Em 20 de fevereiro Jair Bolsonaro apresentou ao Congresso Nacional a Proposta de Emenda Constitucional que visa alterar de forma significativa as regras previdenciárias estabelecidas na Constituição.
A imprensa burguesa festejou a PEC de Bolsonaro e Paulo Guedes como um grande acontecimento nacional. Como algo tão necessário que não admite qualquer crítica.
Desde a promulgação da atual constituição, em 1988, esta é a reforma mais profunda no sistema previdenciário e, sem dúvida, juntamente com a reforma trabalhista de Temer, a maior devassa sobre os direitos dos trabalhadores praticada por um governo.
Em 1988 foi instituído o sistema de seguridade social, fundado no tripé saúde, assistência e previdência social. Este sistema estaria fundado na pluralidade das fontes de custeio, possuindo ainda um caráter de universalidade, especialmente no que toca à saúde. Quanto à previdência social, a constituição estabeleceu regras básicas para o regime geral (INSS) voltado para os trabalhadores celetistas e regras para os regimes próprios de previdência social, destinados aos servidores públicos da União, dos estados e municípios.
Mas a partir de 1998, no governo de Fernando Henrique Cardoso, os direitos dos trabalhadores, em matéria previdenciária, passaram a sofrer fortes ataques. Sob o argumento de reduzir o déficit no sistema, FHC propôs uma alteração que, entre outras disposições, pretendia eliminar a aposentadoria por tempo de serviço e instituir idade mínima para homens e mulheres (65 e 60 anos). Por apenas um voto, esse ponto da reforma não foi aprovado, uma vez que não foi atingido o quórum necessário no Congresso Nacional para alterar a Constituição.
Embora não tenha conseguido alterar como pretendido a constituição naquele momento, logo a seguir FHC apresenta uma mudança na lei ordinária que disciplina o regime geral de previdência social. O projeto de lei foi aprovado, o que resultou na instituição do fator previdenciário. Assim, mesmo não havendo a obrigatoriedade de implementação da idade mínima, o fator previdenciário provoca uma significativa redução no valor dos benefícios para aqueles trabalhadores que se aposentam com idade abaixo dos 60 anos, mesmo tendo contribuído durante 35 anos.
No ano de 2003, no governo Lula, outra reforma importante foi implementada através da Emenda Constitucional nº 20. Esta reforma atingiu em cheio os servidores públicos que, a partir de então obrigaram-se a implementar idade mínima (65 anos para homens e 60 anos para mulheres), além da alteração no critério de cálculo do valor dos benefícios.
Porém, nenhuma reforma foi capaz de trazer tantos prejuízos ao conjunto dos trabalhadores, como esta apresentada por Paulo Guedes. Procuramos demonstrar como isso ocorre, levando em consideração apenas alguns aspectos da PEC.
A desconstitucionalização e a implementação do sistema de capitalização
Alterar a constituição não é tão fácil como alterar uma lei. Para alterar a constituição é necessário que se obtenha um quórum qualificado que, normalmente, possui um custo muito alto no balcão de negócios do parlamento. Por isso nem tudo está regulamentado na PEC. Por exemplo, a nova redação do artigo 201-A da constituição prevê que “Lei complementar de iniciativa do Poder Executivo federal instituirá novo regime de previdência social, organizado com base em sistema de capitalização, na modalidade de contribuição definida, de caráter obrigatório para quem aderir, com a previsão de conta vinculada para cada trabalhador e de constituição de reserva individual para o pagamento do benefício […]”.
O que ainda não aparece de forma tão clara no texto da PEC é um dos seus principais objetivos, pois, se há um grande interessado na chamada “nova previdência” de Bolsonaro/Guedes é o sistema financeiro. Será ele o grande gestor do sistema de capitalização.
