Mais um 8 de março se aproxima e os debates sobre os direitos das mulheres trabalhadoras vêm à tona. Esta data histórica sempre nos serve de inspiração e deve ser fonte de ensinamentos em relação à nossa organização e luta. Nos mais diversos momentos da história, passando pelas Revoluções Francesa e Russa, pelas lutas no Irã, EUA e América latina, as mulheres têm estado na linha de frente dos combates pelos direitos da sua classe contra todo tipo de governo, desde os mais reacionários até os reformistas de esquerda. Aqui no Brasil, o 8M acontece em um período pós-eleição no qual derrotamos o governo reacionário de Bolsonaro, e diante do governo Lula-Alckmin de união nacional.
Durante o período eleitoral a questão do direito ao aborto foi pautada pela direita reacionária e parte da esquerda se omitiu em relação a essa defesa histórica de nossa classe. Após muita pressão sobre o tema, o então candidato Lula afirmou ser pessoalmente contra o aborto e que essa era uma questão a ser debatida e decidida pelo Legislativo. Ao afirmar isso, Lula se eximiu da responsabilidade de levantar a discussão sobre o direito ao aborto como se sua opinião pessoal – ou de qualquer outra pessoa – fosse o centro dessa questão. Além disso, como candidato, e agora como presidente, Lula representa um programa político e uma parcela da população que tem, entre outras reivindicações, a luta pelo direito ao aborto. Se eximir dessa tarefa é ignorar sua responsabilidade. A direita bolsonarista utilizou a questão do aborto como instrumento para atacar a campanha de Lula demonizando esse tema – assim como outros, como a reforma agrária e urbana – e a esquerda, que estava alinhada ao candidato, se manteve afastada da discussão aceitando o discurso petista de que isso era uma falsa acusação, pois esse debate não estava na ordem do dia de um futuro governo petista.
Cabe lembrar que além do ultraconservador Alckmin, este governo tem como ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que quando foi candidata à presidência em 2018 afirmou que vetaria uma lei de legalização do aborto caso fosse aprovada pelo Congresso, pois, na sua opinião, deputados e senadores não poderiam substituir 200 milhões de brasileiros, e que esse tema deveria ser decidido através de um plebiscito. Ora, todas as regras estabelecidas pela democracia burguesa são sempre seguidas, todas as leis que atacam a classe trabalhadora são decididas pelo Congresso e acatadas pelo Executivo, mas quando se trata desse tema lembram dos trabalhadores e ressaltam a importância da sua participação direta nas decisões. Muito conveniente!
Passadas as eleições, a esquerda e o governo Lula-Alckmin seguem sendo pautados pela direita no que diz respeito à discussão sobre o aborto. O Estatuto do Nascituro segue na ordem do dia da direita reacionária há 15 anos e está agora obstruído. Porém, na prática, ele tem afetado a vida de meninas e mulheres que não conseguem acessar o direito ao procedimento mesmo nos casos já previstos em lei. Um exemplo é o caso da menina de 12 anos que, grávida pela segunda vez, foi retirada da família e tentou suicídio no abrigo onde está junto com o bebê da primeira gestação. Ela chegou a ir até o hospital para realizar o procedimento, que não ocorreu. Além disso, uma juíza de Teresina nomeou uma defensora pública para representar os interesses do feto – ação prevista no Estatuto do Nascituro, mas que não tem nenhuma base legal frente à Constituição Federal e ao Código de Processo Civil. Além do estupro, essa criança vem sofrendo com a violência do Estado, do Judiciário que, ao contrário do que muitos afirmam, defendem os interesses da classe dominante.
É importante compreender que, se aprovado, este estatuto pode levar à proibição de políticas públicas como a distribuição de pílulas do dia seguinte nos postos de saúde. Isso pode ocorrer em função da criação da figura jurídica do “nascituro”, com direito à vida desde a concepção. Conforme analisa a microbiologista Natália Pasternak, é preciso diferenciar vida humana e pessoa humana. Ela afirma que a vida humana independe da concepção e se manifesta em diversos processos biológicos. Aponta ainda que mesmo sem que a mulher saiba que está grávida muitos embriões são abortados espontaneamente e que, mesmo depois da confirmação da gravidez, entre 10 e 20% dos fetos podem sofrer abortos espontâneos no 1º trimestre da gestação. Utiliza-se então uma retórica pautada pelo viés religioso e moral, que atrela o início da vida ao momento da concepção, ferindo teorias científicas estabelecidas e direitos já conquistados pelas mulheres – estas sim, pessoas humanas dotadas de direitos.
