O Senado aprovou, no dia 24 de junho, o Novo Marco Legal de Saneamento Básico, que aguarda a sanção de Bolsonaro para virar lei. A nova legislação prevê que empresas públicas não podem ser diretamente contratadas pelo poder público para gerir os serviços, mas que devem, por licitação, concorrer com empresas privadas. Os defensores dessa proposta argumentam que a lei traria concorrência no setor e ampliaria a fonte de investimentos em saneamento básico.
Atualmente, 83,6% da população brasileira é abastecida com água, 53,2% tem seu esgoto coletado e apenas 46,3% tem seu esgoto tratado (dados de 2018 do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, SNIS). O Novo Marco também facilita a privatização de estatais do setor e prorroga o prazo para o fim dos lixões.
A verdade é que a lei não ampliará os investimentos em saneamento básico, que ficarão restritos em áreas de grande aglomeração (de maior retorno financeiro), deixando de fora grande parte das cidades (terrenos acidentados, que requerem maior infraestrutura) e cidades menos povoadas (com menor população por metro quadrado). O que a lei pretende é escancarar as portas para a privatização das empresas públicas.
Consenso de Washington e a Guerra da Água na Bolívia
A discussão sobre a privatização do saneamento básico não é uma novidade, e um dos exemplos mais emblemáticos é a Guerra da Água na Bolívia. Em Cochabamba (terceira maior cidade da Bolívia), no começo do ano de 2000, houve massivas mobilizações contra a privatização do sistema municipal de gestão de água, cuja empresa privada concessionária havia dobrado a tarifa. As mobilizações resultaram na quebra do contrato com a empresa, que possuía licença de 40 anos.
A privatização da água na Bolívia está inserida num amplo contexto de privatizações na América Latina. Na Argentina, em 2001, houve os “panelaços” contra as privatizações e medidas de austeridade, que acarretaram a queda de três presidentes no intervalo de duas semanas.
Essa cartilha de medidas foi pensada não pelos governos locais, mas pelo chamado “Consenso de Washington”. O Consenso de Washington foi a formulação, em novembro de 1989, de dez medidas para o ajuste econômico nos ditos “países em desenvolvimento”. A formulação das regras foi feita com a parceria do FMI (Fundo Monetário Internacional), do Banco Mundial e do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos. Entre as dez regras, estão previstos a disciplina fiscal, a redução dos gastos públicos, a reforma tributária, a abertura comercial, o investimento estrangeiro direto (com eliminação de restrições), a privatização das estatais e a desregulamentação (afrouxamento das leis econômicas e trabalhistas).
Em suma, a cartilha imposta pelos países imperialistas aos países dominados resultou nas recentes Reforma da Previdência, Reforma Trabalhista, Reforma do Ensino Médio, privatização de estatais, entre outras medidas tomadas pelos governos. Além disso, a cartilha é imposta aos países “em dificuldades”, como no caso da Grécia, que na crise de 2008, como exigências do programa de resgate ao país, aplicou medidas de austeridade e privatizações, com a venda das companhias de água que abastecem as duas maiores cidades do país, Atenas e Thessaloniki.
Privatizações e crise do capitalismo
Atualmente, segundo dados do SNIS de 2015, o Brasil conta com 1442 companhias de saneamento básico. Destas, 1320 (91,5%) são totalmente públicas (91,5%), 31 (2,15%) são sociedades de economia mista e 91 (6,31%) são privadas. Porém, o que antes era privatizado aos poucos, com a nova legislação tende a tomar rápido desfecho.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) está articulando a privatização da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae) para ser realizada até final deste ano. Antes disso, pretende leiloar a concessão dos serviços de água e esgoto da região metropolitana de Maceió. Até 2021, prevê oferecer ainda concessões no Acre, Amapá, Rio Grande do Sul e Ceará. Vale lembrar que a concessão da companhia carioca ao setor privado foi uma exigência do Governo Federal para a adesão do Rio de Janeiro ao Regime de Recuperação Fiscal proposto pela União em 2017.
Com as crises do capitalismo, sendo a vigente iniciada em 2008, a burguesia busca incessantemente uma saída para o que chamam de “crise de superprodução”, que se caracterizaria melhor como crise de concentração de riquezas, (leia mais). O fato é que a produção não consegue ser absorvida pelos mercados. Em tempos de prosperidade econômica, em que a classe trabalhadora ainda possui certa capacidade de consumo, o problema é solucionado com a criação de produtos e de necessidades de consumo, além da expansão de mercados.
Em tempos de crise, onde a grande maioria da classe trabalhadora se encontra desempregada ou endividada, o passe de mágica não funciona mais. Os direitos básicos – como educação, saúde, transporte, saneamento, moradia – são todos questionados. Em países atrasados, como o Brasil, onde somente as camadas superiores da classe trabalhadora, a burguesia e a pequena burguesia podem pagar para ter a maioria desses direitos, o preço agora aumenta e os serviços públicos são cada vez mais escassos. A política de privatizações vai acelerar esse processo.
A luta dos trabalhadores, luta no qual os marxistas tomam parte, é contra essas privatizações. E juntamos a ela a necessidade de as estatais serem controladas pelos trabalhadores. Esse é o nosso combate.