Esta é a historia do capitalismo no Paquistão. Apesar do atual aparente beco sem saída, as massas se levantarão para muito mais além do que podem imaginar os reacionários meios de comunicação do Paquistão.
Escrito em 17 de Setembro de 2007
CRISE DO CAPITALISMO NO SUBCONTINENTE INDIANO
O que existe por de trás dos acontecimentos no Paquistão? Por que o Supremo Tribunal eliminou a proibição que pesava sobre Nawaz Sharif que o impedia de regressar ao Paquistão para que, tão logo tenha pisado em solo paquistanês, foi imediatamente expulso pelo exército. Por que Benazir Bhutto (no exílio) e o ditador militar Musharraf tentam cegar a um acordo para governar o país no próximo período? Não podemos entender nenhuma destas manobras sem analisar o terrível pesadelo que sofre o povo paquistanês.
A Economia paquistanesa está em frangalhos, o tecido social do país está rompido, a guerra civil se propaga desde Waziristán até Baluchistán, Karachi sofre a agonia de um possível enfrentamento étnico e nacionalista. Uma vez mais, a opressão nacional se converteu em uma ferida aberta, o Estado perdeu sua coluna vertebral, a direção da oposição capitulou e tenta afastar a energia da resistência das massas, a cultura está destroçada, as relações humanas deterioradas, o cinismo domina a intelectualidade, as garras do obscurantismo ameaçam a sociedade, o liberalismo exala uma vulgaridade nauseabunda e a opressão social e econômica é angustiante para a vida humana.
Esta é a historia do capitalismo no Paquistão. Apesar do atual aparente beco sem saída, as massas se levantarão para muito mais além do que podem imaginar os reacionários meios de comunicação do Paquistão. É uma lei universal da sociedade de classes que a ondas da luta de classes possam sofrer um refluxo, porém sempre regressam para vingar-se e historicamente entram em cena quando as massas tentam tomar seu próprio destino em suas mãos.
A DESORDEM SE ACELERA
A ditadura militar do Paquistão oscila de uma crise em outra desde que chegou ao poder mediante um pacífico golpe de estado em Outubro de 1999. Por outro lado, desde então a turbulência e as convulsões se agravaram tanto que o regime agora se equilibra a beira de um precipício. O recente episódio do regresso de Nawaz Sharif, que foi duas vezes Primeiro-Ministro, depois de sua deportação para a Arábia Saudita, acrescenta mais lenha nos tumultuosos acontecimentos que sacodem o regime.
Nawaz Sharif é um magnata empresarial que entrou na política por meio de uma violenta ditadura de Zia nos anos oitenta, como recompensa pela massiva riqueza que caiu como chuva sobre os generais graças a sua família que se enriqueceu como os saques acumulados sob a despótica ditadura militar. É um político de direita que foi destituído pelo exército quando, submetido aos generais, tentava reafirmar seu poder. Sua base política compreende principalmente empresários e vendedores (comerciantes). Depois de ser destituído e confortavelmente exilado na Arábia Saudita, negociou com Musharraf, em nome da família real, a petição Clinton, porém caiu rapidamente no ostracismo político.
Ironicamente, foi Benazir Bhutto quem o colocou novamente em evidência, apresentando-o como um campeão da democracia, provocando um mal estar entre os ativistas do PPP. O motivo principal de Benazir formar uma aliança com o partido de Sharif era deter qualquer radicalização de esquerda dentro do PPP, e apresentar-se perante a “comunidade mundial” com uma política pró-mercado.
Porém, depois disso, os EUA obrigaram Benazir a buscar uma coalizão com Musharraf, isso porque não lhe restava outro remédio a não ser romper com Sharif. Porém, os partidos nacionalistas se aliaram a Sharif e formaram em Londres o APDM (Movimento Democrático de Todos os Partidos). Este movimento aumentou as tendências megalomaníacas de Sharif para as quais sempre tem sido vulnerável.
Ele pensava que seu regresso seria saudado por milhões de pessoas nas ruas e que o regime seria derrubado e renunciaria em seu favor. Isso não se deu. A maioria dos dirigentes de seu partido, principalmente capitalistas e terra-tenentes, abandonaram-no rapidamente, na mesma velocidade em que fora expulso do poder. Uniram-se a outra versão da Liga Muçulmana formada pelo exército, na linha de toda história política das ligas muçulmanas impulsionadas por cada uma das ditaduras militares.
