Em dezembro último, o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou, pela primeira vez, sem o veto dos Estados Unidos, uma resolução que condena os assentamentos israelenses em território palestino. Por 14 votos a zero e com abstenção dos EUA, a resolução exige que Israel “cesse todas as atividades de assentamento no território palestino ocupado, incluindo Jerusalém Oriental”.
Historicamente os EUA fazem a defesa incondicional do Estado de Israel e, graças ao seu poder de veto no Conselho de Segurança da ONU, nenhuma decisão efetiva contra Israel é tomada no plano do Direito Internacional, não obstante a política de delinquência praticada por aquele Estado. Embora aprovada sem o veto dos EUA, esta resolução não deverá sair do papel, até porque foi aprovada no último mês do mandato de Barak Obama, que nenhuma atitude tomou contra o terrorismo de Estado de Israel nos seus oito anos de governo.
Com a posse de Trump, Israel sente-se mais à vontade para prosseguir com sua política de instalação de assentamentos ilegais. Segundo o periódico alemão Deutsche Welle, desde a posse de Trump, em 20 de janeiro, “Israel aprovou a construção de mais 500 casas em Jerusalém Oriental e outras 2500 na Cisjordânia ocupada”. Benjamin Netanyahu declarou, de acordo com o mesmo jornal, que a presidência de Trump abre uma “oportunidade formidável” para continuar construindo nos territórios ocupados.
O início da ocupação sionista na Palestina
A política de ocupação do território palestino tem origem desde o advento do sionismo no final do Século XIX, quando um grupo liderado por Theodor Herzl – um austro-húngaro descendente de família de banqueiros – defende a criação de um lar nacional para os judeus. A justificativa decorria das constantes perseguições que os judeus sofriam na Europa. Para tanto foi criado o Fundo Nacional Judeu, que tinha por objetivo angariar recursos para a aquisição de terras na Palestina que, na época, encontrava-se sob o domínio do Império Turco Otomano.
Até fins do Século XIX o território palestino era habitado por muçulmanos que representavam 85% da população, cristãos (10%) e judeus (5%). A convivência entre as três denominações religiosas até então era pacífica. Os conflitos tiveram início com a chegada cada vez mais numerosa de judeus da Europa que, ao adquirir suas terras expulsavam a população não judia dos seus domínios.
Com o fim da 1a Guerra Mundial, o Império Turco Otomano ruiu. Para manter os interesses colonialistas, França e Inglaterra passaram a administrar a região do antigo Império. A Palestina, então, passou a ser controlada pelo Mandato Britânico. Pouco antes da instalação do Mandato Britânico, foi publicado em Londres a “Declaração de Balfour”, uma carta assinada pelo secretário britânico de Assuntos Estrangeiros, Arthur James Balfour, que defendia o estabelecimento na Palestina de um “Lar Nacional Judeu”.
Nos anos 20 e 30 do Século XX várias revoltas árabes ocorreram na Palestina, ocasionadas pela presença cada vez mais significativa de judeus provenientes da Europa. O ápice destas revoltas ocorreu em 1936, quando começa a se consolidar o Movimento Nacional Palestino que exigia o fim da imigração sionista, o fim da venda de terras ao Fundo Nacional Judeu e a formação de um governo palestino autônomo.
Sem conseguir resolver os conflitos, a Inglaterra entrega o mandato sobre a Palestina à ONU.
A partilha, o Plano Dalet e a criação do Estado de Israel
Após a Segunda Guerra Mundial, com o pretenso objetivo de colocar fim ao conflito entre árabes e judeus, a Organização das Nações Unidas, através da Resolução 181, define o Plano de Partilha sobre a Palestina. A partir de então, o território palestino seria dividido, sendo que 52% da área passaria a pertencer aos judeus e restante aos árabes. Nesta época os judeus representavam um terço da população. Tal resolução gerou total descontentamento entre a população não judia da Palestina e também aos países árabes vizinhos. O resultado foi o início de uma guerra de guerrilhas que se alastrou pelo território partilhado.
