Retomando um debate aberto há 114 anos, precisamos analisar como se colocam nos dias de hoje as lições sobre o jornal partidário.
Quando Vladimir Ilich Lenin formulou sua concepção sobre o jornal como organizador coletivo, a Rússia era um vasto império. Os meios de comunicação limitavam-se ao papel, e o cavalo era a forma mais rápida para envio de informações naquelas terras. Em um artigo chamado “Por onde começar”, veiculado no jornal Iskra em 1901, ele apresenta publicamente sua concepção. No ano seguinte, vem à luz a obra “Que Fazer?”, em que polemiza com os adversários da posição que defendia. A tinta de sua pena explica o papel do jornal como um fio de prumo, usado pelos pedreiros para que todos saibam onde colocar os tijolos e os blocos de um grande edifício. Sem esse guia com a mensagem socialista, os tijolos são colocados de qualquer forma, ou de modo prejudicial, bastando aos inimigos dos trabalhadores soprar para colocar tudo abaixo.
Ao responder positivamente à pergunta sobre o caráter organizador do jornal, o revolucionário russo assinala uma série de decorrências políticas e práticas. As tarefas que envolvem a própria publicação e difusão conduzem a uma estrutura de tipo bolchevique. Seu papel político principal consiste em educar os quadros organizadores sobre as tarefas socialistas, e sobre como agir em cada momento. Sob outro aspecto, um órgão periódico tem por missão transmitir ao conjunto dos militantes as experiências e lições adquiridas em cada localidade em que se desenvolve um trabalho. Ainda cumpre um papel de agrupar ao seu redor todos aqueles que desejam agir e pensar a partir das ideias do socialismo científico, somente capazes de serem ofertadas por uma organização revolucionária em sintonia com as mesmas e com a realidade.
Sendo assim, um jornal político que defenda as ideias do marxismo consiste de uma combinação entre a agitação e a propaganda. A forma como essas duas características se combinam, e o próprio formato e periodicidade da publicação, depende de uma série de fatores objetivos. Em primeiro lugar, do estágio de desenvolvimento da organização revolucionária. Em segundo, de sua implantação entre a classe trabalhadora. Em terceiro, da situação política nacional e internacional, que está condicionada pelo estágio de desenvolvimento da sociedade capitalista.
Muita coisa mudou desde que Vladimir Lenin apresentou sua concepção sobre o jornal revolucionário. Mas também muito permanece. Nos dias de hoje temos uma vastidão de tecnologias comunicacionais. A internet aumentou as possibilidades e a própria capacidade de envio, recebimento e assimilação de conteúdo. Sem sombra de dúvidas, as transformações científicas vivenciadas nas últimas três décadas apresentaram diversas novas questões sobre como alcançar a classe trabalhadora.
Contudo, o regime social vigente continua sendo capitalista. A sociedade se mantém dividida em classes sociais hostis, com um estado fundamentado em homens armados. Os partidos operários capitulam sucessivamente. As pressões burguesas são permanentes para derrotar movimentos, ou apagar sua existência. Longe de recorrer a dogmatismos, precisamos assinalar que o papel de um jornal com o caráter esboçado por Lenin continua sendo uma necessidade, e, por isso, uma tarefa dos revolucionários.
A classe trabalhadora permanece refém do cativeiro capitalista, contando somente com sua própria organização para superar sua divisão e resistir enquanto classe aos seus inimigos. Para isso, necessita de independência política, e de organizações capazes de resistir e se contrapor a todo o aparato de poder estabelecido. Faz-se urgente um jornal impresso, capaz de ligar-se ao cotidiano dos trabalhadores, de apresentar os problemas e os fatos sob o ponto de vista deles próprios, e de expor para os mesmos as tarefas socialistas colocadas diante de si. Tudo isso de forma autônoma da burguesia, sem ter suas publicações reféns de seu controle militar ou estatal. Defendemos não somente a livre organização, mas também a plena liberdade de imprensa para todas as classes e entidades enquanto a burguesia estiver no poder.
