Imagem: Fausto (1652), Rembrandt

O que é a verdade?

“O que é a verdade?”, disse Pilatos, zombando, e não esperou pela resposta.

Assim começa o ensaio Da Verdade, de Francis Bacon. Bacon fazia referência ao Evangelho de São João, no qual Jesus, ao ser questionado pelo governador romano, diz: “Vim ao mundo para dar testemunho da verdade.”

Como resposta, Pilatos, não sem uma boa dose de ironia, pronuncia as palavras: “O que é a verdade?” Com essas poucas palavras, ele mostra não que era um cínico no sentido moderno da palavra (embora muito provavelmente fosse), mas um homem instruído, e um adepto de um ponto de vista comum entre as classes altas romanas cultivadas e desiludidas da época.

Pilatos não esperou por uma resposta por uma razão simples: ele não acreditava que fosse possível haver uma resposta. Uma filosofia em voga naquele período – produto de uma sociedade decadente – afirmava que era impossível chegar a qualquer concepção objetiva da verdade.

Esse tipo de subjetivismo extremo (idealismo subjetivo) não é novo. Ele surge periodicamente na filosofia como um tipo de espasmo nervoso, ou melhor, um paroxismo que desespera de jamais alcançar algo que se assemelhe à verdade objetiva.

Encontrou sua expressão mais completa e coerente nos escritos do famoso sofista grego Górgias de Leontinos, que afirmava que: (1) nada existe; (2) mesmo que existisse, sua natureza não poderia ser compreendida; e (3) mesmo que pudesse ser compreendida, não poderia ser comunicada a outra pessoa.
Sofistas como Górgias foram os ancestrais da posição filosófica conhecida como ceticismo. No geral, Hume e Kant não avançaram muito além disso. Tudo isso são variações sobre o mesmo tema. Foi levado ao extremo pelo bispo Berkeley, a quem Lênin respondeu em detalhe em uma de suas obras teóricas mais importantes, Materialismo e Empiriocriticismo.

Mas provavelmente o expoente mais influente de uma forma de ceticismo foi o grande filósofo alemão do século XVIII, Immanuel Kant.

Kant foi um dos pensadores mais originais e significativos de sua época. Fez uma série de descobertas brilhantes, especialmente no campo da cosmologia. No entanto, nunca conseguiu escapar da armadilha do dualismo filosófico, que sustenta que o mundo do pensamento e o mundo material existem de forma independente um do outro.

Quando descobriu que havia contradições insolúveis na maneira como compreendemos o mundo material, concluiu que deve haver um limite absoluto para nossas capacidades de entendimento.
Kant acreditava que havia um abismo intransponível entre o sujeito pensante e o objeto do conhecimento. Segundo a teoria kantiana, estamos separados da realidade justamente pelos instrumentos que usamos, em vão, para tentar compreendê-la.

Assim, ele afirmava que só poderíamos ter conhecimento dos fenômenos – das coisas como elas aparecem a um observador. O conhecimento humano estaria, portanto, restrito ao conhecimento imediato da percepção sensorial, além do qual estaria o misterioso “coisa em si” (das Ding an sich), que ele declarava ser incognoscível.

Desde Kant, o ceticismo ressurgiu repetidamente sob diferentes disfarces. Cada disfarce pode ser diferente, mas o conteúdo essencial permanece o mesmo: o conhecimento humano é limitado e há certas coisas que nunca poderão ser conhecidas.

Alguns filósofos (paradoxalmente partindo do empirismo) assumem que o mundo não existe de fato. Outros tentam evitar a questão por completo, alegando que o conflito entre idealismo e materialismo é uma “não-questão” e produto de um mau uso da linguagem ou de um mal-entendido.

A mesma atitude cética pode ser vista hoje no mundo acadêmico, onde as mesmas ideias mofadas e desacreditadas foram recentemente resgatadas sorrateiramente do lixo da história e ressuscitadas sob o disfarce do chamado pós-modernismo.

Aqui, escondido por trás de uma fina máscara de objetividade espúria, o narcisismo essencial do intelectual pequeno-burguês se revela em toda a sua glória nua. Seguindo servilmente esse caminho já muito trilhado, a filosofia burguesa moderna acabou em um beco sem saída.

Em vez da verdade, temos apenas minha verdade, minha opinião pessoal, pois isso é tudo o que posso aspirar a conhecer. A busca pela verdade objetiva real aqui chega a um ponto final, já que minha verdade é tão válida quanto sua verdade. Na verdade, segundo essa teoria, minha verdade é infinitamente superior, pois só eu existo.

Sejamos claros quanto a isso. Se aceitarmos esse ponto de vista, isso significaria o fim não apenas de toda a filosofia, mas do pensamento racional em geral. Reduziria todo pensamento à mera subjetividade e relatividade absoluta, na qual minha verdade é tão válida quanto sua “verdade”, já que toda verdade seria apenas opinião subjetiva.