Paulo Guedes não se cansa de elogiar o regime de previdência instituído pela ditadura chilena de Augusto Pinochet. O ministro de Bolsonaro estudou no Departamento de Economia da Universidade de Chicago (EUA), berço dos monetaristas e, no início dos anos 1980, lecionou na Universidade do Chile, época em que foi implantado o atual regime previdenciário naquele país. Guedes glorifica o Chile como a “Suíça da América do Sul”, mas o sistema chileno implantado por um regime assassino pode ser considerado como um dos mais cruéis do planeta.
O atual sistema brasileiro é conhecido como sistema de repartição, fundado na solidariedade entre gerações. Ou seja, a geração que trabalha mantém os benefícios da geração anterior. No sistema de capitalização cada trabalhador mantém uma poupança individual, administrada por bancos ou fundos de pensão, é financiado apenas pelo trabalhador e o benefício não possui valor definido. Ao final de muitos anos de contribuição a aposentadoria será o resultado das aplicações financeiras do gestor. No Chile, cerca de 90% dos trabalhadores que se aposentaram pelo regime atual estão recebendo menos de um salário mínimo daquele país! Em contrapartida, os gestores deste sistema abocanham fatias cada vez mais gordas do PIB chileno.
O sistema de capitalização, mesmo que implementado de forma gradual, acaba por causar déficit no sistema público, pois, parte das contribuições que iriam para o regime público seriam agora desviados para os gestores privados.
Idade mínima
A PEC propõe idade mínima para aposentadoria: 62 anos para mulheres e 65 anos para homens. Além disso, mesmo para aposentadoria por idade, passam a ser exigidos, no mínimo, 20 anos de contribuição, ao contrário dos 15 atuais.
De acordo com o IBGE, a expectativa de vida do brasileiro chegou a 76 anos no ano de 2018. Porém em alguns Estados da federação esta expectativa é bem menor. Os homens, no Maranhão e no Piauí, segundo o IBGE, possuem expectativa de vida em torno dos 67,1 anos. Isso, na prática, significa retirar o direito à aposentadoria da parcela mais empobrecida da população.
Além disso, é possível prever a dificuldade que essas pessoas com idade mais avançada terão para encontrar uma posição num mercado de trabalho cada mais restrito.
Os servidores públicos também foram duramente atingidos, inclusive aqueles que ingressaram no serviço público até 31/12/2003, que haviam sofrido com as consequências da reforma daquele ano. A Emenda Constitucional nº 41 de 2003 acabou com a possibilidade dos servidores se aposentarem com proventos equivalentes à última remuneração, mas ressalvou o direito daqueles que haviam ingressado na carreira até aquela data.
O texto da PEC não respeita mais este direito adquirido. De acordo com a proposta os proventos de aposentadoria destes servidores será equivalente à totalidade da remuneração do servidor público no cargo efetivo em que se der a aposentadoria, para o servidor que tenha ingressado no serviço público até 31/12/2003 e que se aposente aos 62 anos de idade, se mulher, e aos 65 anos de idade, se homem (art. 3º, § 7º, da PEC).
Como o sistema capitalista enfrenta o envelhecimento
O sistema capitalista despreza as pessoas mais velhas. Ao invés de serem respeitadas e reverenciadas, são consideradas como um problema, já que não mais produzem e nem consomem o suficiente para os padrões capitalistas.
Os analistas burgueses, que contam com ampla publicidade nas empresas de comunicação, falam da necessidade absoluta da reforma da previdência e apontam como um dos maiores problemas o envelhecimento da população. De fato, dentro do sistema não há muitas alternativas. Mas é bom lembrar que a ciência e a tecnologia desenvolvidas pela humanidade nos últimos séculos permitem a produção de bens e serviços suficientes para atender todas as necessidades da população. Permitiria ainda que homens e mulheres trabalhassem cada vez menos e aproveitassem plenamente o que a vida tem de melhor. Ocorre que no capitalismo toda a produção se transforma em mercadoria, portanto, para atender os interesses do mercado e não da humanidade.
Se o atual sistema previdenciário é inviável, sob a ótica dos capitalistas, é necessário reafirmar que inviável é o próprio capitalismo. A luta contra a Reforma da Previdência, necessariamente, é a luta contra o capitalismo.