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Nenhuma confiança no STF e na PGR: sem anistia!

Os comunistas são os primeiros a gritar “sem anistia” contra nossos inimigos de classe que dirigem o bolsonarismo. Nós defendemos a punição dos organizadores e financiadores da série de tentativas de golpes de Estado, simbolizada pela invasão aos prédios dos três poderes em 8 de janeiro de 2023. Essa aventura desvairada, sem apoio do imperialismo, da própria burguesia e das massas, revelou-se ainda mais complexa com os planos da cúpula do governo Bolsonaro e de setores das Forças Armadas que vieram à tona. Além da investigação da Polícia Federal, as “delações premiadas” de Mauro Cid, tenente-coronel do Exército Brasileiro e ex-braço direito de Jair Bolsonaro, compuseram essa peça para a compreensão geral da tresloucada trama golpista desses reacionários.

Contudo, é preciso ir além da aparência, pois não nutrimos qualquer confiança em um processo produzido e realizado pela Justiça burguesa. Este é um importante elemento que distingue os comunistas dos traidores do proletariado. No presente acirramento da luta entre as classes, a crise das direções dos trabalhadores tem como grande expressão justamente a fé no Poder Judiciário, tanto consciente, para desviar os rumos da ação política, quanto inocentemente, dos honestos militantes que seguem seus dirigentes. A suposta “neutralidade” das instituições da lei, que regem o “Estado Democrático de Direito”, passa a ser a aposta dessas direções incapazes de apresentar uma alternativa à maioria da sociedade.

Em contradição a essa sobriedade judiciária, as últimas denúncias da Procuradoria-Geral da República (PGR), fabricadas a partir das delações de Cid, são peças imbuídas de uma narrativa que, em vez de escancarar o envolvimento do ex-presidente com o golpismo, dão mais panos para os bolsonaristas se cobrirem com a capa “antissistema”. Oferecem mais páginas para suas tacanhas retóricas contra a dita “perseguição” de um “regime antidemocrático instaurado no Brasil”, como mencionado por Carlos Bolsonaro, às lágrimas de crocodilo, nos últimos dias, em evento com seu pai.

Desde setembro de 2023, Mauro Cid promoveu uma série de delações contraditórias sobre o plano “Punhal Verde e Amarelo”. Oscilante entre o que deveria falar e o que ganharia com cada afirmação, o militar ora disse que o então presidente talvez nem soubesse da existência de um plano para evitar o fim de seu mandato e, em outra ocasião, com medo de perder os privilégios da delação, afirmou que Bolsonaro não só sabia, como era protagonista no planejamento do golpe.

Como fabricantes de notícias e, neste caso, de julgamentos, na divulgação inicial das declarações de Cid, a PGR, dando inclusive conclusões para o famoso relatório da investigação da Polícia Federal publicado no fim de 2024, decidiu ocultar as partes que não convinham aos seus interesses e aos do Supremo Tribunal Federal (STF), em especial de Alexandre de Moraes, de judicializar a cova de Bolsonaro, enquanto exaltou as declarações incriminatórias de Cid.

A denúncia da PGR também é tendenciosa na ênfase que dá ao monitoramento do ministro Moraes, solicitado por Bolsonaro e militares do grupo golpista, construindo a ideia de que tal monitoramento faria parte da aplicação do golpe. A denúncia não diz que, segundo o delator, Bolsonaro solicitou o monitoramento não para assassinar Moraes — como era um dos passos do golpe —, mas por uma ciumenta irritação do presidente com um encontro que Moraes teria tido com Hamilton Mourão, vice de Bolsonaro.

Atravessada por interpretações das mensagens de celular de Mauro Cid com outros golpistas, a denúncia da PGR também incide em montar cenas de conspiração para momentos em que, nas palavras do delator, os derrotados na eleição de 2022 faziam um mero “bate-papo de bar”. Expressão de um grupo débil que, em determinado momento, tentou, mas não conseguiu, articular um plano de impedimento da posse de Lula.

