Na segunda-feira (20/7) circulou em vários jornais e páginas de internet que a jovem ativista sueca Greta Thunberg, de 17 anos, foi escolhida entre 136 nomeações como vencedora da primeira edição do prêmio “Gulbenkian para a Humanidade”. Ela vai receber um milhão de euros para continuar seus projetos sociais em defesa do meio ambiente, o que corresponde a cerca de R$ 6 milhões. Seu ativismo tem foco em questões climáticas, em especial o Fridays for Future (Sextas-feiras pelo Futuro), movimento que se espalhou por dezenas de países e cativou jovens dos quatro cantos do mundo, que sentem, de alguma forma, os problemas do capitalismo e legitimamente decidem fazer alguma coisa para melhorar a realidade.
As manchetes difundiram com ênfase que Greta vai destinar parte desse valor (100 mil euros, algo perto de R$ 600 mil) para combater o coronavírus na Amazônia, o que foi compartilhado com entusiasmo em grupos de esquerda.
Não temos o objetivo de adentrar nas questões conspiratórias sobre as possíveis intenções da jovem ativista. Com seus 17 anos, ela ainda tem muito tempo e pleno potencial para entender o sistema em que vive e, quem sabe, virar uma revolucionária, identificando os setores com quem tem conversado como responsáveis pelos problemas do mundo. No entanto, por trás da manchete e dos milionários que criaram esse prêmio, há uma intenção de maquiar as contradições escandalosas do capitalismo, como se os problemas da humanidade se resolvessem com mais Gretas ou mais orçamentos participativos. Aquela velha frase: “o problema não é o sistema, são as pessoas”. Isso não existe.
Partindo para os números, os trabalhadores no Brasil enfrentam a pandemia de uma forma catastrófica. Em 22 de julho, quando este texto foi publicado, o país tinha 81.828 mortos e 2.178.159 casos confirmados. Ainda assim, o comércio está reaberto e os transportes operam lotados, como se não houvesse nada acontecendo. Isso tudo em um cenário em que, no atual e em todos os governos anteriores, houve notável prioridade para um câncer no orçamento chamado dívida pública, interna e externa, que estrangula direitos sociais em favor do sistema financeiro e outros representantes da burguesia. Em 2019, apesar de termos pago mais de R$ 1 trilhão, a dívida interna aumentou R$ 371 bilhões por títulos e juros, que junto com a dívida externa ultrapassa hoje a marca dos R$ 6,5 trilhões. Isso é dinheiro pra caramba.
As matérias fazem circular que “pelo menos” temos parte do prêmio da Greta, de R$ 600 mil, para enfrentar a pandemia na Amazônia. A título de comparação, mesmo que dedicasse todo esse valor, corresponderia apenas a 0,00057% do que pagamos em 2019 (1,038 tri) e 0,00014% do valor total dessa dívida. Além disso, nesse ano, o governo ainda deliberou mais R$ 1,2 trilhão para salvar os bancos através do Banco Central, com assinatura do Paulo Guedes e do governo federal.
No plano municipal e estadual, medidas semelhantes são aplicadas apesar das oposições de fachada que fazem Witzel, Doria, Bruno Covas e outros. Ou seja, existe dinheiro “a rodo”, produzido pela classe trabalhadora. É uma decisão política da classe dominante, do sistema capitalista e de seus representantes do poder público, recusar esse orçamento para manter um regime parasitário, tirando até do pouco que sobrou. Tudo isso amparado pelo aparato burocrático das leis e da hipócrita “Constituição Cidadã” do Estado burguês. Há de se ressaltar que esses problemas não se restringem ao Brasil, eles afetam a classe trabalhadora em escala internacional.
A política do capitalismo verde é tão agradável à burguesia que ela mesma a cria ou impulsiona, com propaganda massiva, apostando em saídas que cativem militantes e simpatizantes incautos da causa ambiental. A Fundação Calouste Gulbenkian, que criou o prêmio, foi fundada pelo testamento de um filantropo, empresário e engenheiro do ramo petrolífero no Oriente Médio, Calouste Gulbenkian, o principal articulador das negociações internacionais do ramo do petróleo da região no século passado.
Não é preciso gastar muitas linhas para dizer o que representaram e representam os combustíveis fósseis numa lógica capitalista. Sua exploração é como a de qualquer outro recurso natural que, em vez de impulsionar o avanço da humanidade, tem a função principal de gerar lucro, ainda que isso signifique poluir, incendiar, matar, devastar o meio ambiente, travar o desenvolvimento das forças produtivas ou mesmo destruí-las.
A filantropia de um empresário numa lógica capitalista carrega essa porcentagem de eficácia na resolução dos problemas da humanidade, algo próximo de 0,0001%, e também está contaminada pelos próprios interesses da burguesia. Até porque não é esse o foco do capitalismo, mesmo considerando os top 5 empresários mais “bonzinhos” e com “pensamento social”. A finalidade é lucro e manutenção do sistema de dominação entre classes.
Isso carrega, intrinsecamente, uma das infinitas contradições insanáveis do capitalismo. Como exemplo atual, vimos, durante o governo Temer, surgirem algumas tensões diplomáticas entre Brasil e Noruega – país que suspendeu repasses de R$ 200 milhões em fundos para preservação da Amazônia pela “má política ambiental do governo Temer”. Ao mesmo tempo, a empresa norueguesa Hydro, que à época tinha um terço de suas ações mantidas pelo governo norueguês, despejava chumbo nos rios da Amazônia. Mais tarde, o governo norueguês cortou mais R$ 133 milhões devido às políticas de enfrentamento do governo Bolsonaro aos incêndios do ano passado.
São essas contradições, que gestam processos revolucionários, que hoje já se contorcem em trabalho de parto por não caberem mais no ventre. A grande parteira da história, a violência, também está presente na sala, manifestando-se em eventos como a Primavera Árabe, as revoltas no Sudão e Argélia, os Coletes Amarelos, a onda de protestos nos EUA, em toda a América Latina no ano passado, entre várias outras demonstrações.
Greta jogou um papel importante na mobilização de milhões de jovens de vários países que encontraram no movimento Fridays for Future um canal para expressar o ódio a este sistema que conduz a humanidade à barbárie. Não à toa, de forma completamente oportunista, a burguesia e grandes setores da mídia mundial burguesa viram seus holofotes e oferecem prêmios desse tipo no intuito claro de cooptá-la e domesticar a potencial radicalidade do conjunto desses movimentos, na tentativa de empurrar todo esse descontentamento ao nicho do capitalismo sustentável, com as falácias do chamado greenwashing.
A Corrente Marxista Internacional esteve presente em vários países onde aconteceram esses atos, intervindo no sentido de propor uma perspectiva revolucionária, de apontar que não existe nenhuma possibilidade de sustentabilidade no capitalismo, muito menos nesta crise que o sistema enfrenta, e que a defesa do meio ambiente e dos interesses da humanidade em geral são impossíveis sem uma ruptura completa com esse modo de produção. Esse, sim, é o caminho para enfrentar questões tão importantes e insanáveis dentro do capitalismo, como a climática e, emergencialmente, a do coronavírus.
Portanto, se há um “prêmio” que a humanidade precisa, ele não virá da burguesia, mas de uma verdadeira revolução socialista dos trabalhadores, onde todo o orçamento público seja comandado pelos trabalhadores e não pelos parasitas das finanças que assassinam aos milhões enquanto brindam seus privilégios em suas mansões e iates.