O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, disse orgulhosamente em entrevista para o jornal O Globo que atiradores de elite da polícia (“snipers”) já estão aplicando a pena de morte para aqueles criminosos que portam fuzis. Witzel afirmou que o abate de criminosos está ocorrendo de maneira discreta e sem divulgação. Que tipo de novidade essa declaração traz para o estado do Rio de Janeiro e para o Brasil?
Vejamos alguns desenvolvimentos históricos da política de execuções extralegais por parte do Poder Executivo. Durante a ditadura civil-militar brasileira, 1964-1985, aqueles que não se dobravam ao discurso desenvolvimentista do regime deveriam deixar o país. O slogan “Brasil, ame-o ou deixe-o” era claro, mesmo que deixar o Brasil significasse tentar ser convencido disso por sessões de tortura ou ser levado a deixa-lo em vida com uma bala na nuca. Após a redemocratização e com o nascimento da Nova República (1988), a atuação de uma polícia assassina e autoritária nos bairros pobres era visto como um excesso que deveria e poderia ser combatido, excessos estes herdados de um regime militar ainda recente. Os assassinatos nas favelas e a perseguição aos negros continuavam, mas com um verniz democrático dado pelos governantes eleitos, que diziam estar fazendo de tudo para combater a parte corrupta e os grupos de extermínio das instituições policiais.
Portanto, durante a ditadura civil-militar, os assassinatos extralegais eram legitimados por um discurso moral do Estado de combate aos inimigos do “progresso”, aos comunistas, aos criminosos e vagabundos. A moralização era sustentada pelo crescimento econômico. Já após 1988, a pena de morte extralegal era encoberta pela esperança em torno de promessas de que as instituições burguesas poderiam ser democratizadas, inclusive a polícia.
A Nova República surgida em 1988 faliu, e o Rio de Janeiro hoje se tornou a vanguarda do processo de destruição econômica e política que tende a se espalhar por todo o país, no qual os próprios poderes do Estado se desmantelam estruturalmente e em legitimidade diante do povo. Grupos paramilitares de milicianos comandados por agentes corruptos do Estado e grupos de narcotraficantes crescem e disputam territórios. Os grupos de milicianos já dominam ¼ do estado, e se adicionarmos a este dado os territórios dominados pelo narcotráfico podemos chegar a metade do estado controlado territorialmente por criminosos que negociam diretamente ou são compostas por agentes corruptos do Estado. Ou seja, metade da população do Rio de Janeiro vive um Estado de exceção não declarado oficialmente.
A barbárie cresce, e o Poder Judiciário tenta estancar a sangria colocando na cadeia ex-governadores e dezenas de parlamentares. Parlamentares e candidatos nas eleições são ameaçados ou assassinados. Contudo, a cada dia vemos como a repressão, mesmo que ataque a corrupção dentro das instituições burguesas, não pode pôr fim àquilo que é resultado de um processo histórico de decadência do capitalismo. O que vemos é uma crise econômica que avança destruindo tudo aquilo que foi prometido em 1988.
A burguesia mostrou seu atestado de incompetência para democratizar um país atrasado como o Brasil. A declaração do governador Witzel marca o nascimento de uma época em que a ditadura de classe e a sangria institucional estão expostas para quem quer e quem não quer ver. Marca principalmente uma época em que o texto da lei foi abandonado publicamente pelos próprios governantes, que não veem mais como proteger a república com a utilização dessa lei. Garantir a lei e a ordem é tarefa ultrapassada. Agora é necessário, antes de tudo, garantir a ordem. É preciso trazer a estabilidade necessária para que os capitalistas prossigam em seus negócios, mantenham seus lucros e a circulação de mercadorias sem serem impedidos ou taxados pelas gangues de paramilitares, sejam elas quais forem.
Grandes empresas são forçadas a contratarem proteção ou imunidade das próprias gangues caso utilizem seus territórios. O combate pela ordem pública – ordem da estabilidade da exploração do trabalho pelo capital – agora é travado com métodos da própria barbárie. A diferença é que a pena de morte, antes moralizante e depois mascarada, passou a ser na mão do governador do Rio de Janeiro a política oficial do Poder Executivo.