Com a revogação pelo Ministério da Saúde, em janeiro deste ano, de seis portarias aprovadas pelo governo Bolsonaro que dificultavam a realização do aborto nos casos previstos em lei – como a necessidade de a equipe médica notificar a autoridade policial em caso de aborto por estupro – retoma-se o patamar anterior garantido em lei. Porém, mesmo esse modesto passo em relação à lei que já existia, causa reação como a nota emitida pela CNBB. Na nota critica-se uma suposta “flexibilização do aborto”, cobra-se uma postura do atual governo em defesa do Estado Democrático de Direito, afirmando que “qualquer atentado à vida é um ataque à dignidade e ao bem-estar social”. A entidade cobra o governo afirmando que durante a campanha assumiu-se o compromisso de defesa do nascituro, pedindo sensatez e equilíbrio em busca da paz. Ou seja, novamente o governo é pautado pela direita e religiosos que não deveriam interferir nas decisões de um Estado laico.
O argumento reacionário e hipócrita de “defesa à vida” pode ser facilmente combatido quando se observa a falta de acesso das mulheres trabalhadoras aos serviços básicos de saúde, a falta de vagas na educação infantil, os salários inferiores pagos às mulheres, a falta de serviços de lazer e cultura nas cidades, a falta de políticas públicas para combater e punir a violência contra as mulheres e todos os demais problemas que a classe trabalhadora enfrenta. Quando uma mulher burguesa decide ter um filho ela sabe que contará com o serviço das mulheres trabalhadoras dentro de suas casas de segunda a segunda, e nas escolas de segunda a sexta. É, portanto, uma decisão romantizada e que falseia a realidade do que é ser mãe. Além disso, o acesso ao aborto pago em clínicas de luxo é parte da vida de muitas mulheres que podem pagar pelo procedimento. Enquanto isso, meninas e mulheres da nossa classe são submetidas à violência médica, policial e judicial, tendo que manter uma gravidez contra sua vontade, morrendo após procedimentos de risco ou sendo presas, como a mulher de 40 anos que passou pelo procedimento no Jardim Anália Franco, São Paulo, em uma clínica clandestina. Nossos interesses, portanto, não são os mesmos interesses da mulher burguesa!
Em janeiro desse ano, a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, afirmou em entrevista que o atual governo irá defender o direito ao aborto conforme permitido em lei. Disse ainda que diante do Congresso eleito é pouco possível avançar nesta discussão e que pode-se, inclusive, ter retrocessos. Porém, não basta constatar que o Congresso é reacionário e que não defende os interesses da classe trabalhadora, até porque nunca defendeu.
Afirmar que este governo vai defender uma lei de 1940 e que tudo vai ser muito difícil com esse Congresso não nos basta. É preciso manter nossa independência de classe e de organização para construir um 8M que nos represente e, para além desta data, fortalecer a organização das mulheres trabalhadoras em luta pelas suas reivindicações mais sentidas e pela superação do capitalismo e construção do socialismo.
É preciso que os ventos que sopraram na Colômbia e na Argentina cheguem ao Brasil, e que através da organização das mulheres façamos avançar a luta pelo direito ao aborto. É preciso que cada mandato que se reivindique da classe trabalhadora se coloque como ponto de apoio e palanque para nossas lutas. É preciso ir além das instituições burguesas, como o Congresso e o Judiciário, e voltar a ocupar as ruas em defesa dos nossos direitos. É preciso que a esquerda retome a discussão sobre o aborto como nossa reivindicação.
É com essa disposição que o Movimento Mulheres pelo Socialismo, a Esquerda Marxista e a Liberdade e Luta estarão nas ruas nesse 8M e, ao longo do ano, com nossas bandeiras e palavras de ordem. Seguiremos ombro a ombro com a nossa classe até que todas sejamos livres e uma outra sociedade seja construída por nós!
- Pelo direito ao aborto público e gratuito!
- Pelo fim da violência contra a mulher!
- Contra o Estatuto do Nascituro!
- Pela laicidade das decisões do Estado!
- Por Saúde pública, gratuita e para todos!
- Pela revogação das reformas trabalhistas e da previdência!
- Pela revogação do Novo Ensino Médio!
- Por Educação pública e gratuita em todos os níveis!
- Pelo socialismo!