paris: os escravos decidiram “tomar o céu de assalto”. Portanto, reuniu seu exército e se esforçou por elevar o espírito de luta para a batalha que se avizinhava.
Só podemos imaginar seu estado mental neste momento fatídico, quando todo o destino da rebelião descansava sobre o resultado da última batalha. Mostrando as extraordinárias qualidades de um grande comandante, tranquilamente preparou o seu exército para a ordem de lutar. O que aconteceu depois é um dos fatos mais comovedores da história. Quando trouxeram o seu cavalo ante ele, Espártaco sacou a espada e o matou na frente de seu exército de escravos, dizendo: “Se ganharmos, teremos muitos e melhores cavalos do inimigo, e se perdermos, não necessitaremos de nenhum”. Com este ato, Espártaco não somente mostrava uma grande coragem pessoal, como também um desprezo total por sua segurança pessoal, mandando ainda uma mensagem contundente aos escravos: ou ganhamos esta batalha, ou morreremos.
Os escravos lutaram pela última vez com uma valentia desesperada, inclusive os historiadores romanos tiveram que admitir. Mas o resultado desta batalha nunca esteve em dúvida. Segundo as fontes romanas, Espártaco abriu passo através da massa de homens combatendo e se dirigiu diretamente ao próprio Crassus. Em meio a uma chuva mortal de golpes e coberto de feridas, não alcançou o seu objetivo, mas matou dois centuriões que caíram diante dele. Finalmente, abandonado por aqueles que estavam com ele, caiu sobre o terreno e, rodeado pelo inimigo, se defendeu valentemente e foi cortado em pedaços. O historiador romano Apius descreve a cena da seguinte maneira:
“Espártaco foi ferido na perna com um arpão e caiu de joelhos, mantendo seu escudo à sua frente e se protegendo assim contra seus agressores até que ele e a grande massa dos que estavam com ele foram cercados e mortos” (Apius, “As guerras civis”).
Depois da batalha, os legionários encontraram e resgataram em seu acampamento 3 mil prisioneiros romanos, e todos estavam ilesos. Esse tratamento civilizado dado aos prisioneiros romanos contrasta profundamente com o destino sofrido pelos seguidores de Espártaco. Crassus crucificou 6 mil escravos ao longo da Via Ápia, entre Cápua e Roma, uma distância de uns 200 km. Seus cadáveres foram alinhados ao longo do caminho, desde Brundisium até Roma. Como Crassus nunca deu ordem de retirar os cadáveres, anos depois da batalha final todo aquele que viajava por esse caminho encontrava esse espetáculo macabro.
Uns 5 mil escravos escaparam. Estes restos dispersos do exército escravo fugiram para o Norte e foram interceptados por Pompeu nas margens do Rio Silarus, na Lucania, quando regressava da Ibéria romana. Os escravos, que nesse momento já estavam esgotados devido a todos os seus esforços, enfrentaram as legiões frescas, bem treinadas e confiantes do general romano mais importante. Este os massacrou e, mais tarde, utilizou a matança de um bando de escravos desanimados e esgotados pela fuga como pretexto para se apresentar como aquele que pôs fim à guerra escrava.
Pompeu escreveu imediatamente uma carta ao Senado pretendendo que, embora Crassus houvesse derrotado os escravos em uma batalha campal, ele (Pompeu) havia terminado com a guerra. Por conseguinte, Pompeu foi honrado com um magnífico triunfo por sua conquista de Sertorius e da Espanha, enquanto que a Crassus foi negada toda a honra do triunfo que tão ardentemente desejava. Em seu lugar, teve que aceitar uma honra menor, e recebeu uma ovação. Desta forma, foi Pompeu, “o grande”, que foi recebido como um herói em Roma, enquanto que Crassus, para seu grande desgosto, não recebeu nenhum crédito nem glória por salvar a República de Espártaco.
Essa ingratidão nos diz algo sobre a psicologia da classe dominante romana proprietária de escravos. Estes ricos sem vergonha e hipócritas nunca podiam admitir que em Espártaco haviam encontrado um inimigo que os fez tremer. Os nobres senadores esqueceram de forma conveniente o terror que o nome de Espártaco provocava em seus corações somente alguns meses antes. Como uma guerra contra um exército escravo poderia merecer as honras de um triunfo?
