O Partido Comunista Chinês (PCC) 1927-1937 – O desenvolvimento do Maoismo – Parte 3

É característico do pensamento político mecânico e idealista imaginar que o partido dominante na sociedade está livre para fazer o que quiser ao governar uma sociedade. Se aceitarmos isto, então todas as tendências que a história exibe de degeneração de regimes em despotismo, corrupção e ineficiência têm de ser explicadas subjetivamente. Isto é claramente anticientífico, e o regime de Chiang Kai-shek não foi nenhuma exceção à regra.

A natureza do regime de Chiang Kai-shek

De acordo com essa abordagem subjetiva, o poder se concentrou nas mãos de uma camarilha corrupta meramente porque as pessoas que a constituem são gananciosas, desconfiadas e ciumentas de seu poder. Mas esta simples e sedutora explicação é tão simples que nada explica, é uma tautologia, como a resposta de uma criança à pergunta “por que você quebrou isto?”. Resposta: “porque eu quebrei”.

Defendendo o Bolchevismo, Trotsky explicou que é uma bobagem tentar explicar o crescimento das tendências burocráticas e a elevação de Stalin puramente na base de erros políticos. Claro, a usurpação do poder amplia enormemente o poder do partido político sobre a sociedade, mas isto também tem consequências sobre todas as tendências objetivas da sociedade, sobre todas as suas contradições sociais, que agem sobre esse partido com uma força de ainda maior magnitude.

Chiang Kai-shek “traiu” Sun Yat Sen

Desta forma, havia uma necessidade objetiva à degeneração do Kuomintang, o que o levou a desempenhar o papel de força contrarrevolucionária. A falácia da tese idealista de que um partido político no governo governa puramente de acordo com seus próprios desejos é desfeita pela transformação ocorrida no Kuomintang, que o levou à contrarrevolução. Para chegar a desempenhar esse papel, um penoso processo de expurgo interno e de “traição” de seus princípios, tais como a entrada de pessoas do antigo regime e até mesmo de fascistas, tinha que ocorrer. Em vez de ser o partido da libertação da China, de sua modernização e democratização, como muitos de seus fundadores sinceramente queriam, em vez disso, internalizaram e reproduziram de forma ainda mais grotesca toda a barbárie e atraso da China feudal, distorcida e amplificada como o foi pelo imperialismo.

Hoje, o Partido Comunista Chinês, com a sua adoção do capitalismo e seu cortejo de capitalistas taiwaneses, tenta ressuscitar o papel do Kuomintang (que ainda governa em Taiwan) e de sua figura fundadora, Sun Yat Sen, como um honesto revolucionário, cujos princípios foram infelizmente traídos por Chiang Kai-shek. Mas traição de “princípios” é algo inerente na política burguesa, em especial quando está baseada sobre uma particularmente atrasada e semifeudal burguesia, como era a da China.

Enquanto uma organização Bolchevique está baseada na adesão a um claro programa revolucionário e é composta por filiados comprometidos com isto, uma organização burguesa como o Kuomintang é necessariamente frouxa com relação a isto. Dessa forma, a política oportunista de Sun Yat Sen de ganhar o poder foi a de encorajar a todos sem distinção a aderir, sem prestar nenhuma atenção a sua sinceridade e a sua educação política. Sim, tal política pode levar a uma rápida tomada do poder, mas a que custo? Ao custo do partido ficar internamente extremamente fraco e, dessa forma, estar aberto amplamente a tendências de corrupção.

No entanto, em sua busca pelo poder o Kuomintang confiava no trabalho árduo e na dedicação de revolucionários honestos, tanto dos filiados ao PCC, que foram obrigados a aderir, quanto dos membros honestos das fileiras do Kuomintang. Estes dois grupos estavam geralmente na extrema-esquerda do partido, mas no nível das fileiras podiam constituir a maioria (Eastman, The Nationalist Era in China 1927-1949). Quando o partido tomou o poder em 1927-8, eles sinceramente acreditaram que o partido estava realizando uma revolução. As organizações locais do Kuomintang sob o controle das fileiras poderiam organizar campanhas militantes anti-imperialistas e contra os warlords [Senhores da Guerra] e mesmo realizarem programas de redução da renda da terra para os camponeses pobres (Ibid.).

