Lula nega reivindicações e sindicatos estão pressionados pela base
Os servidores técnico administrativos em educação (TAE) e docentes das universidades e institutos federais estão construindo uma greve nacional da educação federal. Reunidos na Fasubra, os TAEs das universidades deflagraram greve no dia 11 de março. Já os docentes e TAEs dos institutos federais, reunidos no Sinasefe, deflagraram dia 3 de abril. Os docentes das universidades, por meio do Andes, indicaram o início da greve para o dia 15 de abril.
As datas diferentes para início da greve já denunciam a política dos dirigentes dos trabalhadores e das organizações políticas que compõem a direção da Fasubra, Sinasefe e Andes. Essa ação do governo de dividir a pauta em diferentes mesas de negociação, aceita passivamente pelas entidades sindicais, é um crime contra os trabalhadores e uma tentativa de enfraquecer a mobilização.
Há mais de um ano
Desde o início de 2023 a conjuntura e a necessidade de uma greve estava colocada. Porém, as direções sindicais agiram para evitar o movimento e proteger o governo Lula, que tomava posse.
Em janeiro de 2023, no retorno de Lula III, os trabalhadores da educação federal acumulavam perdas salariais que vinham desde 2010, quando o movimento negociou com o governo Lula II a recomposição salarial. De lá para cá, houve três greves salariais, em 2011, 2012 e 2015 (governo Dilma). Resultante da última greve, os TAEs receberam mais duas parcelas de reajuste, em 2016 e 2017. Já os docentes, por meio de um acordo assinado pelo Proifes (entidade criada em 2004 para dividir o movimento docente), tiveram que engolir um acordo com parcelamentos até 2019. Depois, nada de reajuste (que já eram insuficientes) — somente a inflação comendo os salários dos trabalhadores.
O conjunto dos servidores públicos federais, cujos sindicatos estão reunidos em dois fóruns, o Fonasefe e no Fonacate, decidiu apresentar a reivindicação de recomposição salarial considerando apenas o período inflacionário do governo Bolsonaro (26,94%), ignorando as demais perdas acumuladas. Chamaram essa tática de reajuste emergencial,uma tentativa de amenizar as pressões em cima do novo governo.
Contudo, a reivindicação de recomposição salarial durou pouco. Logo na primeira mesa de negociação, o governo Lula apresentou a contraproposta de 9% de reajuste salarial e incremento de R$ 200 no auxílio-alimentação. De imediato, a bandeira dos 27% desapareceu. Algumas entidades até ensaiaram alguma contraproposta, mas nada efetivo e o movimento paredista não evoluiu.
Um dos argumentos utilizados pelos dirigentes sindicais para bloquear a greve em 2023 foi o de que não era o momento de uma greve, pois um “governo democrático” acabava de assumir derrotando um “governo fascista”.
Passou 2023 e estamos na campanha salarial de 2024. As perdas salariais acumuladas já passam dos 39% no caso dos docentes e 53% no caso dos TAEs.
A ausência de lutas organizadas nos últimos anos teve como resultado uma séria piora nas condições de vida da categoria. Com a inflação corroendo os salários, os servidores veem seu orçamento comprometido e são empurrados ao endividamento atrás de consignados e outros empréstimos. Há muitos relatos de servidores com dificuldade de pagar aluguel e com cortes de energia elétrica em suas casas.
Nunca foi tão grande a taxa de evasão nas universidades e institutos federais. Segundo o portal do governo, 60% dos pedidos de exoneração vêm das carreiras PCCTAE (técnico administrativos), seguido pelas do magistério federal (docentes das universidades) e, por fim, da EBTT (docentes dos institutos). Muitos servidores se licenciam, optando pelo não recebimento de salário, em busca de ofertas de empregos melhor remunerados, afetando principalmente setores como tecnologia da informação e engenharia. As instituições federais de ensino passam enormes dificuldades para contratação de professores, porque muitas vezes os salários da rede estadual e municipal já são maiores do que os da rede federal, e estudantes ficam sem aulas.
Campanha salarial 2024
A atual campanha salarial já começou com os dirigentes sindicais amenizando mais uma vez as propostas do governo. Ao invés de cobrar a reivindicação por inteiro (39% para docentes e 53% para os TAEs), a liderança dos trabalhadores da educação já propôs de início o parcelamento do índice: Docentes primeira parcela de 11,82% em 2024, segunda parcela de 16,29% em 2025 e terceira parcela de 16,29% em 2026. Para os TAEs, a primeira parcela de 15,24% em 2024, a segunda parcela de 19,85% em 2025 e a terceira parcela de19,85% em 2026.
A contraproposta do governo foi um escândalo, com o anúncio feito por Lula de congelamento salarial para 2024. Com o reajuste zero, ele propôs duas parcelas de 4,5%, uma para 2025 e outra em 2026. Ao invés de endurecerem e manterem firme a bandeira, os sindicatos amaciaram mais ainda para o governo, reduziram a reivindicação e apresentaram uma nova proposta de parcelamento, agora de 22,71% para os docentes (3x de 7,06% em 2024, 2025 e 2026) e 34,32% para os TAEs (3x de 10,34% em 2024, 2025 e 2026). Sem grandes pressões, o governo simplesmente ignorou e manteve o congelamento salarial para este ano, com duas parcelas de 4,5% para os anos seguintes.