Desesperado por ganhar o triunfo militar que o Senado lhe havia negado, Crassus tentou de novo conseguir a glória na Ásia, onde encontrou uma morte bem merecida em circunstâncias ignominiosas. O próprio Pompeu foi morto mais tarde no Egito, depois de sua derrota na guerra civil contra César. Poder-se-ia chegar à conclusão de que, apesar de tudo, na história existe algo de justiça. Os nomes desses homens hoje estão meio esquecidos, enquanto que o nome de Espártaco é honrado e sua memória é valorizada nos corações de milhões de pessoas.
Mito e Realidade
A lenda de Espártaco sobreviveu à sua morte. Para os romanos, a história da revolta escrava foi uma advertência terrível: sugeria que uma sociedade construída nas costas dos escravos e que submetia povos inteiros um dia podia ser derrubada por eles. Quatro séculos depois, foi isto justamente o que aconteceu, e Roma caiu diante dos bárbaros. A memória de Espártaco vive como um símbolo do poder das massas oprimidas na hora de enfrentar seus opressores. Mantém toda a sua força e é uma inspiração para todos aqueles que lutam por seus direitos.
Não foi por casualidade que, durante a I Guerra Mundial, Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht adotaram o nome do revolucionário romano quando lançaram a Liga Espartaquista. Karl Marx também foi um grande admirador de Espártaco. Marx dizia que Espártaco era o seu herói, citando-o como o “melhor camarada que a Antiguidade podia oferecer”. Em uma carta a Engels, datada de 27 de fevereiro de 1861, Marx disse que estava lendo sobre Espártaco nas “Guerras Civis de Roma”, escritas por Apius: “Espártaco… grande general… caráter nobre, verdadeiro representante do antigo proletariado. Pompeu… verdadeira escória (…)” (Marx e Engels. “Obras completas”. Vol. 41, p. 265. Edição inglesa). Quem quer que tenha mesmo um conhecimento superficial da história dificilmente estará em desacordo com esta afirmação.
As figuras de Espártaco e sua grande rebelião se converteram em uma inspiração para muitos literatos e escritores políticos modernos. Howard Fast escreveu um romance famoso sobre a insurreição. Stanley Kubrick adaptou mais tarde o romance de Howard Fast para realizar seu excepcional filme “Espártaco” (1960). Em seu livro “Espártaco”, F. A. Ridley é desdenhoso tanto com Kubrick quanto com Fast, mas é injusto em ambos os casos. Esse é só mais um exemplo triste de como uma interpretação estreita e mecânica do marxismo sempre é incapaz de ver o bosque além das árvores.
Fast não tentou escrever um livro de história e sim um romance histórico, e embora tenha se permitido certas liberdades, o romance recria muito bem o espírito do assunto. Não é história, mas é a melhor espécie de romance histórico que representa acontecimentos reais de forma imaginativa, sem romper seriamente o registro histórico. Naturalmente, há algumas coisas que não são históricas, particularmente no filme. Ao contrário da famosa sequência do filme, nunca se pediu aos sobreviventes que identificassem Espártaco, porque ele havia sido morto no campo de batalha.
Mas devemos ter em mente que se trata de uma obra de arte e como tal tem direito a certas liberdades na hora de representar acontecimentos históricos de forma dramática. Mais importante ainda, uma obra de arte pode representar uma verdade profunda quando toma como ponto de partida o estrito registro histórico dos acontecimentos. Essa cena dramática, quando os escravos um a um se levantam para desafiar os seus amos, cada um dizendo “eu sou Espártaco”, na realidade contém uma verdade profunda e que é aplicável não somente à rebelião de Espártaco como também a cada rebelião de um povo oprimido ao longo da história. Mas a força de Espártaco era precisamente o fato de que, em sua pessoa, encarnava as esperanças e aspirações das massas de escravos que desejavam a liberdade. E dentro de cada uma dessas rebeliões de escravos pode-se dizer que contém uma pequena partícula de Espártaco. Quanto à cena da posterior crucificação em massa, é um fato histórico.
O pouco que sabemos deste grande homem foi o que escreveram sobre ele os seus inimigos. Que sabemos? Conhecemos o suficiente para deduzir que Espártaco era um comandante brilhante e que tinha gênio para a tática no campo de batalha. Provavelmente, foi o maior general de toda a Antiguidade. Mas, provavelmente, como o apresentam o romance e o filme, não foi o líder revolucionário de uma força de combate disciplinada. Se ele possuía uma estratégia política claramente definida, não o sabemos. A pouca unidade de seu exército, exceto o objetivo contínuo de sobreviver, e, no final, a dissidência interna e a total confusão, selaram seu destino tão seguramente quanto as forças superiores de Roma.
