O presente artigo redigido para a edição de outubro de 2012 do Jornal “Lucha de Clases”, órgão da seção espanhola da CMI, além de nos brindar uma excelente análise de conjuntura, tem o mérito de indicar o combate central pelo fim do sistema capitalista
Frente às ditaduras dos mercados e do Capital devemos opor a mobilização unitária de todo o povo trabalhador!
Turbulência nos mercados.
Transcorridos quatro anos do pesadelo, desde que se iniciou a maior crise capitalista após o crack de 1929, cada dia que passa produz-se um novo choque na economia mundial.
A incerteza e a falta de confiança representam o estado de ânimo dos governos e dos especialistas da burguesia em todo o mundo. A idéia que se espalhou feito um rastilho de pólvora entre os “líderes mundiais”, é a de que todas as receitas e medidas econômicas tomadas foram inócuas, porque são incapazes de retirar a economia mundial da estagnação em que hoje se encontra.
Dia após dia, as manchetes das notícias dos jornais impressos, rádio e televisão refletem o pessimismo que toma toda a classe dominante. Não é para menos! O que vemos é a crise do capitalismo, como se ela fosse uma encarnação das cabeças da mitológica Hydra de Lerna, que se regenera, se replica e se intensifica sob diferentes formas.
No campo mais divulgado da economia se expressa como crise da dívida soberana, nas quedas das bolsas, altas do ouro, do dólar e do franco suíço, que se converteram em refúgio para investimentos. Também vemos desvalorizações competitivas da moeda e, finalmente, tudo isso se concretiza com o estancamento da economia real.
Todos os organismos internacionais reduziram suas previsões de crescimento dos E.U.A., Europa e Japão. Em todo lugar os indicadores econômicos assinalam quedas de investimentos e do consumo privado, desemprego maciço, tíbia geração de empregos e uma aguda subutilização das capacidades produtivas.
O que a teimosia dos dados objetivos e das estatísticas demonstram é que a crise não é passageira. Das sete maiores economias do mundo (excetuando a China) nenhuma se recuperou sequer ao nível de produção de 2008. Se somarmos a isso a estagnação econômica generalizada, que é o cenário mais otimista para este e o próximo exercício, segundo projeções dos especialistas em meados de 2012 será superado o recorde de 1930. Nas maiores economias do mundo, portanto, este seria o período mais longo de depressão, ao menos desde o final da Primeira Grande Guerra.
A Tragédia Grega e o futuro da União Européia
Os governos dos E.U.A., Europa e Japão enterraram bilhões de dólares dos impostos dos contribuintes na tentativa de tapar o buraco negro da crise bancária. Longe de encontrar solução, o que conseguiram foi endividar-se em um nível sem precedentes em tempos de paz.
A crise financeira que se iniciou no EUA, tornou-se crise da dívida soberana e seu epicentro moveu-se para a velha Europa. Enfrentamos agora a provável bancarrota de países inteiros.
Seu prelúdio foi há três anos, com a falência da pequena ilha da Islândia, que coincidiu no tempo com a do banco Lehman Brothers. Um ano depois, o governo recém eleito do PASOK na Grécia publicou os valores reais do enorme rombo nas finanças públicas do país, com um défcit de 13% do seu PIB, revelando a falsificação das contas públicas herdada do governo anterior.
Desde esse momento, encontrava-se aberta a caixa de Pandora. Essa força cega e anárquica denominada por “ os mercados”. Ou seja, os grandes fundos mútuos e de pensões, bancos, monopólios, etc., começaram a duvidar se a Grécia seria capaz de pagar sua dívida pública que oscilava entre 330.000 e 400.000 milhões de euros, estimada por alguns em 180% de seu PIB.
Rapidamente a desconfiança traduziu-se em um aumento exorbitante dos juros a serem pagos pelas autoridades gregas para conseguirem o financiamento. Este juro abusivo, cinicamente denominado “diferencial”, apenas apressou a crise a atingir o patamar de 7% para o bônus a ser pago em dez anos, 4% acima dos bônus da dívida alemã.
Numa tentativa de evitar o pior, desde a segunda Grande Guerra, o BCE e o FMI aprovaram em 2010 o resgate financeiro de um país da Europa Ocidental.
É claro que a condição intrínseca imposta pela sacrossanta aliança das burguesias européias e grega para que os fundos sejam liberados, consiste em descarregar todo o peso da crise nos ombros dos homens e mulheres do povo grego, traduzindo isso em demissões em massa, cortes salariais e sociais, vendas a preço de custo das empresas estatais rentáveis.
