No dia 07 de abril, o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) publicou um editorial com o título: “A necessidade de uma greve geral sanitária”1. Também fez circular um vídeo2 nas redes sociais de Atnágoras Lopes, da Secretaria Executiva Nacional da Conlutas, defendendo o mesmo chamado. Veremos que, mais uma vez, o que pode parecer radical na verdade não passa de um engodo, que esconde a capitulação e a adaptação aos aparatos contrarrevolucionários que dirigem o movimento operário brasileiro.
Afinal, o que é greve sanitária?
Não se sabe ao certo quem é o responsável por introduzir esse “conceito” de greve sanitária no vocabulário do movimento operário brasileiro, mas é incrível como todas as entidades sindicais incorporaram essa palavra de ordem em seus materiais e discursos, desde as ligadas à Força Sindical até à Conlutas, que se pretende socialista e revolucionária. E é incrível como todas são incapazes de explicar o que seria, afinal, uma greve sanitária?
A proposta abrange diferentes interpretações, a maioria superficiais. Seria uma greve em defesa da vida, frente ao avanço da pandemia, nos respondem prontamente. Mas como fazer isso? Se olharmos as iniciativas concretas sob esse eixo, veremos que boa parte das direções sindicais se valem dessa narrativa de greve sanitária para literalmente sabotar as greves! Foi uma farsa o que fez a Apeoesp e o Sinte/SC e é o que está sendo preparado pelos sindicatos dos ferroviários da CPTM, por exemplo.
Ah, mas o PSTU não dirige esses sindicatos! Sim, é verdade, o PSTU não é responsável por essas fraudes que citamos acima, mas então, o que seria a greve sanitária para o PSTU? Vamos ao texto:
“A única forma de parar esse genocídio é através de um lockdown por 30 dias, pelo menos. Algo que só será possível com um auxílio-emergencial de verdade, que permita às pessoas, principalmente aos mais pobres, ficar em casa. Enquanto isso, deve-se avançar na vacinação, com a quebra das patentes e a reconversão de fábricas para a produção em massa dos imunizantes”. (…)
“Essa é a necessidade urgente e imediata da classe. A pandemia e a enorme crise social, porém, dificultam a mobilização dos trabalhadores e do povo pobre. Mas, uma campanha nacional e unificada em torno a essas bandeiras poderia dar confiança à classe e impulsionar essa luta para avançarmos rumo a uma greve geral sanitária, paralisando todos os setores não-essenciais”.
Já no vídeo de Atnágoras Lopes, ele diz que é preciso “uma greve geral sanitária para exigir lockdown de 30 dias com auxílio-emergencial de um salário mínimo, apoio financeiro específico aos pequenos comerciantes do campo e da cidade, vacina para todos (com quebra das patentes), fortalecimento do SUS”…
Está claro que o chamado de greve geral sanitária do PSTU, se bem-sucedido, seria tão somente um instrumento de pressão por lockdown e outras medidas. Sim, a maioria das demandas apresentadas são justas – exceção feita à questão do “auxílio-emergencial”, que é uma adaptação às demandas da esquerda reformista no Congresso e um rebaixamento da palavra de ordem de “seguro-desemprego a todo trabalhador desemprego ou informal”. Mas, reinvindicações corretas somente serão capazes de mobilizar a classe trabalhadora se ela estiver confiante na vitória e não se conquista a confiança das massas propondo que elas sejam meros instrumentos de pressão nas mãos de seus atuais líderes sindicais.
Afinal, claro está que a Conlutas não tem condições alguma de convocar uma greve geral, pois quem dirige os principais sindicatos do país e os milhões de trabalhadores atrás deles é a CUT e nas bases de cada categoria, de cada sindicato, o problema é exatamente esse: a total desconexão dos dirigentes sindicais da realidade da classe trabalhadora e, inversamente, o rechaço sadio das bases em servir de massa de manobra para esses dirigentes sindicais traidores.
Para que elas consigam sair dessa enrascada, além de incutir nas massas a confiança em suas próprias forças, é necessário dizer a verdade sobre o que é preciso fazer para vencer.
Nesse sentido, a proposta do PSTU de “greve geral sanitária” já nasce fracassada: não explica o que se propõe de fato e não aborda o centro do problema.
O que falta para a greve geral?