Politicamente, e independentemente dos ziguezagues de Cid, precisamos compreender o papel do Judiciário para o Estado burguês como defensor supremo dos interesses da classe dominante / Imagem: Rosinei Coutinho, STF

Entre outras contradições da denúncia e das delações claudicantes e pressionadas de Mauro Cid, está a atuação do general Estevam Theófilo, chefe do Comando de Operações Terrestres do Exército (Coter). Segundo a PGR, Theófilo colocaria o Exército nas ruas assim que Bolsonaro desse o aval. Porém, Mauro Cid expressou, em seus últimos depoimentos, que Theófilo não passaria por cima da autoridade do comandante da Força, o general Freire Gomes. Fundamental para entender o funcionamento das peças do Exército para uma ação dessa natureza, essa informação também foi ocultada da denúncia dos arautos da justiça burguesa.

Politicamente, e independentemente dos ziguezagues de Cid, precisamos compreender o papel do Judiciário para o Estado burguês como defensor supremo dos interesses da classe dominante. Para os setores majoritários da burguesia e para as direções traidoras do proletariado, transformar Bolsonaro em réu e, se possível, prendê-lo tem a útil serventia de arrefecer as tensões e instabilidades sociais e políticas no Brasil.

Porém, analisamos materialmente que excluir a figura de Bolsonaro das “quatro linhas”, como alegoriza o golpista, não eliminará a radicalidade, a insatisfação geral e o sentimento antissistema na sociedade. Este é um resultado que pode ser amenizado, mas não extirpado do seio da classe trabalhadora, pois a história não é feita de peças judiciais, pelos “grandes homens” ou pelos desejos de determinadas figuras, mas pelas condições e contradições materiais da luta de classes. E, nesta conjuntura, o capitalismo é incapaz de conter tal situação.

O afastamento de Bolsonaro, por exemplo, das eleições de 2026, como já anunciado, poderá ser preenchido por outro nome reacionário, como Tarcísio de Freitas, que vem, inclusive, aproximando-se publicamente de Lula. Nomes como esse, mais “moderados” na perspectiva burguesa, poderão aprofundar todo o pacote de ataques já colocados em prática pelo governo Lula, sem os descontroles de Bolsonaro, caso o atual presidente não sirva mais às classes dominantes.

Em combate e pela verdadeira punição aos golpistas, os comunistas defendem que a luta contra qualquer tipo de anistia para esse grupelho e contra toda a extrema-direita deve ser feita com a frente única operária, com independência de classe frente à burguesia. A “justiça” burguesa que pode prender Bolsonaro é a mesma que está sempre ávida e disponível para reprimir e atacar a organização e os direitos dos trabalhadores.

Inúmeras decisões do Supremo Tribunal Federal expressam o funcionamento dessa instância dos interesses burgueses. Na chancela da destruição dos serviços públicos com as terceirizações, o STF, no início de fevereiro deste ano, decidiu que a administração pública não deve se responsabilizar por trabalhadores terceirizados nos serviços públicos. Assim, consolidou barreiras para a fiscalização de contratos e para as dívidas trabalhistas com os terceirizados, devendo as chamadas “negligências” ser comprovadas pelos autores das ações, seja trabalhador, sindicato ou Ministério Público.

É o STF estimulando a insegurança jurídica e rechaçando a paridade entre trabalhadores das mesmas funções nos serviços públicos, escancarando a via de privatizações e terceirizações. Outro ataque do STF foi feito ainda em dezembro de 2024, validando os contratos de trabalho intermitentes criados pela contrarreforma trabalhista de 2017, um aval supremo para a superexploração.

No fim de 2024, o STF manteve a decisão contrária aos direitos dos trabalhadores de realizar novos cálculos que beneficiariam sua aposentadoria, com a anuência de Flávio Dino, o “ministro comunista” de Lula. Também em dezembro de 2024, o STF suspendeu o julgamento sobre as escolas cívico-militares em São Paulo, que já havia sido votado favoravelmente por dois ministros, Gilmar Mendes e o ex-advogado de Lula, Cristiano Zanin. Isso sem falar das atuações da Suprema Corte contra a laicidade do Estado, autorizando a presença de símbolos religiosos em prédios públicos, posição contrária à do Ministério Público.

Diante dessa realidade, o papel dos revolucionários, daqueles que lutam pela emancipação do proletariado no Brasil e no mundo, não é o de forçar uma restauração da confiança das massas nas instituições burguesas já podres e caducas. Nossa tarefa é compreender e expor as reais relações e papéis na sociedade, com a única moral de pôr abaixo o sistema da propriedade privada dos grandes meios produtivos e todo o seu aparato de manutenção, objetiva e subjetiva.

Para combater nossos inimigos de classe, total independência! Sem anistia e nenhuma confiança na justiça inimiga!