Apesar de tudo não houve um levante das massas nem tampouco paralisia da sociedade, a resposta do regime de Musharraf foi igualmente desesperada e nervosa. A impressionante operação estatal posta em marcha por ocasião do regresso de Sharif demonstrou a natureza frágil e a rápida falta de confiança no regime de Sharif que regressou a seu luxuoso palácio na Arábia Saudita, porém as convulsões continuam pipocando no Estado e na sociedade paquistanesa.
Trotsky, em 1932, escrevia o seguinte sobre o regime russo em fevereiro de 1917: “O governo com seu desinteresse pelas massas, sua indiferença frívola para com suas necessidades, seu escracho insolente em resposta aos protestos e lamentações desesperadas lançadas por todos contra ele, fez parecer que o governo buscava um motivo para um enfrentamento”. Esta descrição ilustra fotograficamente a situação da crise que atualmente padece o regime paquistanês.
A crise é hoje muito mais intensa que em qualquer outro momento da história do Paquistão, nunca se viu tanta confusão, perplexidade e desconcerto na sociedade. Os meios de comunicação e analistas amplificam esta confusão. Reproduzem e acrescentam todo tipo de questões secundárias, tais como as crises do judiciário, a Mesquita Vermelha, o acordo Musharraf-Benazir, o regresso e re-exílio de Sharif, o uniforme do presidente, as declarações frívolas dos diplomatas norte americanos, apresentando-as como questões fundamentais nas mentes das massas. Porém o objetivo real destes analistas, junto com todos os escândalos, é ocultar o verdadeiro caos econômico e social que sacode a sociedade. A velocidade e intensidade destes explosivos acontecimentos são tais que, enquanto se produz um incidente em um lugar, imediatamente se produz outro em outro lugar. A rapidez dos acontecimentos é em realidade um símbolo da intensificação do mal-estar sócio-econômico que está corroendo toda a sociedade.
UM ESTADO FRACASSADO
A classe dominante paquistanesa fracassou desde seu nascimento. Hoje está pior do que em 1947. Uma das contradições importantes desta época é que as classes dominantes nos países subdesenvolvidos suportam a carga dos crimes e pecados do imperialismo mundial. Na realidade, é a lei básica deste sistema. Sob pressão cruel do imperialismo, estes estados não podem acumular uma grande quantidade de capital financeiro, porque o capitalismo monopolista não lhes permite nenhum tipo de concessão na encarniçada competitividade da globalização.
O Estado Paquistanês se enfrenta ao mesmo dilema. Ali onde vemos contradições explosivas no Estado e na política das classes dominantes, também vemos as mudanças de coalizões, compromissos e alianças em cada conjuntura. Quais delas não estabelecem relações íntimas (acordos) com um ou outro? Porém, por detrás de cada “acordo” existem interesses financeiros. Por detrás da islamizacão dos mulás está a necessidade de proteger o dinheiro dos mercados paralelos. NT: me parece que se refere aqui ao mercado dos comércios ilegais, drogas, armas, corrupções de toda ordem ). (Sem a proteção da agências estatais, os mulás nunca poderiam sonhar em conseguir o número de votos que obtiveram nas eleições gerais de 2002.
Esta rede criminal foi criada pela CIA para financiar a Jihad Afegã dos anos oitenta. Cada “acordo” do MQM (NT: Em Karachi, o maior partido político é o Muttahida Quiami Movement – MQM que representa a maioria dos residentes de Karachi, muculmanos que vieram da Índia para se instalarem no novo estado Paquistanês quando em 1947 conquistou sua independência) tinha como objetivo garantir a proteção de suas bandas que extorquiam em Karachi e em outras partes. O PML (N) (NT: as principais forcas opositoras são: o Partido Popular do Paquistão (PPP) de Benazir Bhutto e a Liga Muculmana-N (PML-N) de Nawaz Sharif) representa os grandes comerciantes, empresários e industriais que não conseguiram parte da pilhagem obtida nos últimos anos. Os dirigentes nacionalistas agora querem seus próprios pequenos mercados capitalistas “independentes” com o apoio dos EEUU. Por que o exército paquistanês lhes entregaria mercados quando eles podem explorá-los livremente para seu próprio benefício?
Quando o exército não estava tão profundamente implicado com o capital financeiro, a história era diferente. Porém, depois do regime de Zia.ul-Haq, a penetração do capital financeiro dentro do exército converteu-se em uma fonte de discórdia dentro do mesmo. Este processo é o responsável pela decadência interna e pela debilidade da disciplina militar.