No mês passado, a CUT organizou uma live chamada “Greve geral: o que falta?” e o cinismo foi a tônica: quatro horas de justificativas possíveis e imagináveis para não preparar e construir nada! Em resposta, publicamos:
“O que falta para a greve geral? A resposta é simples: a CUT deve mobilizar as massas, não há outro caminho. Deve parar de fazer discurso e agir para construir o combate para pôr abaixo o governo Bolsonaro já. A CUT tem todas as condições para convocar uma greve geral já e os meios para alcançar os trabalhadores de todo o país. Somente os trabalhadores organizados podem organizar um lockdown de verdade, garantindo o isolamento, parando a produção e colocando Bolsonaro e a burguesia em cheque. O que falta é uma direção com vontade política de realizar a sua tarefa de convocar e liderar este combate.
Os pelegos falam que não se pode colocar a vida dos trabalhadores em risco, que não há clima de mobilização por conta do medo da contaminação. Ora, esses senhores devem possuir sérios problemas de visão – ou são apenas canalhas mesmo? Não conseguem ver diariamente a quantidade de trabalhadores que estão aglomerando nos transportes, nas escolas, nos comércios e nas fábricas? Não viram como estavam lotados os trens, metrôs e ônibus de São Paulo no dia em que iniciou a suposta fase mais restritiva da pandemia? Não veem as UTIs colapsando em todo o país sendo que os trabalhadores são a maioria esmagadora das vítimas da Covid-19?”.
Percebe-se assim que não adaptamos nosso programa para parecer mais palatável aos pelegos da CUT e outras centrais e demandamos a preparação e convocação de uma greve geral com base nas reivindicações da classe trabalhadora e com um claro objetivo: Abaixo o governo Bolsonaro, já!
Afinal, não se pode separar as tarefas sindicais dos objetivos políticos, as demandas imediatas das históricas. É preciso mobilizar as massas por suas reivindicações mais sentidas, mas também explicar amplamente que estamos entrando nesse combate para pôr abaixo o governo Bolsonaro, que é o grande responsável pela situação à beira da barbárie na qual estamos.
Como vimos no editorial do PSTU, o chamado pela greve geral sanitária não faz essa associação, ao contrário, afirma que a greve é por lockdown e outras demandas, que a greve é para combater o “genocídio” de Bolsonaro, mas não fala que é para derrubar o governo. Ao final do texto, o PSTU afirma que é necessária uma alternativa revolucionária e socialista, um governo socialista dos trabalhadores apoiado nos conselhos populares mas não explica que, para isso, a primeira coisa a se fazer é uma greve geral para pôr abaixo o governo Bolsonaro.
Procurando atentamente, aparece a palavra de ordem do PSTU de “Fora Bolsonaro e Mourão” no finalzinho da fala do dirigente da Conlutas, mas apenas como uma saudação à bandeira e não como tarefa primordial e candente da classe trabalhadora.
Já em um novo artigo no site da Conlutas3, publicado em 12/04, em que faz um chamado às centrais sindicais, repete-se a mesma linha: “É necessário confrontar o governo e exigir um lockdown de 30 dias com garantia de empregos e um salário mínimo para os que precisam; garantir o apoio necessário para o pequeno comerciante do campo e da cidade; vacina para todas e todos imediatamente com quebra das patentes e o fortalecimento do SUS”. Mas também aparece, em apenas uma única linha, portanto, sem conseguir desenvolver e aprofundar a questão, a necessidade de ação direta dos trabalhadores para defender a própria vida enquanto classe: “É a partir dessa pauta e na ação direta que vamos defender as nossas vidas”.
E também aparece, somente no último parágrafo, a vinculação direta entre uma greve nacional e a derrubada do governo: “Vamos realizar uma Greve Nacional Sanitária e botar pra fora agora Bolsonaro e Mourão. Não em 2022”.
Mas, afinal, é para realizar uma greve nacional sanitária para exigir do governo que faça isso, isso e aquilo e, portanto, ficar no mais do mesmo que a direção da CUT e outras centrais anunciam e enganando os trabalhadores com um verniz mais avermelhado ou é para fazer uma greve geral com os métodos próprios da classe trabalhadora para derrubar o governo assassino de Bolsonaro e impor as medidas necessárias para salvar as vidas operárias através da luta?