Com a proposta salarial de 0%, o governo anunciou o reajuste de 51% em alguns benefícios. A partir do mês de maio, o auxílio-alimentação passa de R$ 658 para R$ 1 mil; a contrapartida dos planos de saúde vai de R$ 144 para R$ 215; e o auxílio-creche (servidores com crianças até 6 anos) de R$ 321 para R$ 484,90. Porém, os benefícios não são incorporados na carreira nem na previdência e somente trabalhadores ativos recebem. Os aposentados, que se encontram em situação de desespero por conta da sequência de reformas previdenciárias, não receberão o reajuste do valor. Na prática, a medida divide os trabalhadores em ativos e aposentados.
Reestruturação das carreiras
Além da pauta salarial, os trabalhadores da educação reivindicam a reestruturação das carreiras, que estão defasadas. No caso dos TAEs, o piso da carreira é pouco mais que 1 salário mínimo. Os trabalhadores cobram o reenquadramento de classes e níveis dos planos de carreira, melhor reconhecimento por competência e titulação, e diminuição do interstício de progressão, consertando distorções que impedem o avanço devido na carreira.
A proposta de reformulação de carreira apresentada pelo sindicato para o governo traz avanços, particularmente de reenquadramento salarial, mas cria um problema e ignora posições históricas, como carreira única com o piso do Dieese, que prevê R$ 6.578,41 para todos. Ao contrário, ao manter e ampliar o mecanismo do “step” (de 3,5% para 5%) — que só existe por conta do piso baixo e do abismo salarial entre piso e teto —, cria-se uma proposta de carreira para não ser aprovada. Ao subir o piso com um step de 5%, mantém-se o fosso entre piso e teto, com um teto salarial que ultrapassa o teto constitucional do ministro do Supremo Tribunal Federal (R$ 44.008,52).
Os trabalhadores da educação conseguiram forçar o governo a abrir mesas específicas para essa negociação. O governo, por meio de uma das várias comissões existentes com participação dos sindicatos, acenou com uma possibilidade de reestruturação que melhora a condição de alguns segmentos dos técnico administrativos, mas, até o momento, não há nada concreto formalizado por parte do MInistério da Educação (MEC) ou pelo Ministério de Gestão e Inovação (MGI), que têm mediado as negociações.
Nos governos de Temer e Bolsonaro uma série de medidas provisórias, portarias e decretos foram emitidas visando atacar os direitos dos servidores, como movimento entre unidades por parte dos servidores (remoção e redistribuição) e direito à greve. Além da precarização e opressão generalizada nas condições de trabalho. Os servidores públicos federais cobram a revogação do pacote na campanha “revogaço já”.
Essas medidas são administrativas e não possuem custo econômico. Mesmo assim, Lula ignora desde o ano passado e mantém toda a estrutura sufocante que Temer e Bolsonaro armaram para os servidores.
Reuniões e mais reuniões
Mais de uma dezena de reuniões já ocorreram entre sindicatos e governo, nas mesas de negociação entre campanha salarial, “revogaço” e reestruturação das carreiras. A marca de todas é que aconteceram sem um processo de mobilização nacional que pressione o governo. No máximo, pequenos piquetes formados por dirigentes sindicais na porta dos ministérios em Brasília. Nenhuma grande marcha unificada à capital nacional. As reuniões de gabinete foram todas confortáveis para o governo.
Os dirigentes enchem a boca para dizer que agora temos um governo que “pelo menos negocia”. Todavia, a realidade é que nada de concreto sai dessas articulações. O que fazem é vender ilusões de que algo de bom pode estar vindo. Aliás, essa tem sido a tônica desde a posse de Lula, as lideranças dos servidores públicos federais vendendo ilusões de que algo pode acontecer, e assim, desmontado qualquer processo de mobilização.
Assim foram as últimas cinco mesas de negociação, criando esperanças na categoria e o resultado era sempre o mesmo: nenhum, mas sempre aparecia o governo e o sindicato anunciando uma nova mesa. Agora, com a greve deflagrada pela Fasubra, recém-iniciada pelo Sinasefe e anunciada pelo Andes, mais uma vez confirmaram uma nova mesa, a do dia 29 de março, e mais uma vez sem resultado prático.
Se o governo convoca uma mesa de negociação significa que alguma proposta pode estar vindo. E se algo está vindo, por que entrar em greve antes? Esse é o sentimento propagado. Com isso, temos níveis de mobilização dos mais variados pelo Brasil. Enquanto a mobilização está forte em alguns institutos e universidades, em outros é inexistente, com a categoria aguardando o resultado da tal reunião.
A negativa em unificar os trabalhadores é escandalosa. A maioria das mesas de negociação aconteceram separadas: uma mesa para TAEs e outra para docentes, algumas para discutir a reestruturação da carreira e outras para discutir aumento de salário. Eles dizem ser para tratar melhor de assuntos específicos de cada plano de carreira, mas a única especificidade real, é que os trabalhadores necessitam como nunca da recomposição salarial e da reestruturação das carreiras.