A satisfação das crescentes demandas dos exploradores e a superação dos déficits dos gastos públicos tem como base as exigências do Banco Mundial e do FMI. Estas instituições imperialistas acumularam esta riqueza por meio de saques e explorações das massas da África, Ásia e América – latina. Portanto, quando estas instituições concedem empréstimos ou “ajudas” aos agentes locais o fazem sob condições e termos brutais. Esta situação converte a elite local em serviçal do imperialismo. No Paquistão, a maior parte da pilhagem é executada pelos monopólios imperialistas e pelas instituições financeiras internacionais, em convivência com o exército e a elite.
O capitalismo alcançou um ponto que já não pode justificar sua própria existência. Não somente do ponto de vista comercial como também do ponto de vista social. Tem que recorrer a uma exploração violenta e a uma opressão sem precedentes.
A situação da economia é miserável. O aumento da taxa de crescimento realmente significou uma redução nos níveis de vida da grande maioria da empobrecida população. Devido à intensidade desta crise, as armadilhas, a corrupção, a fraude, produziram um erosão endêmica nos vários setores sociais e na vida em geral. O agravamento das tendências em direção ao lumpezinato com o aumento da criminalidade, o derramamento de sangue, a insegurança e o saque devido à corrupção e à degeneração social, tomaram como refém a vida social urbana.
O aumento intenso da pobreza, as doenças, o desemprego, o analfabetismo, a alta de preços e a falta de higiene, pioraram rapidamente as condições de vida das massas, levando à asfixia cultural, ao obscurantismo, à alienação e à frustração. A razão principal desta apatia se deve ao fato de que não existe um partido ou direção política que ofereça uma solução ou saída real para acabar com a miséria.
O apetite pela ganância da burguesia alcançou tal intensidade que saqueiam a riqueza do país em níveis sem precedentes, inclusive para um país corrupto como o Paquistão. Nos últimos 3 anos, o setor da classe dominante no poder pediu empréstimos avaliados em 33.000 milhões de rúpias e, ao mesmo tempo, receberam ajudas de 24 milhões de rúpias. Esta roubalheira flagrante de 57 milhões de rúpias foi em beneficio de 1122 senhores feudais, industriais e empresários. Somente entre 11 empresários, em 2003, foi realizada uma roubalheira de 12.300 milhões de rúpias.
Há uma grave crise na balança de pagamentos, com um dos maiores déficits da história e também nas contas correntes. A dívida externa é de 40.172 milhões de dólares. Esta situação se deu apesar do nível recorde de remessas enviadas por emigrantes paquistaneses, 6.500 milhões de dólares, e também com um nível recorde de investimentos diretos do exterior com 64 bilhões de dólares. Atualmente, 78% da população vive com menos de 2 dólares ao dia, 82% da população não tem rede de esgoto, 68% das doenças tem origem na pobreza, 54% das crianças não podem ir à escola. O gasto com higiene e saúde pública em 98/99 foi de 0,7% do PIB, em 2005/2006 caiu a 0,5%, o mais baixo do mundo. Em 99/2000 os gastos com educação foram de 2% do PIB, em 2005/006 caiu a 1 %. É assim que a miséria e o sofrimento se estendem por essa terra.
A privatização, o fechamento de fábricas, a liberalização, a reestruturação, o sistema de trabalho, o desemprego forçado e outras políticas selvagens estão oprimindo brutalmente a classe operária. Este caos social, a corrupção e os saques também criam enormes fissuras e contradições dentro das instituições estatais. A classe dominante do Paquistão devido a seu atraso histórico, escassez tecnológica e financeira, tem dificuldades para sobreviver na época atual da globalização. Nesse processo, classe dominante depende tanto das instituições estatais, especialmente do exército, que depois dos monopólios imperialistas, o exército paquistanês é o maior empresário financeiro e industrial do país. Mais de 25% da economia e de propriedade da elite militar. A explosão da crise interna em diferentes instituições do Estado, incluindo o exército, basicamente é reflexo do conflito entre diferentes interesses financeiros. Sobre a superfície parece que é um conflito entre os fundamentalistas islâmicos e as frações liberais, porém na realidade é uma batalha pelo troféu decorrente da pilhagem. Tanto as tendências políticas liberais como as fundamentalistas, repousam sobre a mesma base econômica do capitalismo.
A ameaça fundamentalista?