A guerra e a violência dela decorrente se intensificou com um plano militar sionista, conhecido como Plano Dalet, executado a partir de março de 1948. Através dele grupos paramilitares sionistas invadiram áreas além do território demarcado e, através do terror, expulsaram centenas de milhares de árabes de seus povoados.
Em 1948, é fundado o Estado de Israel e os conflitos armados adquirem caráter de guerra com os países árabes vizinhos. Israel vence a guerra e o resultado foram dezenas de massacres contra palestinos, mais de trezentos vilarejos dizimados e um saldo de 750 mil palestinos transformados em refugiados. Outro resultado é que dos 52% do território original, Israel agora ocupa 78% da chamada Palestina histórica.
Diante da invasão e da matança indiscriminada praticada por Israel, a possibilidade de criação de um Estado Palestino foi afastada. Restaram a eles apenas 22% do território, representados pela Cisjordânia, administrada pela Jordânia e a Faixa de Gaza, administrada pelo Egito.
Sobre os escombros dos vilarejos palestinos e de um mito religioso, os judeus perseguidos na Europa pelos governos europeus, cujo golpe final foi o Holocausto, agora ganhavam sua “Terra Prometida”. Uma “terra sem povo” (embora fosse o lar de uma maioria árabe) para um “povo sem terra”. Aqui, como afirma o repórter britânico Robert Fisk, “a bússola moral começa a girar a uma velocidade cada vez maior”.[1]
Por que os palestinos tiveram que enfrentar o destino da promessa britânica após a Primeira Guerra Mundial a um povo cujos antepassados viveram em sua terra dois mil anos antes? Por que essa nova avalanche de refugiados muçulmanos tem que pagar o preço para que depois – como os armênios – digam que eles foram os agressores e aqueles que os usurparam, as vítimas? Pois, ao longo das décadas seguintes, os palestinos seriam os “terroristas” e os que lhes roubaram as terras seriam os inocentes, os representantes de uma nação fênix que ressurgiu das cinzas de Auschwitz.[2]
A Guerra dos Seis Dias
A grande tensão entre árabes e israelenses levou Israel a antecipar um suposto ataque de países árabes. Com o apoio dos EUA, Israel derrotou no espaço de seis dias, entre 5 e 10 de junho de 1967, os exércitos do Egito, Jordânia e Síria, apoiados pelo Kwait, Iraque, Argélia, Arábia Saudita e Sudão. Apenas no primeiro dia, em um ataque surpresa, caças israelenses destruíram 309 dos 340 aviões de combate egípcios que se encontravam em bases militares.[3]
Seriam três as justificativas para início do ataque, que segundo Israel colocavam sua sobrevivência enquanto Nação em risco: 1) o terrorismo com base na Síria; 2) concentrações de tropas egípcias no Sinai depois da retirada das tropas de paz da ONU; 3) o bloqueio do Estreito de Tiran.
Norman Finkelstein[4], desmonta cada uma destas “justificativas”. Tanto é que o referido autor menciona, inclusive, a avaliação da CIA no referido conflito:
Às vésperas da guerra de junho de 1967, a CIA avaliava que os objetivos de Israel eram acima de tudo “a destruição do centro de poder do movimento socialista radical árabe, ou seja o regime de Nasser”, e, em segundo lugar, “a destruição tanto da Síria quanto da Jordânia como Estados modernos”.[5]
Embora insista em argumentos de defesa, a guerra serviu de pretexto para Israel expandir ainda mais o seu território. Após os seis dias de guerra foram anexados ao território israelense Gaza, Cisjordânia, Jerusalém Oriental, além das Colinas de Golan, pertencente a Síria e a Península do Sinai, do Egito. Em resposta a ocupação, o Conselho de Segurança da ONU aprovou em novembro de 1967, a Resolução 242, que exigia a imediata retirada de Israel dos territórios ocupados. Além de não cumprir a Resolução, Israel inicia uma política de destruição de casas de civis e a construção de assentamentos judeus sobre estes territórios. Em 1968 a Assembleia Geral das Nações Unidas aprova a Resolução 2443 que exige que “Israel desista de destruir casa de civis nas áreas ocupadas”, assim como expressa preocupação com as constantes violações dos direitos humanos. No ano de 1979, através da Resolução 446 do Conselho de Segurança, a ONU declara que a política israelense de promover assentamentos em territórios ocupados não tem validade legal e se constitui em sério obstáculo para a a paz na região.