Tratar a reformulação das carreiras fragmentadamente enfraquece a capacidade de pressão e mobilização dos trabalhadores. A origem dessa metodologia, proposta pelo governo e aceita pelos sindicatos, vem da incapacidade dos atuais dirigentes dos trabalhadores de unificarem as carreiras dos servidores públicos federais da educação.Os trabalhadores só possuem força se fizerem tudo de modo unificado e unido, um pelo outro.
Superar a burocracia sindical e organizar a classe trabalhadora
Em última análise, Fasubra, Sinasefe e Andes deveriam compor um único sindicato, o que não pode ser feito com a reacionária legislação brasileira que impõem a unicidade sindical, com o Estado dizendo quem é e quem não é sindicato. Essa unidade deve ser construída no convencimento político e no trabalho de base. Para piorar, ainda ressoa na base dos sindicatos a divisão, por meio de entidades sem legitimidade entre os trabalhadores como o Proifes (no caso dos docentes) e o Atens (no caso dos técnicos).
É preciso superar a burocracia que se instalou nos sindicatos de servidores públicos, com as direções servindo de correia de transmissão para os interesses dos governos. No caso da mobilização dos trabalhadores na educação pública no federal, fica evidente que alguns dirigentes estão mais preocupados em blindar o governo do que em organizar a categoria para a luta.
Para os comunistas da Fasubra, do Sinasefe e do Andes, é necessário combater o argumento de que o governo Lula já ofereceu o que era possível. Isso não é verdade. De acordo com cálculos dos sindicalistas, cerca de R$ 60 bilhões anuais seriam suficientes para atender todas as reivindicações dos trabalhadores públicos federais da educação. Segundo a contabilidade da Auditoria Cidadã, Lula pagou R$ 1,8 trilhão somente em juros e amortizações da dívida pública federal, o que corresponde ao valor de R$ 5,2 bilhões por dia! O mesmo Congresso que aprovou 0% de reajuste para 2024, destinou R$ 53 bilhões para emendas parlamentares (valor deve aumentar), 1,2 bilhão para o fundo partidário e 4,9 bilhões para fundo eleitoral.
Diferente do discurso governista, de que fazer greves no governo Lula seria realizar o jogo da direita, explicamos ser necessário e urgente que os trabalhadores se mobilizem de forma radical e independente, colocando suas reivindicações como a ponta da lança e construindo um polo à esquerda do governo. É o contrário disso que é a receita para o retorno do bolsonarismo, propiciado pela política de Lula, de construção de um governo de unidade nacional, que ignora a luta de classes e reúne no poder Alckmin, Lira, Pacheco e até “ex-bolsonaristas”.
Os comunistas explicam que o arrocho salarial e o achatamento das condições de vida é produto direto da sociedade capitalista. A saída passa pela luta imediata, pelas reivindicações sentidas pela classe, como a greve que se desenvolve, mas precisa dar o passo seguinte, questionando todo o sistema.
Mesmo com um governo “progressista” ou “de esquerda”, os cortes orçamentários nas universidades públicas e institutos se intensificaram já no governo Dilma, em 2011, aprofundando-se nos anos seguintes, com nos governos Temer e Bolsonaro, e também no atual governo Lula que não recompôs todo o orçamento perdido.
Os cortes orçamentários na educação fazem parte do processo de destruição do ensino público gratuito, ação enquadrada na crise do capitalismo. Com a queda na sua taxa de lucro, a burguesia age para rebaixar os custos com a força de trabalho, o qual a educação é componente. Menos educação é uma força de trabalho mais barata. A crise do capitalismo acelera o anseio dos capitalistas em privatizar o que puder e assim lucrar com serviços que passam a ser pagos. Assim, assaltam também os cofres públicos — o dinheiro público que iria para educação é canalizado para o mecanismo da dívida pública e o capital financeiro. É neste contexto em que se inserem as medidas de destruição de direitos e achatamento das condições de trabalho dos TAEs e docentes.
Os comunistas defendem a mais ampla e verdadeira unidade da categoria.TAEs e docentes juntos, no mesmo combate. Trabalhadores dos institutos federais e das universidades federais unificados. Esse movimento precisa ser construído desde baixo, na sala de aula e nos demais locais de trabalho. Sem nenhuma ilusão nos governos e nos dirigentes burocráticos, e total confiança na capacidade de luta dos trabalhadores. A greve precisa ser nacional, unificada, independente, combativa e militante.
Siglas utilizadas no artigo:
Fasubra: Federação de Sindicatos de Trabalhadores Técnico Administrativos em Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil
Sinasefe: Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica
Andes: Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior
Fonasefe: Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais
Fonacate: Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas do Estado
Proifes: Federação de Sindicatos de Professores e Professoras de Instituições Federais de Ensino Superior e de Ensino Básico Técnico e Tecnológico
Atens-SN: Sindicato Nacional dos Técnicos de Nível Superior das IFES