No mês de setembro de 2011, após 17 meses de cortes e ataques aos mais fracos, muito longe de solucionar-se, a tragédia grega chegou a um ponto crítico. Os seguros contra a inadimplência da dívida grega há cinco anos refletiam a probabilidade de não pagamento de 95%. E os juros que os investidores exigem pelos bônus gregos para dois anos estão acima de 70%.
Nos ministérios para negócios estrangeiros dos EUA e europeus, nos escritórios dos buroeurocratas do BCE, soaram alarmes, considerando a moratória grega inevitável. O que se encontra em discussão é de que forma ela se dará, se controlada ou caótica, assim que se der a falência do país, e quais efeitos ela terá no resto da União Européia.
A ponta do iceberg
Muitos trabalhadores nos perguntam: Porque um pequeno país de 11 milhões de habitantes, cujo PIB representa somente escassos 2% do PIB europeu, está pondo em xeque a sobrevivência do euro e da própria União Européia?
A primeira razão que explica isto consiste em que os problemas que enfrenta a economia grega não são exclusivamente gregos. A Grécia, como a economia mais fraca da zona do euro, foi a primeira vítima da crise da dívida. Mas a dura realidade é que o massivo endividamento público e privado é um problema que afeta em um ou outro grau todas as economias desenvolvidas, as quais, em seu conjunto, possuem uma dívida estatal média que supera 80% de seu PIB. E que a crise que se iniciou na Grécia indica apenas que, como de costume, a corrente começou a partir-se em seu elo mais fraco.
Em suma: a crise da dívida grega é apenas a ponta de um iceberg de dívidas incobráveis, cujas dimensões ninguém realmente conhece. A começar pelos bancos franceses, que acumulam bilhões da dívida grega, e continuando por todo o sistema financeiro europeu, muitos bancos não poderão recuperar seus empréstimos, e serão assim levados à falência.
Na busca de alguma saída, realizam-se, uma após outra, as reuniões de cúpula dos “gerentes do Capital”. Christine Lagarde, a nova secretária geral do FMI, fala que será inevitável dedicar ao menos 300 bilhões de euros em um novo “resgate dos bancos europeus”
Espanha e Itália, os próximos da lista
Ao resgate grego, seguiram-se os da Irlanda e Portugal. Até este momento o problema, ainda que sério, parece administrável por afetar apenas as chamadas economias periféricas. A partir do verão europeu, o contágio deu um salto qualitativo, estendendo-se à Itália e Espanha, já com a Bélgica no encalço delas.
O diferencial que deve ser pago desde o mês de agosto pela Itália e Espanha (terceira e quarta economias continentais) é de entre 3 ou 4% frente ao bônus alemão, em dez anos. Ou seja, encontram-se no mesmo nível que provocou o primeiro resgate grego em 2010.
De nada serviu a compra massiva da dívida pública italiana ou espanhola, por parte do BCE. A desconfiança e a incerteza instalaram-se como um enorme ponto de interrogação, questionando quão sólidas são as economias do sul do continente, que representam uns 30% do PIB europeu.
Um arrepio de pânico se estende por todo o planeta. Ninguém sabe qual será o episódio seguinte e se será possível manter a atual configuração da Europa no comércio.
Debilidade do Capitalismo Espanhol
Nos dias de vinho e rosa de “a Espanha vai bem” todos os excessos de especulação, todas as tentativas de estender o cilco de alta de crédito barato e a busca de lucros fáceis atingiu níveis estratosféricos. As grandes fortunas do país se fizeram de ouro, gerando proporcionalmente a maior bolha imobiliária do planeta.
Nos anos do auge econômico (2002/2007) a ocupação de mão de no setor de construção (2,7 milhões) somou quase tanto quanto para o emprego industrial no país (3,2 milhões). Os bancos duplicaram o número de seus escritórios, abrindo milhares delas nas zonas onde mais se construía, concedendo créditos sem limite.
O emprego temporário de má qualidade que se criou no setor de serviços e na construção elevou o grau de precarização até alcançar uma terceira parte da força de trabalho, a mais alta das economias desenvolvidas.
Quando a crise eclodiu, todas as contradições vieram à tona, desvelando a fragilidade do capitalismo espanhol e seu caráter parasitário e atrasado.
Em pouco mais de um ano, desde meados de 2008 até finais de 2009, foram destruídos 2,2 milhões de empregos, com o câncer do desemprego afetando quase cinco milhões de pessoas.
Todos os excessos do boom deixaram como legado: estagnação econômica, miséria para milhões de assalariados e um endividamento privado de empresas e pessoas físicas que, somado ao do Estado, supera os 3 trilhões de euros, ou seja 300% do PIB nacional.
