O movimento dos coletes amarelos é um terremoto social de força excepcional. É um importante ponto de inflexão na luta de classes na França e uma fonte de inspiração para os trabalhadores de todo o mundo. Terá um impacto profundo e duradouro na vida política do país.
Para centenas de milhares de explorados e oprimidos, 17 de novembro foi a primeira vez que se mobilizaram em suas vidas. Não foi uma mobilização da parcela mais organizada dos trabalhadores. Nem mesmo uma mobilização por salário, uma vez que artesãos, pequenos agricultores, aposentados, entre outros, participaram. Como consequência, esse movimento foi – e continua sendo – politicamente heterogêneo. Há aqueles que se ressentem por uma “revolução pura”, como Lênin escreveu, mas não “compreendem nada acerca de uma verdadeira revolução” que, por definição, mobiliza as camadas mais profundas do país. A presença de muitas mulheres nas ruas e nas manifestações é uma evidente demonstração disso.
Ao longo das semanas, a orientação política dominante desse movimento ficou cada vez mais claramente afirmada: contra a tributação dos pobres, pela tributação dos ricos, por melhores salários, pensões e serviços públicos e, finalmente, contra o “governo dos ricos”, pelo “poder ao povo”. A reivindicação do RIC [Reunião de Iniciativa Cidadã, lista eleitoral recém formada por coletes amarelos] é a expressão imediata, transitória, desta aspiração das massas para tomar nas mãos seu destino. Na fornalha da luta coletiva, sua consciência política deu passos gigantescos. E isso é apenas o começo.
Esta guinada à esquerda provocou a crescente hostilidade de todas as forças reacionárias, inclusive de políticos de direita e de extrema-direita que, inicialmente, deram “apoio” mal intencionado. Laurent Wauquiez rapidamente retirou o colete amarelo e chegou a negar tê-lo colocado. Marine Le Pen espreitou pelas sombras, como sempre faz quando o povo luta. Ao contrário, os melhores militantes da esquerda e do movimento sindical deram apoio cada vez mais entusiasta aos coletes amarelos. E é a França Insubmissa, apesar de seus defeitos, que surge como a organização política mais alinhada com esse movimento. Tudo isso terá implicações políticas a longo prazo.
O ponto de vista da burguesia
Não podemos prever a evolução do movimento nas próximas semanas. É possível que se desenvolva durante o mês de janeiro. Seja como for, um movimento com esta natureza e com esta envergadura não é um simples parênteses entre dois períodos de relativa estabilidade social. É, pelo contrário, o início de uma fase de aceleração da luta de classes.
A burguesia é ciente disso. Le Figaro de 2 de janeiro indaga: Macron conseguirá realizar em 2019? Ótima questão, a que o cientista político Jérôme Sainte-Marie responde: “Qualquer reforma liberal que aparente exigir sacrifícios imediatos pode recomeçar a mobilização. Nos próximos meses Macron deverá conduzir o país com a constante ameaça de bloqueio”. Precisamente, em 2019, o governo previu atacar as aposentadorias, o seguro-desemprego e o funcionalismo público (entre outros). Cada uma dessas ofensivas é susceptível a reacender a chama social, pois cada uma visa impor novos sacrifícios às massas, com o propósito exclusivo de defender os lucros das grandes empresas.
Alguns observadores sugerem que Macron faça “uma pausa” nas reformas, até se engaje numa “guinada social”. Mas para a burguesia francesa não resta dúvida. Ela não pode tolerar a mínima pausa na sistemática destruição de nossas conquistas sociais: a favor da competitividade do capitalismo francês, que declina há três decênios em todos os mercados (mundial, europeu e nacional). Em outras palavras, mesmo que a burguesia tema novas explosões sociais, não tem alternativa além de se arriscar. E para cuidar disso, ela não possui uma alternativa imediata ao governo Macron. Não tem garantias que das eleições legislativas antecipadas saia um sólido governo de direita. Assim, nos próximos meses a burguesia se agarrará a Macron por falta de melhor opção, apesar de sua arrogância visceral, seus perigosos comunicados, o ódio que desperta nas massas e as últimas notícias sobre Alexandre Benalla, o Rasputim do Palácio Eliseu.
O movimento sindical
A burguesia também depende da moderação dos líderes sindicais. Ah! Como lamenta que os coletes amarelos não sejam dotados de tais dirigentes “razoáveis”, abertos ao “diálogo”, ao “compromisso” e que se contentem em organizar inofensivas “jornadas de ação” de tempos em tempos! Em 12 de dezembro, Le Figaro confeçou: a CGT “soube canalizar o descontentamento popular de um século. A crise dos ‘coletes amarelos’ demonstrou quão precioso era esse conhecimento. E quanto a crise geral do sindicalismo era problemática”.
De fato, os dirigentes sindicais não exerceram controle algum sobre o movimento dos coletes amarelos. Laurent Berger (CFDT) o insultou totalmente. Atordoada por uma crise interna, a direção do FO ausentou-se. Já a direção da CGT falhou completamente em seu dever, que era construir a partir da dinâmica dos coletes amarelos para colocar na ordem do dia uma mobilização geral da classe trabalhadora, como um movimento de greves por tempo indeterminado. Ao invés disso, Martinez se distanciou dos coletes amarelos, programou algumas jornadas de ação sem encaminhamentos e, finalmente, ofereceu seus serviços ao Palácio Eliseu para se ocupar das “negociações” entre pessoas razoáveis e “não violentas”.
A atitude de Martinez provocou muitas críticas na base da CGT, onde muitos militantes compreenderam a necessidade de apoiar o movimento dos coletes amarelos, mas também de confiar em sua formidável energia para soar a denúncia contra o conjunto de políticas governamentais. A oposição interna à direção da CGT irá, provavelmente, intensificar-se nos próximos meses, especialmente em vista do Congresso em maio.
Imediatamente, a esquerda e o movimento sindical devem tomar pé da situação política e extrair conclusões práticas dela. O governo Macron está à beira do abismo. Nós podemos e devemos empurrá-lo. Como? Se o movimento dos coletes amarelos reencontrar e aumentar a força que teve no início de dezembro, não há como excluir a possibilidade de Macron ser forçado a dissolver a Assembleia Nacional. Mas o movimento operário não deve esperar passivamente por essa possibilidade. Devemos passar à ofensiva. Não se fale dessa vez que “os trabalhadores não querem lutar”! Os coletes amarelos exterminaram com esse argumento. O problema não é o ímpeto de combate das massas, é o conservadorismo dos dirigentes sindicais. Em poucas semanas, os coletes amarelos receberam mais concessões do governo que as dezenas “jornadas de ação” dos últimos vinte anos.
Para começar, a questão da greve deve ser seriamente colocada e discutida nos sindicatos, mas também nas organizações políticas de esquerda. Uma ampla campanha de agitação deve ser conduzida nas empresas, nos bairros, nas universidades, nas escolas de ensino médio e, é claro, nas assembleias dos coletes amarelos. Em suma, a greve deve ser seriamente preparada. Os coletes amarelos provaram que Macron é bem menos forte do que alardeava. O desenvolvimento de uma greve por tempo indeterminado lhe daria o golpe de misericórdia.
Editorial do Révolution, jornal da seção francesa da Corrente Marxista Internacional, sob o título “Macron au bord du gouffre… Préparons une grève générale ! – Edito du n° 30”, em 3 de janeiro de 2019.
Tradução de Nathan Belcavello de Oliveira