No lugar do conhecimento, teríamos apenas opinião. No lugar da ciência, a fé.

Como materialistas consequentes, os marxistas rejeitam esse ponto de vista. O materialismo filosófico afirma a primazia da matéria sobre as ideias e explica que ideias, pensamento etc. são apenas propriedades da matéria organizada de determinada forma.

Tomemos, portanto, o cuidado de responder à pergunta feita por Pôncio Pilatos. Por verdade entendemos o conhecimento humano que reflete corretamente o mundo objetivo, suas leis e propriedades.

Toda a ciência baseia-se precisamente no fato de que:

a) o mundo existe fora de nós, e

b) em princípio, podemos compreendê-lo.

A prova dessas afirmações, se é que se exige uma prova, consiste em mais de dois mil anos de avanço da ciência, ou seja, do avanço contínuo do conhecimento sobre a ignorância.

É evidente que, em qualquer ponto do tempo, haverá naturalmente muitas coisas que não sabemos. E como a natureza abomina o vácuo, essas lacunas no nosso conhecimento podem facilmente ser preenchidas por todo tipo de bobagem religiosa e mística. O chamado “princípio da indeterminação”, que Ben Curry aborda em seu artigo sobre idealismo na física quântica, é um exemplo clássico desse misticismo no mundo científico. É o equivalente àqueles mapas antigos do mundo, onde as regiões inexploradas eram marcadas com as palavras: “Aqui há monstros”.

Mas há uma diferença enorme entre dizer “Não sabemos” e “Não podemos saber”. Sempre há muitas coisas que não sabemos. Mas o que não sabemos hoje, certamente saberemos amanhã. O processo de conhecer o mundo avança justamente ao penetrar os segredos da natureza, avançando de forma constante e aprofundando nosso conhecimento do mundo material.

A busca pela verdade é um processo contínuo de aprofundamento na Natureza. O progresso da ciência é um processo constante de afirmação e negação, onde uma ideia nega a outra, e é por sua vez negada, como Adam Booth explica em seu artigo sobre a crise da ciência atual. Esse processo não tem limites; não conhece barreiras intransponíveis, e toda vez que uma barreira é encontrada, ela acaba sendo superada e negada.

A contradição entre o “sujeito” consciente e o “objeto” externo é, portanto, superada pelo processo de conhecimento, de penetração cada vez mais profunda no mundo objetivo – não apenas por meio do pensamento, mas sobretudo pela aplicação do trabalho humano, através do qual a humanidade transformou o mundo e, nesse processo, também se transforma a si mesma.

Toda a história da ciência nada mais é do que uma luta constante para alcançar a verdade, passando da ignorância ao conhecimento. Essa busca incessante pela verdade é marcada pela ascensão e queda de diferentes teorias, cada uma das quais contradiz a anterior, mas ao mesmo tempo preserva seu conteúdo essencial.

Em um livro notável chamado A Estrutura das Revoluções Científicas (publicado pela primeira vez em 1962), Thomas Kuhn define um paradigma científico como: “realizações científicas universalmente reconhecidas que, por um tempo, fornecem modelos de problemas e soluções para uma comunidade de praticantes”.

Durante certo período, o paradigma existente é considerado absolutamente válido e correto. Esses longos períodos de continuidade e progresso cumulativo representam períodos de “ciência normal”. O paradigma vigente é universalmente aceito, e é isso que permite à ciência avançar de maneira ordenada, dentro de um arcabouço teórico geralmente aceito.

No entanto, todas as teorias devem ser constantemente testadas por meio da observação e da experiência. Com o tempo, certas anomalias surgem, mas inicialmente não parecem representar um desafio sério ao paradigma existente. Em determinado momento, contudo, a quantidade se transforma em qualidade. As contradições se acumulam e acabam levando ao colapso do antigo paradigma, que deve ser substituído por um novo e superior. O status quo é subitamente interrompido por períodos de “ciência revolucionária”.

Um exemplo marcante de crise kuhniana e revolução científica está atualmente se desenrolando diante de nossos olhos – ou melhor, a portas fechadas – no campo da cosmologia. Durante décadas, a compreensão e o estudo científicos do universo basearam-se no chamado Modelo Padrão. Isso inclui a afirmação de que toda a matéria, o tempo e o espaço se originaram em uma singularidade do Big Bang, estimada em cerca de 14 bilhões de anos atrás.

No entanto, observações recentes de galáxias distantes, fornecidas pelo Telescópio Espacial James Webb, começaram a lançar sérias dúvidas sobre essa teoria amplamente aceita. Dentro dos limites do modelo do Big Bang, não há como essas galáxias distantes serem tão grandes e desenvolvidas como são. As evidências mais recentes, em outras palavras, constituem uma anomalia importante, que contradiz o paradigma atual.

Assim como Kuhn previu, isso provocou uma crise na comunidade científica. Uma parte prefere enterrar a cabeça na areia, tentando criar remendos adicionais para fazer os fatos se encaixarem em uma teoria falida. Outra parte está exasperada e começa a questionar todo o modelo – sobre o qual muitas carreiras e reputações foram construídas.