Por esta razão, o primeiro ato do Kuomintang convertido em lacaio do imperialismo e do warlordismo foi o de revelar sua verdadeira face através do expurgo de todos estes incômodos elementos. Da mesma forma que os fascistas na Itália e na Alemanha, Chiang Kai-shek pessoalmente e o Kuomintang como partido tinham sido pagos generosamente pelos capitalistas de Xangai para reprimir a agitação dos trabalhadores. Ele foi encarregado com o objetivo definido de não tocar na terra dos warlords latifundiários e de que sua extrema exploração dos camponeses não seria questionada.

Em consequência, no início de 1928, o Comitê Executivo Central do Kuomintang se movimentou para dissolver todas as organizações provinciais do partido “não merecedoras de crédito do partido”. Todos os militantes tinham que se “registrar novamente” e aos membros foi ordenado se conduzirem “no espírito da liderança”. “Os movimentos de massa também foram, para todos os efeitos, suspensos. De agora em diante, as organizações de massa serviriam como alavancas de controle de Nanjing [Nanjing, cidade portuária na China no Rio Yangtzé; antiga capital da China] e não mais como órgãos para a expressão de opiniões ou iniciativas populares” (Ibid.).

O Kuomintang deixou de ser um partido de verdade. Seus genuínos apoiadores foram expulsos, como carne de canhão eles agora não mais serviam aos seus propósitos. Somente os que se dobravam e se agarravam às abas dos casacos dos warlords e dos imperialistas permaneceram. E a eles se juntaram os warlords feudais armados, que apoiaram as várias facções do partido agora que eles podiam ver que sua “revolução” era um fato e a única coisa que podiam fazer era se consolar com isto. Esses warlords juntaram-se ao Kuomintang para “se entregarem às manobras políticas, as quais, eles esperavam, resultariam na preservação, senão na valorização, de seu poder pessoal e regional” (Ibid.).

Para se obter um emprego no governo era necessário ser membro do Kuomintang. O partido foi rapidamente inundado pela podre burocracia do velho regime, a quem Chiang Kai-shek deu as boas-vindas com os braços abertos como aliada em sua luta contra a tendência de esquerda das fileiras do partido. Naturalmente, se se pretende administrar fielmente as necessidades da velha classe dirigente e se enriquecer no processo, é necessário contar com uma equipe de burocratas corruptos que não são necessariamente eficientes em seus postos de trabalho, mas são defensores fiéis do sistema de privilégios. Esses mandarins “se atrapalhavam com os papéis, mas prestavam toda a sua atenção à aplicação efetiva da política. Assim, os valores, as atitudes e as práticas do antigo regime dos warlords (senhores da guerra) foram injetados no novo governo” (Ibid.).

Tendências fascistas

A este respeito, o regime de Chiang Kai-shek assumiu uma característica do fascismo – a conversão de um movimento pequeno-burguês de massa com palavreado populista falsamente socialista, em um instrumento direto da mais brutal opressão estatal.

Sob este novo regime, tudo o que era atrasado e fora de época na China foi colocado na agenda de forma ainda mais crua que antes. A revolução chinesa tinha começado com um processo de efervescência intelectual com inquietação estudantil que finalmente derrubou o edifício do Confucionismo (ideologia conservadora chinesa de castas e servidão patriarcal, velha de dois mil anos) em sua busca por ideias revolucionárias. Mas o carrasco da revolução, Chiang Kai-shek a trouxe de volta “para proporcionar as bases moral e nacional da ação contra os Bolcheviques. No contexto da sociedade, o papel das pessoas ricas, que eram o exemplo e guia [!] para a população rural… foi ampliado e tornado mais poderoso” (Guillermaz, op. cit., ênfase minha).

A adoção por Chiang Kai-shek do mais odiado e mais antiquado sistema ideológico como justificação moral para o papel das pessoas ricas é prova de que o partido contrarrevolucionário não operava em um vácuo histórico ou que perseguisse políticas “novas” a sua escolha. Foi forçado por seu papel social a adotar e a acentuar toda a porcaria da história humana. É o eventual papel desempenhado pelo Kuomintang como líder da contrarrevolução e defensor dos privilégios que determinou as ideias que esposou e o seu brutal método de governo.