No decorrer dos anos que se seguiram ao fim da União Soviética, vimos a extinção da maioria dos jornais proletários do Brasil. O fator político comum nesse fenômeno foi o abandono de qualquer perspectiva de ruptura com a ordem capitalista, o que tornava dispensável a disputa da sociedade para esse programa. E a maioria dos que continuam sendo editados hoje não se baseiam nas vendas que realizam, ou na implantação da intervenção das organizações que os sustentam. São financiados com o fundo partidário, com o imposto sindical ou com toda a sorte de recursos advindos de patrocinadores públicos e privados. São, portanto, órgãos de comunicação decorativos ou submissos a interesses particulares, distantes de qualquer independência necessária para sustentar as ideias da concepção materialista da história, e de seus resultados lógicos.
Longe de perder seu espaço, o jornal revolucionário continua sendo uma questão central para a construção de uma organização revolucionária capaz de ajudar a nascer um mundo novo. Evidentemente, precisa dialogar com as novas tecnologias.
A internet, no entanto, não é um espaço de comunicação livre, e tem características que devem ser encaradas com muito cuidado por uma organização revolucionária baseada no marxismo. Trata-se de uma plataforma de transmissão de dados criada pelo governo norte-americano, e hoje mantida por meio da ação coordenada dos estados burgueses de todo o mundo. Correspondeu a uma necessidade premente do regime capitalista em aperfeiçoar os meios de comunicação, para aumentar seu controle sobre o transporte de mercadorias, de matérias-primas e de melhor dividir o regime de produção internacionalmente, diante da demanda de driblar a tendência à queda na taxa de lucros. O subproduto desse processo são os sites, os dispositivos de comunicação interpessoal e as transformações em como as pessoas recebem, enviam e assimilam informações.
Embora os instrumentos de comunicação possibilitados pela internet sejam muito interessantes, e devam ser estudados e utilizados pelos revolucionários, devemos encarar a questão como um todo, sob o prisma da luta de classes em curso e da realidade objetiva. A internet é uma plataforma de transmissão de informação controlada pelo estado burguês. Uma organização que tenha seu funcionamento refém dela está fadada a tornar-se uma vítima desse controle em momentos cruciais. Não construímos uma organização para funcionar somente em tempos de paz. Além disso, nossa tarefa atual passa por ajudar na educação de toda uma geração que foi privada do fio de continuidade das valiosas tradições operárias de militância e de independência frente à burguesia para realizar sua organização autônoma. E isso envolve explicar o papel central de um jornal impresso independente como organizador coletivo, capaz de ligar-se progressivamente às massas, e de influenciar grupos e movimentos para a revolução social.
Em outro texto de Lenin, chamado “A organização do partido e a literatura do partido”, ele explica que toda elaboração teórica dos militantes deve contribuir para a construção da organização revolucionária, que somente a literatura de tipo socialista, ligada estritamente ao partido, pode ser capaz de fazer avançar o pensamento livre, “que fecundará a última palavra do pensamento revolucionário da humanidade com a experiência e o trabalho vivo do proletariado socialista, que criará uma interação constante entre a experiência do passado (o socialismo científico, que concluiu o desenvolvimento do socialismo desde as suas formas primitivas, utópicas) e a experiência do presente (a presente luta dos camaradas operários)”. Ao invés de criar uma aparência de independência do jornal revolucionário, para melhor ser aceito por aqueles afetados pelos preconceitos burgueses e pequeno-burgueses, os marxistas precisam se colocar a tarefa de educar sua franja de influência, e cada vez mais setores das massas sobre as ideias socialistas, sobre a necessidade de uma revolução social e sobre o papel do partido revolucionário.
Essa concepção de jornal como instrumento para construção de uma sólida organização revolucionária materializa-se no esforço da Esquerda Marxista em editar o jornal Foice&Martelo. Hoje em sua edição 94, esse periódico busca expressar em suas páginas uma análise marxista sobre os acontecimentos em curso no Brasil e no mundo, ao mesmo tempo em que se propõe a municiar com as ideias socialistas militantes políticos por todo o país. Complementarmente também se mantém uma página web, edita-se semestralmente a revista América Socialista e são organizadas publicações regulares de cartilhas e livros que alimentam a literatura marxista brasileira.
Como enfatizou Lenin em sua polêmica há 114 anos, a questão não é resolver o problema em princípios, mas sim na prática. E a continuidade dessa tarefa consiste em ressaltar em que se baseia o jornal partidário para o líder da Revolução de Outubro e em como solucionar a equação da aplicação desses princípios formulados para os dias de hoje.