A sanha violenta de Israel também deixou um saldo de 300 mil refugiados palestinos expulsos de suas terras.
Israel ignora uma a uma cada Resolução da ONU, ou, como afirma Marcelo Buzetto, “a única resolução da ONU que Israel respeitou até o momento foi a da sua própria criação”.[6]
Os Acordos de Oslo
Não tratamos neste artigo sobre as lideranças da resistência Palestina, mas o grupo político liderado por Yasser Arafat, o Fatah, sem dúvidas foi um dos grandes responsáveis por um enorme retrocesso da luta pela libertação da Palestina, especialmente após os lamentáveis Acordos de Oslo realizados em 1993 e 1995, sob a batuta dos Estados Unidos.
Até os Acordos de Oslo, havia um consenso internacional (com exceção dos Estados Unidos) no que diz respeito à desocupação da Faixa de Gaza e da Cisjordânia. Aquilo que até então era inquestionável para o resto do mundo, graças à liderança palestina se tornou questionável, pois, no segundo Acordo de Oslo, consta que as duas partes não renunciam aos seus direitos, reivindicações e posições. Ou seja, os territórios ocupados de forma violenta e ilegal por Israel, desde 1967, tornaram-se a partir do Acordo “territórios em disputa”. Os Acordos são recheados de absurdos em favor de Israel.
Norman Finkelstein cita alguns pontos do Acordo Oslo II, onde o desequilíbrio é flagrante. Ante a clareza e o absurdo dos termos, vale reproduzir o que escreve o autor sobre a questão da água, das indenizações, segurança, soberania e sobre a terra:
[água]: Na realidade, Israel reivindica direito legal sobre a maior parte da água da Cisjordânia, com base num “uso histórico”. Ou seja, depois de roubar a água palestina durante quase três décadas, os israelenses proclamam agora que ela é sua. [indenizações]: “A liderança da OLP assinou com Israel um acordo que na realidade afirma que os israelenses não tem qualquer responsabilidade por todos os crimes que cometeram”.Soberania: Oslo II refere-se apenas a um “reposicionamento” israelense na Cisjordânia, e não uma retirada. Ficam excluídos da jurisdição do Conselho Palestino “Jerusalém, os assentamentos, posições militares específicas, os refugiados palestinos, as fronteiras, as relações exteriores e os israelenses”. Israel mantém plena “jurisdição penal (…) sobre delitos cometidos” em qualquer parte da Cisjordânia por Israelenses ou contra Israel ou um cidadão israelense. Quanto às questões internas, o Conselho não pode efetivamente “emendar ou revogar leis ou ordens militares em vigor” sem o consentimento de Israel. Existe até uma determinação sobre a linguagem usada nos selos postais, que “deverão incluir apenas a expressão “Conselho Palestino” ou Autoridade Palestina. Numa questão correlata, o Conselho Nacional Palestino deve aprovar formalmente as necessárias modificações a respeito da Convenção Palestina. Nenhuma exigência comparável é feita a Israel, no sentido de que renuncia a sua antiga reivindicação sobre a Cisjordânia – e muito mais que ela.