O segredo a ser desvelado de por que o regime era tão corrupto e baseado mais sobre o roubo do que no crescimento econômico é que ele não somente defendia e mantinha o capitalismo, também se baseava numa classe dominante e em um sistema econômico cuja hora tinha chegado ao fim, que não era mais viável. A revolução de 1925-7 prova isto. E desde o próprio início o regime se abandonou a mais míope pilhagem. Havendo derrotado as forças progressistas na China, ele se dirigiu a uma farra reacionária ilimitada. “Seus generais e banqueiros, seus latifundiários e burocratas, seus carcereiros e carrascos, intimamente ligados, drenaram sem misericórdia o país. A terra, o povo, mesmo a menor espécie de empresa econômica, tornaram-se fontes não somente do lucro, como também do roubo. Todos os meios de exploração existentes que tinham sido em vão desafiados pela revolução foram não somente preservados, como também estimulados em grau sem precedente” (Isaacs, op. cit.).

Estima-se que em 1930 tenham sido executados 140 mil pessoas e, em 1931 “um conjunto de informes de somente cinco províncias apontaram um total de 39.778 execuções neste ano” (Ibid.). Para reprimir a população rural, o Kuomintang mais uma vez recorreu aos métodos mais bárbaros da história chinesa. Eles usaram o medieval sistema Baojia de punição coletiva e incorporaram e ela o mais duro sistema Lianzuo de punição japonês, segundo o qual se o chefe local falhasse em informar qualquer dissidência em sua família/clã, todo o clã seria punido.

Adicionalmente às execuções políticas injustificadas houve as mortes da guerra civil com o PCC em 1930. Após capturar território Vermelho, o exército Kuomintang “transformaria tais distritos em terras improdutivas desoladas e desabitadas… milhares de crianças foram tomadas prisioneiras e levadas a Hankou e outras cidades, onde elas eram vendidas como “aprendizes”. Milhares de jovens meninas e mulheres foram transportados e vendidos em fábricas como meninas escravas e como prostitutas” (Edgar Snow, Red Star Over China). Tendo recapturado uma área do PCC, eles passaram a tomar medidas extraordinárias para dar de volta aos latifundiários a terra que tinha sido dada aos camponeses pelo PCC. Isto foi feito mesmo quando tinha se tornado praticamente impossível fazê-lo.

Snow cita o general do Exército Vermelho Xu Haidong testemunhando as atrocidades cometidas pelo Kuomintang, “em Ma Cheng, chegamos a um de nossos campos de atletismo. Ali, em uma cova superficial encontramos os corpos de doze camaradas que tinham sido assassinados. Suas peles tinham sido arrancadas, seus olhos arrancados fora e suas orelhas e narizes cortados fora” (Ibid.).

Para preencher o vácuo deixado pela expulsão das fileiras de ativistas e para reforçar sua própria posição, Chiang Kai-shek criou uma organização extremamente agressiva de fanáticos conhecida como os “Blue Shirts” [“Camisas Azuis”]. Um regime contrarrevolucionário não apenas mantém o status quo, mas é forçado a fortalecer a opressão e a exploração a fim de conter as massas. A expressão ideológica disto não era exatamente a manutenção do Confucionismo, mas a adoção de novos e fanáticos métodos fascistas. Com seus Camisas Azuis, Chiang Kai-shek tentou desenvolver conscientemente seu próprio regime em um regime fascista, dizendo em 1935 que: “o fascismo… é um estímulo para o declínio da sociedade”. “Pode o fascismo salvar a China? Nós respondemos: sim. O fascismo é o que a China mais necessita agora. No fascismo, a organização, o espírito e as atividades devem ser militarizados… Em casa, na fábrica e nos escritórios do governo, as atividades de todos devem ser as mesmas como no exército… Em outras palavras, deve haver obediência, sacrifício, rigor, limpidez, precisão, diligência, discrição… E todos juntos devem firme e bravamente se sacrificar pelo grupo e pela nação… O que é o Movimento Nova Vida que agora proponho? Dito simplesmente: é para militarizar a fundo as vidas dos cidadãos de toda a nação de forma que eles possam cultivar a coragem e a rapidez, a tolerância ao sofrimento e ao trabalho árduo, e especialmente o hábito e a habilidade de agir unificadamente, de forma que eles possam a qualquer tempo se sacrificar pela nação” (Citado em Eastman, op. cit.).