Nas regiões fronteiriças do Paquistão temos o fenômeno da “talibanização”, que se intensifica mais desde o começo da última crise política. Quando a população foge de suas aldeias para escapar dos fanáticos armados, o Estado é incapaz de protegê-la e, por essa razão, perde rapidamente sua autoridade. A rendição de uns 300 soldados e oficiais no Waziristao do Sul a um punhado de talibans é somente um exemplo. Para além dos talibans existe também uma raiva contra o exército, o que poderia expressar-se em uma perda da moral entre as tropas.
Enquanto a aterrorizada cúpula militar insiste em que Maulana Fazl ur Rehman, que dirige o Jamiat Ulema-i-Islam (JUI) tome parte de um futuro governo, que esteja encabeçado por Benazir Bhutto e pela Liga Muçulmana de Paquistão, o JUI está por detrás do renascimento dos talibans tanto no Paquistão como no Afeganistão, e o motivo disso são as grandes somas de dinheiro que move o trafico de drogas e outras atividades criminais utilizadas pelos talibans para financiar seu Yihad .
Se o JUI participa em um futuro governo paquistanês, então é impossível imaginar que o governo possa fazer algo contra os talibans. Isto obrigou Musharraf a correr com suas lebres e capturar os cães de caça, para desgosto dos norte-americanos. Esta política contraditória agora está decolando.
O pior dos cenários, uma insurgência fundamentalista, parece que por agora não vai se produzir. Sem dúvida, a possibilidade de que os partidos islamitas vençam nas eleições gerais e tenham a oportunidade de transformar o Estado e a sociedade, parece muito remota. Normalmente, caem sem vapor muito antes do que gostariam os imperialistas. Seu valor nunca se iguala a seu barulho. Embora isso não queira dizer que não compreendamos o dano e o caos que podem causar a esta sociedade capitalista decadente e nesse Estado em desintegração. Na realidade, este fundamentalismo islâmico é produto e a essência destilada do corrompido capitalismo paquistanês.
Entre as colunas do exército, aumenta a desconfiança, existe suspeita de esgotamento (prostração) devido ao aumento da riqueza da elite militar. Nas zonas tribais fronteiriças com o Afeganistão, morreram mais de 1.000 soldados em uma guerra inútil e reacionária do imperialismo estadunidense. A deserção do pessoal da segurança aumentou como conseqüência destas baixas. Centenas de policiais da fronteira desertaram, mais de 3.000 desertores do exército paquistanês estão encarcerados na prisão de Attock Fort. Esta situação aumentou a pressão sobre as camadas superiores do exército e a posição de Musharraf debilitou-se. Esta é a razão para que os norte-americanos queiram fortalecê-lom conseguindo o apoio de Benazir. Porém esse acordo têm suas próprias complicações e obstáculos.
A tragédia da tradição
O PPP foi formado no final dos anos 60 como resultado de una insurreição revolucionária dos trabalhadores e camponeses desse país. Agora se vê arrastado a uma economia de mercado capitalista onde toda ideologia tem um preço. Um incidente histórico interessante que deveria aparecer nos livros ocorreu durante esta crise: um ditador reuniu-se com um líder no exílio o qual ele mesmo havia exilado. Este incidente não só assinalava a impotência dessa ditadura peculiar, mas também a hipocrisia e a covardia da “resistência” e “luta” dos dirigentes políticos.
Não obstante, não é a primeira vez que Benazir Bhutto chega a um acordo com um ditador militar. Em 1984 abandonou o Paquistão devido a um acordo com o general Zia ul Haq, que foi negociado por seu amigo e um importante sócio da administração norte-americana: Peter Galbraith. Igualmente, seu regresso em 1986 e a chegada posterior ao poder em 1988, foi conseqüência de “acordos” com o exército auspiciado pelo imperialismo norte-americano. Com cada um destes acordos, o PPP foi se afastando de seus princípios socialistas de origem e Benazir tem tentado apresentar-se como uma estadista mais capacitada para desviar os movimentos das massas e proteger os interesses do imperialismo e do capital financeiro.
Porém, com este “acordo”, tanto Benazir como Musharraf apostam demasiado alto. Benazir está consciente do descontentamento que ela provoca entre seus seguidores com estas ações. Musharraf, por outro lado, se enfrenta ao dilema de como desmantelar as estruturas políticas nas quais se baseiam os políticos, os feudalistas, os capitalistas e os oportunistas de direita. O único deus no qual crê é no poder. No caso de perder o poder estatal, toda sua estrutura de pilhagem e de enriquecimento colapsaria. Deste modo, embora sua base eleitoral esteja principalmente patrocinada pelo Estado, também procura dissuadir Musharraf para que não chegue a um acordo com Benazir.