Por enquanto, esses debates estão ocorrendo em grande parte longe do público, entre o establishment científico e longe de olhos curiosos. Mas, eventualmente, a crise na cosmologia virá à tona, abrindo caminho para uma mudança de paradigma – uma revolução – no campo da física fundamental.

Por um período considerável de tempo, aceitamos o paradigma existente como uma verdade absoluta. Somente, em última análise, quando essa verdade absoluta revela sua natureza incompleta e contraditória, é que seu caráter essencialmente relativo e transitório se torna claro. Mas estamos autorizados a concluir, a partir desse fato, que não existe algo como a verdade e que, portanto, como supôs Pôncio Pilatos, é fútil até mesmo tentar defini-la?

Não. Não estamos autorizados a concluir tal coisa. A verdade não é algo absoluto, dado e fixo por toda a eternidade. É um processo que se move através de um ciclo interminável de constantes contradições, afirmações e negações. A história da ciência e da tecnologia, e todo o curso do desenvolvimento social humano, serviram para definir, aprofundar e verificar o conhecimento.

Nesse sentido (e somente nesse sentido), pode-se dizer que a verdade é relativa. É o processo de desenvolvimento em constante evolução, que nunca está em repouso, mas que constantemente se empenha em escavar mais fundo os segredos do universo. É esse o tema que Goethe abordou em sua obra-prima épica Fausto, que Josh Holroyd explora nesta edição.

É isso que impede que a verdade seja transformada em um dogma, na medida em que jamais chegaremos a um Absoluto imutável, porque o próprio universo é infinito e está em constante mudança, sem começo nem fim.

A verdade se encontra, não em algum resultado final imaginário que resolva todas as nossas dúvidas e dificuldades, mas no processo de descoberta incessante, que por si só nos permite desvendar, pouco a pouco e passo a passo, os segredos do maravilhoso, complexo e infinitamente belo universo material.
Hegel escreveu em A Ciência da Lógica que é da natureza do finito ultrapassar seu limite, negar sua negação e tornar-se infinito.

Essa é uma verdade muito profunda. A busca humana pelo conhecimento sempre se deparará com barreiras que, à primeira vista, parecem intransponíveis. Mas essas barreiras acabam sendo superadas, apenas para dar lugar a novas barreiras e desafios, que por sua vez precisarão ser superados.

Se estivermos procurando uma verdade absoluta que finalmente nos permita dizer: “agora entendemos tudo, e não há mais nada a descobrir”, esse dia jamais chegará.

O universo é infinito, mas a capacidade do conhecimento humano é tão infinita quanto o próprio universo. E o único Absoluto é a mudança.

Em última análise, é esse processo interminável de aprofundamento de todo conhecimento do universo que, por si só, constitui a verdade.

Que implicações podemos tirar disso em relação ao próprio marxismo? Podemos dizer que as ideias de Marx e Engels permanecerão válidas para todo o sempre? Isso pareceria contrariar a própria essência dialética do marxismo.

Seria um exercício fútil tentar antecipar todas as muitas mudanças complexas no pensamento humano que inevitavelmente ocorrerão no futuro. Não tenho intenção de me engajar em tal especulação vazia. No entanto, podemos ter certeza de que, em algum momento no futuro, novas ideias surgirão para substituir ideias antigas – embora, como explicou Hegel, esse processo frequentemente se dê pela eliminação de ideias desnecessárias, ao mesmo tempo que preserva tudo aquilo que foi valioso, útil e necessário do passado.

Essas observações devem se aplicar ao marxismo, assim como a qualquer outra coisa. No entanto, neste momento histórico, é inegável que as ideias do marxismo conquistaram o direito de serem levadas a sério como um guia necessário para a ação. O mesmo não se pode dizer das ideias miseráveis da burguesia, que se revelaram falsas em um campo após o outro.

Basta apontar o fato de que um número crescente de economistas burgueses está agora estudando as páginas de O Capital na tentativa de dar algum sentido à atual crise do capitalismo – que nenhum deles foi capaz de prever ou explicar.

Durante toda a minha vida adulta, dediquei-me ao estudo do marxismo. Também tomei o cuidado de ler as obras dos críticos do marxismo e de considerar uma série de teorias alternativas. Mas nenhuma dessas teorias pode ser comparada ao brilho e à profundidade daquele titânico corpo de obras produzido por Marx, Engels, Lênin e Trotsky.

Apenas essas ideias resistiram ao teste do tempo. Podemos, portanto, deixar com tranquilidade ao futuro a tarefa de nos oferecer algo melhor. Até que esse dia feliz chegue, continuarei a me basear nos sólidos alicerces do socialismo científico, que – até que alguém me convença do contrário – continuarei a considerar como verdades absolutas – ao menos por ora. E isso já é o bastante.