Isto não significa que o regime fosse inteiramente fascista. Embora tenha criado os Camisas Azuis, estes permaneceram como uma força débil tendo sido criadas pós-fato, enquanto que, na Alemanha, os Camisas Pardas constituíam um real movimento de massa que ajudou a levar Hitler ao poder. O regime de Chiang Kai-shek também carecia de base social fora da camarilha militar e era muito fraco para estabelecer qualquer coisa verdadeiramente totalitária. Mas o regime tinha claras tendências fascistas. Era um regime bonapartista burguês com aspirações fascistas. Mas o fascismo na Alemanha também provou, em última análise, não ser um regime forte, uma nova forma viável de capitalismo, e sim um grito agonizante do capitalismo, uma espécie de insanidade senil que facilmente poderia ter sido substituído pelo socialismo se a União Soviética tivesse um Estado operário são. Dessa forma, o regime de Chiang Kai-shek explicitava sua própria desgraça e a necessidade da vitória do PCC em 1949.

Desunificação Nacional

Apesar das altas esperanças de que a vitória de Chiang Kai-shek levaria no longo prazo à unificação nacional, ela se mostrou incapaz de superar o warlordismo ( a política dos senhores da guerra). Ao absorver os warlords, em vez de lutar contra eles, o Kuomintang capitulou diante do seu poder local, legalizando seu papel através da criação de “conselhos” locais como órgãos administrativos autônomos, como parte do aparato de estado, em 1928. O que se iniciou com a Expedição ao Norte como uma guerra para unificar e modernizar o país terminou na institucionalização destes parasitas regionais.

O sistema através do qual a China ficou efetivamente dividida entre warlords feudais proprietários de terras foi extremamente benéfico para o imperialismo, porque um país dividido é muito mais fácil de ser dominado. Provavelmente um fator fundamental na debilidade do movimento dos trabalhadores depois de 1927 foi a divisão do país em governos separados, o que minou a unidade da classe trabalhadora, beneficiando dessa forma a exploração do trabalho.

Contudo, a incapacidade de se unificar o país e superar as camarilhas estilo medieval-militar era a mais explícita expressão da fragilidade crônica do capitalismo chinês. Essas camarilhas estavam constantemente em guerra entre eles e com Chiang Kai-shek. Havia intrigas infindáveis contra seu poder o que forçou a sua renúncia no final de 1931. Na verdade, essas miniguerras civis brutais devem ter sido um grande fator na capacidade do PCC para repelir a todas as cinco campanhas de extermínio do Kuomintang em sua base em Jiangxi, enquanto as tropas e os recursos de Chiang eram desviados para lutar contra este ou aquele warlord da camarilha do Kuomintang.

De acordo com alguns reacionários, as ditaduras como a de Chiang Kai-shek têm a graça salvadora da estabilidade e do crescimento econômico que proporcionam. Mas falham em explicar que as ditaduras fluem da incapacidade do capitalismo de levar a sociedade adiante. Tais regimes não removem os obstáculos das falhas internas do capitalismo, de fato eles os elevam a novas alturas. O regime de Chiang foi um fracasso econômico de primeira linha e um dos mais instáveis regimes imagináveis.

Entre 1929 e 1931, houve quatro diferentes guerras fracionais entre vários militaristas e Chiang Kai-shek. Em meados de 1930 o conflito entre o regime de Chiang e os warlords Feng Yuxiang, Yen Xishan e seus aliados do Kuomintang Wang Jingwei e a facção Western Hills [Colina Ocidental] levou a aproximadamente 250 mil mortes (Eastman, op. cit.). Em cada momento, o banho de sangue terminava não pela resolução dos problemas subjacentes, mas apenas por Chiang pessoalmente subornar o respectivo warlord com milhões de dólares e com a promessa de um importante e lucrativo posto oficial.

Decadência econômica

O militarismo que acompanhou isto representou uma grotesca indulgência no interesse da classe dominante. Entre 1927 e 1931, dois terços dos gastos estatais estavam destinados aos gastos militares e ao serviço da dívida – sendo que a maior parte da última estava relacionada com os gastos militares de alguma forma, sem mencionar as vastas despesas militares de todos os latifundiários concorrentes.

Graças à debilidade crônica do regime, à sua desarticulação regional e absoluta incapacidade de realizar qualquer tipo de reforma agrária ou de tocar de alguma forma nos privilégios da classe dos latifundiários, ele era incapaz de guiar a economia e protege-la dos capitalismos imperialistas mais competitivos. Nem mesmo podia recolher impostos de forma apropriada.