Foi Espártaco um precursor precoce do comunismo? Em seu romance, Howard Fast põe as seguintes palavras na boca do líder escravo: “Qualquer coisa que tomemos, a teremos em comum, nenhum homem possuirá nada além de suas armas e vestimentas. Será igual como nos velhos tempos”. De onde tirou Fast esta ideia não o sabemos, mas não é impossível que, naquela época, existisse algum tipo de comunismo primitivo ou ideias igualitárias, como mais tarde surgiram entre os primeiros cristãos.
É possível que as correntes utópicas e comunistas estivessem presentes na grande revolta escrava do ano 71 a. C., baseadas nas obscuras memórias de um passado remoto quando os homens eram iguais e a propriedade era de posse comum. Mas se esse fosse o caso, teria sido uma visão atrasada mais que progressista, e haveria se manifestado como um comunismo de consumo (“partilha equitativa”) e não como produção coletiva.
Nas condições concretas, essa opção não teria feito a sociedade avançar, e sim a faria retroceder. O comunismo real (uma sociedade sem classes) não se pode construir sobre a base do atraso e da austeridade. Supõe um alto desenvolvimento das forças produtivas, de tal forma que permita aos homens e mulheres se libertarem do peso do trabalho e disporem do tempo necessário para desenvolver todo o seu potencial humano. Tais condições não existiam nos tempos de Espártaco.
Que teria acontecido se os escravos tivessem ganhado? Se tivessem conseguido derrubar o Estado romano, o curso da história seria alterado de maneira significativa. Evidentemente, não é possível dizer com precisão qual teria sido o resultado. Provavelmente, teriam libertado os escravos, embora isto não se possa dar por certo. Mesmo que isso tivesse acontecido, considerando o nível de desenvolvimento das forças produtivas, a tendência geral somente poderia ter sido na direção de algum tipo de feudalismo.
Vários séculos depois isso começou a acontecer sob o Império, quando a economia escravista chegou aos seus limites e entrou em crise. Os escravos foram “libertados”, mas atados à terra como servos (colonos). Se isso houvesse acontecido antes, provavelmente esse desenvolvimento cultural e econômico teria ocorrido mais rapidamente e a humanidade poderia ter economizado os horrores da Idade Média.
Contudo, isso é só especulação. A realidade é que a sublevação não triunfou e não podia triunfar por várias razões. Marx e Engels, em “O Manifesto Comunista”, explicaram que a história de todas as sociedades existentes é a história das lutas de classes:
“Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor feudal e servo, mestre de corporação e companheiro, em resumo, opressores e oprimidos, em constante oposição, têm vivido uma guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada, uma guerra que terminou sempre ou por uma transformação revolucionária da sociedade inteira, ou pela destruição das duas classes em conflito”.
O destino do Império Romano foi um exemplo notável da segunda variante. A razão básica por que no final Espártaco fracassou foi o fato de que os escravos não se vincularam ao proletariado das cidades. Na medida em que este último continuou apoiando o Estado, a vitória dos escravos era impossível. Mas o proletariado romano, diferentemente do proletariado moderno, não era uma classe produtiva. Era uma classe principalmente parasitária, que vivia do trabalho dos escravos e que dependia de seus amos.
O fracasso da revolução romana está enraizado neste fato. O resultado final foi o colapso da República e o nascimento de uma tirania monstruosa sob o Império, que levou a um período prolongado de decadência interna, declive social e econômico, e finalmente ao colapso na barbárie.
O espetáculo deste setor da população mais explorado com as armas nas mãos e infligindo derrota após derrota aos exércitos da maior potência do mundo é um dos acontecimentos mais assombrosos e comoventes da história. Mas esta página gloriosa da história nunca será esquecida, na medida em que os homens e as mulheres estiverem motivados pelo amor à verdade e à justiça. Os ecos desta titânica insurreição reverberaram durante séculos e ainda são uma fonte de inspiração para todos aqueles que hoje continuam lutando por um mundo melhor
Londres, março de 2009.
Tradução Fabiano Leite.