Imagem: Marcos Paulo Lima (Maracatu), CUT-DF

Nova Reforma Administrativa: a Precarização Institucionalizada

O Grupo de Trabalho criado pela Câmara dos Deputados para elaborar uma nova Proposta de Emenda à Constituição (PEC 38) divulgou, em 2 de outubro, seu relatório final, que apresenta 70 medidas com potencial de profundo impacto sobre o serviço público. Essa iniciativa surge após o engavetamento da conhecida PEC 32 e tem como objetivo atender aos interesses da burguesia, promovendo a precarização do setor público.

Entre os principais pontos da proposta está a criação de uma tabela única de remuneração para servidores das esferas municipal, estadual e federal. Essa unificação, aliada ao teto de gastos previsto no mesmo documento, tende a resultar em um expressivo achatamento salarial. Segundo o texto, a tabela deverá conter, no mínimo, 20 níveis até o topo da carreira, com um intervalo de pelo menos um ano entre cada progressão ou promoção, o que não corresponde a um reforço na carreira, e sim, uma diluição dos aumentos. Trata-se de um retrocesso, especialmente se comparado às conquistas da última greve dos servidores da educação federal, que garantiu uma estrutura remuneratória com 10 níveis, alcançando mais rapidamente o topo da carreira. Além disso, a proposta determina que qualquer reajuste será estabelecido por legislação específica,  podendo não ser realizado com base na inflação.

Este formato de remuneração unificada entre servidores municipais, estaduais e federais ainda deixa dúvidas em relação à data-base, ou seja, a data de referência para reajustes salariais anuais, e como seriam as negociações das condições de trabalho entre os governos e os sindicatos. Se a tabela de remuneração é única, apenas uma greve geral poderia reivindicar correções nos salários?

Outro aspecto preocupante da Reforma Administrativa é a vinculação da progressão na carreira e da conclusão do estágio probatório à avaliação de desempenho. Essa medida, além de dificultar o avanço funcional, representa um ataque direto à estabilidade dos servidores públicos. No contexto dos Institutos Federais, por exemplo, um professor que priorize suas atividades de pesquisa e extensão em detrimento de funções administrativas pode ser avaliado negativamente por uma determinada gestão. 

Essa subjetividade abre espaço para perseguições políticas e pessoais, compromete a autonomia técnica e desencoraja denúncias de irregularidades — como as que vieram à tona durante a pandemia, no caso da compra de vacinas. Para os docentes, esse tipo de avaliação também ameaça o direito de cátedra: um professor pode ser penalizado por críticas a seu método de ensino ou pelo desempenho de seus alunos, tornando-se alvo de avaliações negativas por parte da chefia, como forma de punição. A avaliação de desempenho para os professores é, portanto, uma espécie de mordaça.

A lógica meritocrática imposta por esse tipo de avaliação, aliada à pressão pelo cumprimento de metas, ignora as particularidades de cada ambiente de trabalho, gerando desmotivação e promovendo um clima hostil entre os próprios servidores. Na esfera municipal, a exemplo da Companhia Águas de Joinville, já se observam os graves efeitos de normativas que permitiram a adoção de avaliações de desempenho baseadas em questionários subjetivos: servidores concursados sendo demitidos sem o devido direito à ampla defesa.

A proposta da Reforma Administrativa ainda prevê o pagamento de bônus atrelados a metas e resultados, critérios estes, tão questionáveis quanto a própria avaliação de desempenho. Além do que, os bônus não integram a remuneração fixa e, portanto, não são incorporados à aposentadoria. A lógica da proposta é clara: reduzir a remuneração real dos servidores por meio da tabela única e do teto de gastos, para, em seguida, devolver parte desse roubo por meio de gratificações condicionadas ao desempenho — valores estes instáveis e sem garantia de continuidade.

