Em 2016 o Loteamento Residencial Novo Horizonte, localizado no Jardim Aeroporto no município de Campos de Goytacazes-RJ, teve, aparentemente, suas obras concluídas. Formado por casas com cerca de 40m2, o conjunto foi construído pelo Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) e possui 772 unidades habitacionais dispostas uma do lado da outra em ruas monótonas e lineares, distante cerca de 13km do centro da cidade de Campos. O local reflete o exemplo de cidade que o PMCMV produziu Brasil afora: casas dispostas em um loteamento sem praças, sem escolas, sem equipamentos públicos e distantes da área central da cidade. Característica que como marxistas já havíamos falado em 2019, logo no momento de lançamento do programa por Lula em seu segundo mandato como presidente.

Na madrugada de 13 de abril, cerca de 400 famílias, totalizando quase mil pessoas, ocuparam o conjunto, num movimento espontâneo. A maioria é formada por mulheres trabalhadoras, negras e mães solo, segundo relato de Luciane Soares da Silva, docente da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), uma das apoiadoras que acompanha de perto as famílias na ocupação. A composição das famílias se divide em três grandes grupos: alguns são os próprios beneficiários do PMCMV, outros são famílias que ficaram com o recebimento do programa Aluguel Social em atraso e foram despejadas de suas casas – o prefeito da gestão anterior de Campos, Rafael Diniz (Cidadania), deixou de pagar o benefício e o atual, Wladimir Garotinho (PSD), não se preocupou em cobrir os atrasados – e uma parcela é de famílias que simplesmente não conseguem mais pagar aluguel devido à enorme crise econômica que assola a classe trabalhadora no Brasil hoje, aprofundada pela pandemia.
O ônus excessivo de aluguel (quando o aluguel soma mais de 30% do orçamento da família) é o principal componente do déficit habitacional hoje no Brasil, segundo os dados mais recentes da Fundação João Pinheiro (FPJ) para o período de 2016-2019. Conforme os números da pesquisa, o déficit é majoritariamente formado por mulheres chefes de famílias, que em 2019 compunham cerca de 60% desse número. Isso prova que a ocupação Novo Horizonte em Campos é um reflexo da situação da classe trabalhadora hoje, no que concerne a moradia e a crise que o sistema capitalista aprofunda neste momento de pandemia. Abaixo veja vídeo de uma das trabalhadoras que está na ocupação, fazendo um apelo:
Um dia após a ocupação acontecer, a empreiteira Realiza, que construiu o conjunto, entrou com o processo de reintegração de posse, tendo como parte a própria Caixa. O banco estatal que deveria zelar pela provisão habitacional, premissa do programa, figura neste caso mais como a zeladora dos interesses da empreiteira. Lembremos da célebre frase que Marx dizia sobre o Estado: ele é, no fundo, o banco de negócios da camarilha dos capitalistas. Segundo o relato da advogada Rafaelly Galossi, que acompanha o caso junto às famílias, logo no dia 21 de abril saiu a liminar autorizando a reintegração de posse. No que a própria advogada chamou de “guerra de recursos”, começou então a lançar-se mão de liminares para tentar barrar a decisão e fazer com que esses trabalhadores se mantenham na ocupação e tenham o direito a moradia garantido.
Nesse momento em diante uma rede de solidariedade se formou para ajudar às famílias e para que estas consigam ter suas reivindicações atendidas. Luciane Soares relata que teme pela integridade física desses trabalhadores, pois rapidamente a empreiteira começou a cercar a ocupação com grades e telas, impedindo o ir e vir dos ocupantes e colocou P2 (infiltrados) que circulam pela ocupação. “Vi um campo de concentração sendo armado”, relata Luciane. A última decisão do desembargador marcando a data de reintegração de posse para dia 1º de maio previa o uso da força e da guarda nacional se houvesse resistência. Em plena pandemia, os órgãos repressivos do Estado amedrontam essas famílias logo no dia mais simbólico de luta da classe trabalhadora.
Ao mesmo tempo essas famílias não têm para onde ir. Mesmo sem água, sem luz, cercadas e vigiadas, persistem na luta pelo direito à moradia e resistem na ocupação. Eles realizam assembleias quase diárias na ocupação. A rede de apoiadores tem crescido, já que as precariedades são muitas: crianças sem escola, com fome, trabalhadores informais, desempregados, trabalhadoras domésticas formam o conjunto desse cenário de resistentes. No próprio dia 1o de maio, um dos recursos dos advogados das famílias faz com que nova decisão do juiz dê prazo de 30 dias para os ocupantes saírem. Um breve alívio para tamanha pressão que estão vivendo.
Como relata Bruna Machel, uma das apoiadoras da ocupação e que também conversou conosco, a luta dessas famílias tem de ser para além da reivindicação da moradia:
“Temos de mostrar a potência da luta popular. Temos de mostrar que a população quando vai à luta é porque precisa. Nossa luta final não é a moradia, é por uma outra sociedade, contra o capitalismo”.
Nesse momento de crise do sistema e da situação trágica que vivemos com a pandemia no Brasil, onde mais de 430 mil pessoas já morreram, é preciso pôr fim a esta tragédia. Os movimentos sociais, movimentos de moradia, partidos e sindicatos, devem se unir pelo Abaixo Bolsonaro. Por todos os lados onde olhamos situações de precariedades habitacionais como a dessas famílias, que se viram obrigadas a ocupar, estão se acentuando. Há um massacre se alastrando com Bolsonaro e sua política assassina no poder.
- Nenhum despejo deve ser realizado!
- Nenhuma repressão às famílias e ao movimento.
- Pelo direito à moradia de todas as famílias da Ocupação Novo Horizonte.
- Toda solidariedade à Ocupação Novo Horizonte.
- Fora Bolsonaro, por um governo dos trabalhadores sem patrões nem generais!
Notas:
A ocupação pede doações para compra de alimentos, material de higiene, máscaras e agasalhos. Os depósitos podem ser feitos através da chave PIX: emancipa.campos@gmail.com
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Para produção deste artigo, agradecemos a colaboração das companheiras que estão apoiando e acompanhando ombro a ombro a Ocupação Novo Horizonte: Bruna Machel (designer e presidente da Associação Resista Campos), Luciane Silva (Docente da Uenf, vice presidente da Associação de Docentes da Uenf – Aduenf) e Rafaelly Galossi (advogada e presidente do coletivo Nós por Nós).