A batalha por liberdade e independência sindical
Tais adaptações, vacilações programáticas, contradições narrativas, oscilações esquerdistas/sectárias e oportunistas expressas pelo PSTU e sua micro central sindical autoproclamada revolucionária não são novidades. Isso faz parte da origem e a trajetória dessa corrente política, vinculada historicamente ao “morenismo”4 e também na sua adaptação à estrutura sindical brasileira, corporativista e tutelada pelo Estado (o famigerado Título V da CLT).
Não é possível desenvolver uma política independente dos patrões e do Estado através de sindicatos que se baseiam no assistencialismo, na busca por harmonia entre capital e trabalho e na unicidade sindical e contribuições compulsórias sobre os trabalhadores que daí decorrem. Os atuais aparelhos burocráticos dos sindicatos, cedo ou tarde, pesam contra os militantes mais dedicados e cobram seu preço em termos políticos.
Evidentemente, nós marxistas não somos a favor de abandonar os sindicatos aos patrões e aos pelegos, mas disputar os aparelhos sindicais nos moldes atuais, “máquina” de uma corrente A contra “máquina” de corrente B não leva a uma política revolucionária, mas tão somente à manutenção e reprodução dos mesmos aparelhos sindicais. As cores mudam, as paredes são reformadas, mas a fundação que sustenta tudo é a mesma. É essa mesma fundação que dá sustentação à CUT, CTB, Força Sindical e também às Intersindicais e à Conlutas e as disputas reduzem-se, em última instância, a quem vai controlar o dinheiro que as entidades sindicais arrecadam.
Nós marxistas combatemos por liberdade e independência sindical, contra os “sindicatos-CLT”, como antigamente eram chamados, ou seja, contra essa estrutura sindical e por uma legítima representação sindical, baseada na auto-organização dos trabalhadores e na democracia operária, portanto, sem interferência estatal ou dos patrões. Batalhamos, portanto e prioritariamente, pela construção da organização revolucionária entre os trabalhadores, na base de cada categoria e baseamos nossa intervenção sindical contando única e exclusivamente com a força dessa implantação (local e internacionalmente) para, de fato, buscar revolucionar toda a estrutura de representação dos trabalhadores no Brasil e no mundo.
Ao mesmo tempo, intervimos na CUT que é a maior e mais importante central sindical do país para reivindicar que use toda sua força e influência para mobilizar a classe trabalhadora e denunciamos também toda a política de adaptação e conciliação da CUT às instituições do Estado e aos patrões, que converte a central em um enorme obstáculo para a luta dos trabalhadores. Não é tarefa fácil, evidentemente, mas não há atalhos.
Como aponta Leon Trotsky no Programa de Transição, no capítulo “Os sindicatos na época de transição”:
“Na luta pelas reivindicações parciais e transitórias, os operários têm atualmente mais necessidades do que nunca de organizações de massas, antes de tudo de sindicatos. (…)
Os bolchevique-leninistas encontram-se nas primeiras fileiras de todas as formas de luta, mesmo naquelas onde se trata somente de interesses materiais ou dos direitos democráticos mais modestos da classe operária. Tomam parte ativa na vida dos sindicatos de massa, preocupando-se em reforçá-los, em aumentar seu espírito de luta. Lutam implacavelmente contra todas as tentativas de submeter os sindicatos ao Estado burguês e de subjugar o proletariado pela “arbitragem obrigatória” e todas as outras formas de intervenção policial não somente fascistas, mas também “democráticas”. Somente tendo como base este trabalho é possível lutar com sucesso no interior dos sindicatos contra a burocracia reformista e, em particular, contra a burocracia stalinista. As tentativas sectárias de criar ou manter pequenos sindicatos “revolucionários”, como uma segunda edição do partido, significam, de fato, a renúncia à luta pela direção da classe operária. É necessário colocar aqui como um princípio inquebrantável: o auto-isolamento capitulador fora dos sindicatos de massa, equivalente à traição da revolução, é incompatível com a militância na IV Internacional”.
1 https://www.pstu.org.br/editorial-a-necessidade-de-uma-greve-geral-sanitaria/
2 https://fb.watch/4R-bI-NZRE/
3 http://cspconlutas.org.br/2021/04/um-chamado-as-centrais-sindicais-e-urgente-realizar-uma-greve-nacional-sanitaria-no-brasil/
4 Entre outros artigos sobre o tema, destacamos “O morenismo e a Guerra das Malvinas”, publicado na Revista América Socialista 18 (https://loja.livrariamarxista.com.br/)