Da indignação à alternativa
Participando ativamente das mobilizações do Movimento15 de Março, nas greves e protestos convocados pelos sindicatos contra os cortes sociais na educação e saúde, milhares e milhares de jovens, trabalhadores e aposentados, manifestaram nossa indignação e nossa disposição para lutar contra a Ditadura dos Mercados.
Cada vez somos mais trabalhadores que, com base em nossa própria experiência, vendo o que ocorre no resto da Europa, começamos a nos conscientizar que a cascata de contrarreformas aplicadas pelo governo Zapatero, com apoio da direita e do setor patronal, foi apenas o princípio. Por isso fica claro que não basta saber o que não queremos: é necessário nos dotarmos de uma alternativa programática e organizativa viável para a defesa dos nossos interesses.
Ou eles…ou nós
Frente aos oráculos dos governos, dos patrões e organismos internacionais, que não se cansam de proclamar que para evitar o caos, não há mais remédio além de acatar os desígnios do mercado e apertar o cinto, respondemos: “vossos cortes significam apenas mais desemprego e piores serviços, que por sua vez ocasionam menos salários, redução do consumo e uma menor arrecadação fiscal. Tudo isso, longe de solucionar o déficit, o agravará, empurrando ainda mais a economia à recessão.”
Temos que optar entre: nossos interesses, aqueles que com nosso trabalho diário produzimos as riquezas, ou o deles, a ínfima minoria de empresários, de banqueiros, de capitalistas, que capturam as riquezas do país e que continuam impondo sua receita de mais e mais cortes, com o único objetivo egoísta de manter seus privilégios. Ou eles, ou nós.
A resposta é clara. As centenas de milhares de famílias que têm todos seus membros desempregados, os nove milhões de pobres, os jovens precarizados e sem futuro, não podem esperar mais. É necessário lutar pela redução da jornada para 35 horas de trabalho semanais sem redução salarial, baixar a idade da aposentadoria para os 60 anos, com contratos especiais para os jovens, acabar com os despejos e realizar imediatamente um plano massivo de obras públicas e sociais.
Dizem-nos que não há dinheiro para pagar essas reformas
As quinze maiores fortunas do país controlam um capital total de 45.3 bilhões de euros, tendo crescido o número de ricos em 12,5 % apenas no ano de 2009. Calcula-se que há 143.000 famílias com patrimônios líquidos de mais de 700.000 euros. No entanto, em 2009 apenas 6.829 pessoas declararam à Receita uma renda superior a 601.000 euros anuais.
Longe de pagar mais aquele que tem mais, nos últimos 15 anos os impostos dos mais ricos foram reduzidos em 35 %.
Impostos de renda na Espanha representam apenas 32 % do PIB, enquanto que na Suécia representam 52 % e a média da União Européia supera os 40 %. Em outras palavras, seria possível arrecadar entre 100 e 200 bilhões de euros a mais somente se nivelassem os impostos dos ricos ao que pagam os demais europeus. Por outro lado, o gasto com a manutenção da dívida alcança 25 bilhões de euros anuais. Gastam-se bilhões do dinheiro público para sanear as contas para depois entregá-las para outro especulador mais forte.
Aqui estão os recursos! Caso os ricos se neguem a pagar, ou como têm feito em outros países diante de governos mais à esquerda, se realizam uma greve de investimentos com fuga de capitais, teremos que exigir a nacionalização dos bancos e colocá-los sob controle dos trabalhadores, nacionalizando as 100 maiores empresas listadas, com indenização aos pequenos acionistas em caso de necessidade comprovada.
Não é a Crise, é o Sistema
A conclusão a que se chega; o capitalismo em nível mundial está enfrentando uma crise estrutural e entrou em um período de queda que pode durar anos ou décadas, onde se combinarão anos de estagnação e retração econômica com outros de crescimento.
Os governos de direita e social democratas, os patrões, os banqueiros, buscam restaurar o equilíbrio de um sistema do qual derivam seus privilégios. Mas como estamos sentindo em nossa própria pele, para milhões de trabalhadores e nossas famílias, eles (os patrões e banqueiros) querem acabar com todos os elementos da civilização, um a um, os mesmos que nós trabalhadores conquistamos com lutas organizadas durante décadas.
Um sistema incapaz de fazer a sociedade avançar, que apenas pode nos oferecer sangue, suor e lágrimas, merece apenas ser jogado na lata de lixo da História.
Com base na experiência, através de derrotas e vitórias, avanços e refluxos, incluindo a reação, essa idéia se apoderará da mente de milhões, convertendo-se em força física inexorável para constituir um novo mundo socialista sem exploradores ou explorados.
Traduzido por Mário Conte