Segurança: Israel mantém a “responsabilidade pela segurança externa, assim como a responsabilidade global dos israelenses”. Em nome da segurança, Israel é assim autorizado a dar perseguição a qualquer palestino em qualquer lugar. Embora tenha a obrigação de proteger colonos e colônias israelenses que são ilegais diante do direito internacional, a polícia palestina não pode – em hipótese alguma – deter ou manter sob custódia ou em prisão, qualquer israelense.
Terra: A primeira fase do reposicionamento de Israel deixa os palestinos com jurisdição territorial sobre apenas 30 por cento da Cisjordânia. […] Além disso as áreas palestinas não são contíguas.[7]
É óbvio que os Acordos não agradaram a grande maioria do povo palestino. O descontentamento também serviu de combustível para alimentar as disputas pelo poder no âmbito da ANP e, pior de tudo, enfraqueceu sobremaneira a resistência palestina.
A ausência de direção, principalmente após a morte de Arafat, abriu caminho para o Hamas que, por suas características políticas, militares e religiosas é incapaz de organizar o povo palestino e dialogar com outros movimentos de resistência no plano internacional. O terrorismo, embora muitas vezes movido pelo desespero, é abominável, pois, além de vitimar na maioria das vezes inocentes, é totalmente inócuo sob o ponto de vista da organização das massas. Normalmente leva a desorganização ou a falsa esperança do aparecimento de algum redentor que levará a salvação da classe oprimida. Trotsky, ao repudiar esse método afirmava que o terrorismo é “muito impactante em suas formas externas (assassinatos, explosões e assim por diante), mas absolutamente inofensivo em relação ao sistema social”.[8]
Conclusão
O Estado de Israel, criação artificial e produto do imperialismo do pós guerra, é incompatível com qualquer possibilidade de paz e convivência com a população palestina. Bem Gurion, um dos fundadores do Estado de Israel, em discurso proferido a estudantes da Universidade Hebraica, em 1968 dizia o seguinte:
Tal como existe atualmente, Israel é apenas uma parte do “Grande Israel” (Eretz Israel), e a missão sionista permanece incompleta até que Israel recomponha suas recomponha suas “fronteiras históricas” [..] O mapa de Israel precisa ser modificado. Cabe a vocês lutarem sem trégua a fim de estabelecer, por invasão ou diplomacia, o Império de Israel.[9]
O empreendimento sionista, fundado sob mitos religiosos, está situado no conjunto das políticas colonialistas próprias da fase imperialista do capitalismo. Por isso, nenhuma solução passa pela criação de dois Estados – até porque Israel obstrui de todas as formas a possibilidade de um Estado Palestino ao lado de um Estado Judeu – mas sim de um único Estado laico onde a plena igualdade entre as pessoas possa ser exercida em sua plenitude. Tal possibilidade também é incompatível com o sistema capitalista que encontra na guerra a melhor forma de resolver suas crises.
[1] FISK, Robert. A Grande Guerra pela Civilização. A conquista do Oriente Médio. Trad. Sandra Martha Dolinsky. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007. P. 511.
[2] Idem, p. 511.
[3] História do Mundo. Guerra dos Seis Dias. Disponível em www.historiadomundo.uol.com.br, acesso em 04.03.2017.
[4] FINKELSTEIN, Norman G. Imagem e realidade do conflito Israel-Palestina. Trad. Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Record, 2005. pp. 227-244.
[5] Idem. p. 244.
[6] BUZETTO, Marcelo. A Questão Palestina: Guerra, Política e Relações Internacionais. São Paulo: Expressão Popular, 2015. P. 52.
[7] FINKELSTEIN, Norman G. Imagem e realidade do conflito Israel-Palestina. Pp. 285-288.
[8] TROTSKY, Leon. Por que os marxistas se opõe ao terrorismo individual? Margem Esquerda. Revista da Boitempo n. 26, 1o Semestre de 2016. P. 139.
[9] BUZETO, Marcelo. Questão Palestina: Guerra, Política e Relações Internacionais. P. 53.