Engana-se quem imagina que a reforma não recairá sobre os servidores já concursados, a precarização certamente resultará em uma sobrecarga ainda maior sobre o quadro de servidores efetivos e piores condições de trabalho / Imagem: Eline Luz, Imprensa ANDES-SN

Além disso, a reforma estabelece que os contratos temporários terão duração máxima de cinco anos, com um período de “quarentena” de 12 meses entre contratações. Com o aumento da duração dos contratos, a redução na realização de concursos públicos e a intensificação da terceirização, impulsionada pelo teto de gastos, o serviço público tende a se tornar majoritariamente composto por trabalhadores sem estabilidade, o que enfraquece sua capacidade de reivindicar direitos e melhorias. Essa realidade já é observada em diversos estados e municípios, a exemplo de Santa Catarina: no estado, os trabalhadores da saúde representam 12,6% do funcionalismo público, dos quais 55,4% são contratados temporariamente. Já na educação, os profissionais correspondem a 54,3% do total de servidores estaduais, sendo 65,4% deles temporários. Tal como se verifica no estado de Santa Catarina, a nova legislação institucionaliza a perda da estabilidade e aprofunda a precarização do serviço público em todo o país.

Entre os retrocessos previstos na proposta, destaca-se também a criação de um teto de gastos para o serviço público, que limita os investimentos governamentais, mesmo em cenários de aumento da arrecadação. Essa medida compromete a destinação de recursos para reajustes salariais, criação de novos cargos e até para o preenchimento de vagas existentes. Em outras palavras, trata-se de uma estratégia que transfere parte das responsabilidades fundamentais do Estado para a iniciativa privada, enfraquecendo o papel do serviço público. 

O principal argumento utilizado pelos governos para justificar tal medida é a suposta escassez de recursos para manter ou expandir os serviços públicos, porém, no âmbito federal, o governo destinou em 2025 através do Plano Safra, por exemplo, R$ 516,2 bilhões para o agronegócio, e, deste total, ao menos R$ 427 bilhões foram concedidos aos grandes produtores rurais, o que corresponde quase aos gastos com saúde (R$ 245 bilhões) e educação (R$ 226 bilhões). Lembramos também que os gastos com juros e amortizações da dívida interna e externa em 2025 foram de R$ 1,313 trilhão até junho, um montante que representou mais de 53,4% do orçamento. Em outros termos, existem recursos, mas não há interesse em investir nos serviços públicos. Ao contrário, tenta-se limitar os recursos destinados às instituições públicas, para garantir os gastos com a burguesia e o pagamento dos juros da dívida. A reforma administrativa ainda altera afastamentos, licenças, férias, o adicional de periculosidade e amplia as possibilidades de terceirizações e parcerias público-privadas. Em resumo, trata-se de uma medida que precariza o serviço público, dificulta as condições de trabalho dos servidores, encarece os serviços por meio da privatização e, como consequência, compromete o atendimento às necessidades básicas dos trabalhadores.

Engana-se quem imagina que a reforma não recairá sobre os servidores já concursados, a precarização certamente resultará em uma sobrecarga ainda maior sobre o quadro de servidores efetivos e piores condições de trabalho. Os trabalhadores públicos precisam participar ativamente nos seus sindicatos, cobrando uma posição de combate direto dos seus dirigentes e organizando a base na luta para impedir essa reforma. 

Ao contrário do que propõe a reforma, é fundamental defender o fortalecimento e o aumento dos investimentos no serviço público, sem a influência de interesses privados, cujo foco é apenas o lucro das empresas. Os serviços oferecidos pelas instituições públicas são essenciais e constituem uma responsabilidade do Estado. Portanto, os governos não podem se eximir desse dever.

Para além disso, nós comunistas defendemos uma sociedade em que as necessidades básicas sejam plenamente atendidas e que todos os trabalhadores tenham melhores condições de vida e de trabalho. A burguesia e o Estado jogam sobre a classe trabalhadora, seja do setor privado ou do setor público, o peso da crise do capitalismo, aumentando a repressão para garantir os lucros da classe dominante. Somente a união e a organização dos trabalhadores poderá impedir e mudar os rumos da história.