Por esta razão, esse acordo há de se enfrentar a múltiplos obstáculos. Os estadunidenses estão pressionando a ambas as partes para que cheguem a um acordo. Benazir utiliza as palavras e as lutas contra “o extremismo para promover a moderação” para tentar argumentar sua conversação secreta com Musharraf, esta posição conta com o apoio da Casa Branca.
Em uma entrevista aparecida no Washington Post em 26 de agosto, ela dizia: “a comunidade internacional e as forças armadas têm confiança em Musharraf”.
A “comunidade internacional” é um eufemismo de Bhutto para se referir à administração norte-americana. Principalmente quer dizer à Casa Branca que o apoio econômico, militar e público a Musharraf é visto com una mescla de assombro e zelo por parte de Benazir.
Sua declaração, que provavelmente também é bastante exata, é que é improvável que a Casa Branca deixe de apoiar a Musharraf. Sua mensagem vai dirigida à audiência norte-americana para que apóie a Benazir junto a Musharraf. Washington pode ter o melhor de ambos os mundos, e assim eliminar a marca de “extremismo” que assola o Paquistão e a região. Ao mesmo tempo, ela tenta representar una farsa democrática.
Reconhecendo o papel dos EUA na política de poder e influências no Paquistão, Bhutto em uma entrevista concedida ao canal de televisão PBS, em 21 de agosto, não tem escrúpulos em dizer: “Os manteremos informados [aos norte-americanos] e certamente estão colaborando com todos os partidos políticos do Paquistão”. Na entrevista do Washington Post ela declara abertamente: “Queremos estabilidade no Paquistão, eleições justas e o general Musharraf é nosso aliado”. Pretende lutar mais eficazmente contra os extremistas que Musharraf; se ela regressa ao poder em um futuro próximo quer que Musharraf esteja ao seu lado, porque ela não quer que as forças de segurança se ponham em sua oposição quando ataque a militância interna.
Ao mesmo tempo, está preocupada com a perda de apoio das massas devido a este compromisso corrupto que tenta conseguir com a ditadura militar. Em uma entrevista publicada pelo periódico londrino The Observer em 9 de setembro, Benazir Bhutto dizia que sua campanha se inspiraria na velha consigna do Partido do Povo do Paquistão (PPP): “Comida, roupa e moradia”, e acrescentava: “Representamos os que não têm privilégios, os camponeses, mulheres, jovens, as minorias, e a todos aqueles que foram esquecidos pelas elites governantes”.
A palavra “proletariado”, sem dúvida, está ausente nestes setores da sociedade, os quais pretende representar. Da mesma forma, nunca tolerou os princípios de fundação do partido. O documento fundacional do PPP diz claramente: “A política do partido é conseguir uma sociedade sem classes que em nossa época somente é possível com o socialismo”. Benazir sente calafrios frente a esta perspectiva.
Justamente uma semana antes da entrevista, declarou seu “pleno apoio” a OTAN no Afeganistão e que o “Paquistão permaneceria como um firme aliado dos EUA” se ela chegasse ao governo.
Estas declarações contraditórias demonstram o desespero quando perde rapidamente apoio entre as massas e nas bases do PPP se estende o ressentimento devido a sua intenção de fazer acordo com a ditadura de Musharraf.
A situação dentro do PPP está em baixa. A pouca vida política interna está prostrada. A maioria dos ativistas e dirigentes forma doutrinados e formados com a percepção de conseguir benefícios pessoais, econômicos e outros tipos de dividendos e privilégios. Por essa razão não há muita atividade atualmente no seio do partido. Porém, quando Nawaz Sharif foi deportado pela força, o mesmo aparato de estado facilitaria a Benazir um tranqüilo regresso a casa, esta situação não será boa para sua sorte política no partido. Benazir estaria então muito desacreditada nesse cenário e por essa razão é possível que retarde sua volta.