Antes do contato com o capitalismo ocidental, o campesinato chinês sempre tinha sido autossuficiente e próspero, comparado aos camponeses europeus no passado. A terra arável era de uma alta qualidade, o que liberava trabalho, significando que metade da família produzia as ferramentas, o vestuário etc., que os camponeses necessitavam. A maioria dos camponeses não se constituía de trabalhadores assalariados ou servos, e as propriedades da classe latifundiária raramente eram maiores que as que os camponeses relativamente bem de vida poderiam ter. A diferenciação social no campo foi muito mais lenta que na Europa.

Mas a entrada forçada do mercado mundial na China destruiu tudo isto. As indústrias domésticas foram arruinadas pelo barato algodão britânico. Os latifundiários ficaram ricos com o comércio e usaram este dinheiro para comprar a terra dos agora empobrecidos camponeses. Os camponeses cada vez mais escorregaram na servidão feudal. As rendas se tornaram obscenamente extorsivas e eram algumas vezes recolhidas com décadas de antecedência.

O Kuomintang se baseava nisto e fortaleceu os ricos à custa dos camponeses. Não tinha nenhuma intenção de realizar o tipo de reforma agrária que a França experimentara há 130 anos. Durante os anos 1930 “a desigual distribuição da renda [no campo] perpetuou um grupo de beneficiários de alta renda que empregava seus lucros para financiar altos padrões de consumo, bem como para manter sua posição através da aquisição de terras e operações especulativas de comércio e crédito” (Douglas Paauw, The Guomintang and Economic Stagnation).

Por estas razões, eles eram incapazes de elevar os impostos na zona rural. Considerando que esta última representava 65% do PIB e envolvia quatro quintos da população, taxar a produção agrícola seria a pedra angular de qualquer programa de industrialização. Em vez disso, nos anos 1930, 85% da arrecadação fiscal derivavam do comércio e da indústria, apesar do fato de que estes somente correspondiam a cerca de 3,4% do PIB (Ibid.).

Contudo, ruinosos impostos locais eram coletados por warlords inescrupulosos para financiar seus próprios exércitos privados e luxuoso estilo de vida. A derrota da revolução e os levantamentos camponeses em 1927 deram aos warlords a luz verde para uma expansão sem precedente da exploração para além de seus sonhos mais arrojados. Os camponeses foram espoliados em tudo o que faziam, e os totalmente improdutivos warlords fecharam cada poro de atividade produtiva no campo com taxas sobre vendas, animais domésticos, camelos, carregamentos de sal, consumo de sal, lâmpadas de ópio, ovelhas, comerciantes, carregadores, pombos, terra, intermediários, comida, comidas exóticas, terras adicionais, roupas de lã, carvão, peles, botes, irrigação, pedras de moinho, casas, madeira, moendas, balanças, cerimônias, tabaco, vinho, casamentos e vegetais. Havia 30% de impostos sobre a venda de ovelhas, vacas e mulas; 25% sobre a posse de uma ovelha, um imposto para a matança de porcos e 40% sobre a venda de um bushel [cerca de 35 kg] de trigo. 

A inadimplência que resultava disto “forçou muitos fazendeiros a vender todo o seu gado e a abandonar suas terras. Grandes áreas foram compradas por funcionários, por coletores de imposto e por usurários a preços baixos; mas muito disto permanecia improdutivo porque nenhum arrendatário seria encontrado para trabalhar sob os impostos sobrecarregados e sob a renda imposta” (Snow, op. cit.).

Além do fato de ser brutal e ineficiente, o sistema tributário claramente expressava a subserviência do regime ao imperialismo e ao localismo feudal atrasado. Quanto ao primeiro ponto, o sistema tributário foi planejado de tal forma para impedir o desenvolvimento da economia chinesa e não para protegê-la das economias mais avançadas. Os impostos alfandegários “falharam em produzir incentivos ao investimento na indústria moderna da China, nas fábricas têxteis, por exemplo, uma vez que matérias-primas e outros bens de produção importados foram sobrecarregados com taxas quase tão altas quanto o imposto sobre têxteis importados”. Também foram concebidos impostos que rebaixaram a demanda por produtos chineses. Mercadorias de baixa qualidade foram taxadas mais alto que as mercadorias de alta qualidade, quando era precisamente de mercadorias baratas e de baixa qualidade o que caracterizava a débil economia chinesa.