É verdade que o PPP foi o partido tradicional das massas exploradas do Paquistão desde a revolução de 1968-69, porém, algumas vezes, a tradição dos trabalhadores, nas palavras de Marx: “pesa como uma montanha” na consciência do proletariado. Esta tradição tem algo de podre e de corrompida, porém devido à ausência de uma força revolucionária no horizonte político do país, as massas ainda não possuem uma alternativa. Já que enquanto os acordos e compromissos de Benazir com o capitalismo e seu aparato militar tenham provocado uma regressão política e certa confusão, o PPP segue sendo a única expressão de massas aos trabalhadores e camponeses do Paquistão.
Quando o PPP chegar ao poder, terá muitas dificuldades para implantar o programa que Benazir e os estadunidenses pretendem implantar. Os norte-americanos não querem um acordo Musharraf-Benazir para esmagar o “extremismo islâmico” nem tão pouco instalar um “regime democrático”. O que realmente ocorre é que estão aterrorizados ante a possibilidade de um movimento dos trabalhadores contra esta política capitalista desastrosa. Já viram o potencial desse movimento na greve dos trabalhadores do setor de telecomunicações em 2005 e na luta das siderúrgicas do aço 2006.
Por esta razão, este ataque imperial preventivo através do acordo de Musharraf-Benazir não funcionará. Podem conseguir o contrário e provocar que estale toda a fúria e repulsa que se está acumulando há anos. Depois do fiasco de Sharif em Islamabad em 10 de setembro, Benazir está mais preocupada com seu “acordo”. Regressar ao Paquistão, com o consentimento do exército, quando Sharif tenha sido expulso, não trará muito benefício para sua reputação e poderia debilitar sua capacidade para influir nas massas. Com o passar do tempo a frustração aumenta ante seu acordo fracassado com Musharraf e está cada vez mais nervosa e recorre a uma postura antagônica, adotando uma posição contra o regime e Musharraf. Embora isso possa agradar as massas, só traria um alívio temporário, porque este movimento seria mais complicado frente às pressões do imperialismo norte-americano.
Nestas circunstâncias difíceis, as tarefas dos marxistas estão claras. Ë vital que os revolucionários trabalhem junto aos trabalhadores e às massas exploradas nessas condições tão difíceis e adversas impostas por refluxos na evolução histórica. O papel da direção do PPP não difere da que tem os dirigentes sociais democratas na Europa e em outras partes. Pedem-lhes que utilizem sua autoridade para moderar as lutas dos oprimidos e conter suas aspirações revolucionárias. Lutando junto às massas nestas condições tão terríveis, os marxistas podem dirigi-las quando mudar a maré e o proletariado empreenda uma direção revolucionária.
Lênin deixou bem clara essa relação entre a vanguarda revolucionária e a classe operária: “Se queres ajudar as ‘massas’ e ganhar-lhes a simpatia e o apoio, não deves temer as dificuldades ou provocações, insultos e perseguições por parte dos ‘dirigentes’ (que por serem oportunistas e socialchovinistas estão, em muitos casos, direta ou indiretamente vinculados à burguesia e a polícia), pelo contrário, deves em qualquer caso trabalhar sempre onde estejam as massas. Tens que ser capaz de qualquer sacrifício, de superar os maiores obstáculos, para poder fazer propaganda e agitação sistematicamente, perseverantemente e persistentemente nessas instituições, sociedades e associações, inclusive nas mais reacionárias onde estejam as massas proletárias ou semiproletarias”. (Lenin. A enfermidade infantil do “esquerdismo” no comunismo. Madrid. Fundación Federico Engels. 2005. pp. 16-17)
Uma insurreição revolucionária de massas no próximo período no Paquistão, eclipsaria inclusive a revolução de 1968-69 que criou e deu forma à tradição do PPP. Estes movimentos têm um caráter emblemático, criam novas tradições revolucionarias que podem mudar a sociedade, modificar o destino e transformar a historia. Uma tendência revolucionária pode jogar um papel decisivo nesses acontecimentos.
Inclusive com forças relativamente pequenas do marxismo revolucionário no Paquistão, como fator subjetivo, pode dar organização e direção a este movimento. Uma insurreição revolucionária pode afundar o capitalismo, destruir as raízes do fundamentalismo e obscurantismo religioso, romper com os grilhões do feudalismo e eliminar a submissão à dominação das cadeias das forças imperialistas e da exploração.
Este destino somente poderá ser conquistado com a revolução socialista. Uma vitória socialista no Paquistão abriria as portas a acontecimentos revolucionários em todo o sob continente asiático, desde Afeganistão até a Birmânia, onde as massas já estão em ebulição e dispostas às transformações socialistas na sociedade.