Como a Alemanha no tempo de revolução industrial, a economia chinesa também foi embaraçada por sua falta de centralização, com um sistema tributário conhecido como Likin, uma tarifa entre províncias. Isto obviamente tendeu a deprimir o comércio e evitou a formação de um mercado nacional, uma questão fundamental do desenvolvimento de um forte capitalismo. Ele foi abolido pelo Kuomintang em 1931, mas uma vez que o Kuomintang fracassou em abolir o warlordismo, as bases do particularismo local tais como este imposto, foram reintroduzidas pelos warlords sob outro nome e o governo central foi impotente para evitar.

Devido à desprezível arrecadação fiscal o governo era constantemente forçado a se endividar com os banqueiros de Xangai. 25% dos gastos eram financiados através de empréstimos e graças a esta dependência da dívida os banqueiros obtiveram rendimentos de 20-40% destes bônus. Isto garantia uma fonte de altos retornos, combinada com a natureza não lucrativa dos negócios chineses (como já vimos, ela era taxada de tal forma que promovia os concorrentes externos, e era taxada de forma demasiada uma vez que era a única fonte de receita do governo) causou uma explosão de especulação improdutiva sobre a dívida governamental.

“Um escritor chinês estimou que 50% do total de valores realizáveis foram investidos em bônus governamentais, e que muito do restante foi desviado para a especulação nestes mesmos instrumentos de crédito. As finanças do governo de Nanjing, então, promoviam o desvio dos recursos da economia para investimento em usos especulativos. Adicionalmente, elevou o custo do crédito bancário ao ponto de que os empresários privados não poderem fazer uso do crédito bancário para fins produtivos” (Paauw, op. cit.).

De acordo com Paauw, durante este período o consumo caiu, o investimento externo caiu de 1931 a 1936 e o investimento doméstico foi tão baixo que sequer foi suficiente para manter o capital existente. De acordo com Eastman, menos de 4% do gasto governamental de 1934-6 foram destinados ao desenvolvimento econômico, e destes muito era desviado de alguma forma. A produção agrícola total aumentou menos de 1% nos cinco anos do período 1932-36. O PIB em 1936 foi aproximadamente o mesmo de 1932, e a produção média no período 1932-36 foi algo mais baixa a de 1932. O crescimento do PIB não conseguiu acompanhar o ritmo do aumento da população da China, e um índice de produção para quatro indústrias líderes, calculado pelo Banco Central da China, não mostrou aumento da produção por um período de mais de 3,5 anos (1932-5) (Ibid.). Mas a preocupação do Kuomintang era a de ser capaz de explorar o prêmio do poder – o poder estatal – e uma camada de altos burocratas tornou-se rica.

Fome

Uma consequência direta da queda na dependência do feudalismo foi a grande fome no Noroeste do país de 1928-30, na qual cerca de seis milhões de empobrecidos camponeses pereceram. Os desastres naturais dão relevo às contradições e injustiças da sociedade de classe, em primeiro lugar, porque as suas consequências desastrosas são geralmente desnecessárias. Em segundo, devido à forma vergonhosa como a classe dirigente tira vantagem da situação de decadência das massas para estender o seu poder e riqueza. Esta fome não foi nenhuma exceção a esta regra.

Apesar da seca houve fartura de arroz e trigo, e dinheiro para comprar mais do estrangeiro. O problema é que este arroz e trigo foram deliberadamente mantidos longe dos estômagos dos camponeses através daqueles que também tinham o dinheiro, para ganhar mais dinheiro com a alça dos preços. Dinheiro e alimentos recolhidos do estrangeiro também não conseguiam chegar aos famintos devidos às lutas internas entre os warlords (senhores da guerra) locais.

Devido ao fato de estarem desesperados por comida, os lavradores famintos foram de fato forçados a vender toda sua terra produtiva aos latifundiários e financistas por tão pouco quanto três dias de comida, a fim de que estes últimos pudessem ficar mais ricos. Naturalmente, com suas somas de dinheiro e conhecimento superior podiam esperar que as melhores terras se tornassem disponíveis, e dessa forma a concentração da riqueza avançava graças à fome. Não é nenhuma surpresa, portanto, que, de acordo com Eastman, a taxa de mortalidade da China em 1930 era virtualmente a mais elevada do mundo, duas vezes e meia a dos EUA e significativamente mais elevada que a da Índia. Estas são as condições econômicas contra as quais lutava o PCC, o tipo de regime político a que este se opunha e que tornou o capitalismo chinês maduro para ser derrubado.

Este texto terá continuidade

Traduzido por Fabiano Alberto