Abriu-se um conflito público inédito na história do PSOL. Enquanto o Brasil é tomado por panelaços quase diários que se unem aos gritos de Fora Bolsonaro, enquanto um descontentamento crescente com as ações do governo no combate à Covid-19 abrem possibilidades para conquistar e organizar a juventude para lutar pelo socialismo, a Direção Nacional do PSOL decidiu abrir fogo publicamente em oposição a deputados e correntes do partido que protocolaram na câmara de deputados um pedido de impeachment contra Bolsonaro.
A polêmica, entretanto, é contraditória. Como defender que o presidente da república seja retirado de seu posto, argumentando, em um documento de impeachment2, que ele é contra a Constituição, se esta mesma Constituição, toda emendada por PECs que a tornam cada dia mais reacionária, é utilizada pelo governo como um instrumento para esmagar os trabalhadores? E por que a Direção Nacional do PSOL se opõe ao impeachment proposto por alguns de seus deputados se defende publicamente a palavra de ordem “Fora, Bolsonaro!”? O escândalo que se mostrou a partir da nota da Direção Nacional, com milhares de comentários furiosos e militantes se agredindo nas redes sociais1, somados à situação interna de fragmentação acelerada das correntes, mostram ao público ótimas táticas de desmobilização e de implementação do caos nas fileiras de militantes, filiados, e apoiadores.
Curiosamente, em 2019, ambos os lados da disputa esbravejaram contra a Esquerda Marxista e contra a palavra de ordem “Fora, Bolsonaro”. Neste período só sabiam repetir a seguinte pergunta: “se tirar Bolsonaro, e o Mourão?”, como se para nós tirar Bolsonaro fosse uma simples questão sobre quem ocupa a cadeira do poder executivo no Estado burguês. Pasmem, qualquer um que ler hoje o documento do pedido de impeachment verá que ele não é um pedido de cassação da chapa Bolsonaro-Mourão. O nome de Mourão nem é citado! Se a questão fosse fazer bom uso do parlamento burguês, agora nós que perguntamos: “e o Mourão?”. Diferentemente dos comunistas, que desde 2019 sabem responder a essa pergunta porque reconhecem a luta de classes e acreditam na força da classe trabalhadora, a resposta a esse questionamento agora pode ser dado pelo silêncio ou pelo o velho etapismo que sempre busca acalmar as almas repetindo o mantra “um passo, depois o outro” (primeiro tiramos Bolsonaro, depois Mourão).
De maneira prática, é improvável que o presidente da câmara, Rodrigo Maia, aceite o impeachment e coloque-o a voto. Mesmo que aceite, é uma aventura substituir os métodos da classe trabalhadora, como greves, manifestações de rua, construção de assembleias e comitês de luta, por medidas parlamentares ou administrativas. Pelo contrário, o parlamento burguês tem todos os seus potenciais ou limitações dadas pela luta de classes e pela situação econômica. Um comunista no parlamento ou no comando de um partido precisaria usar o aparato não como um fim em si mesmo, mas como um instrumento para animar e apoiar a classe trabalhadora, para que ela siga utilizando seus próprios métodos de luta e conquiste o poder político.
A história já demonstrou o fracasso do reformismo ou do “parlamentarismo de esquerda” por inúmeros exemplos, desde Kautsky e Berstein, levando a social-democracia alemã a defender a guerra imperialista, passando pelas frentes populares de Stalin, que governaram com a burguesia para impedir que processos revolucionários ameaçassem a hegemonia da burocracia soviética, até a recente adaptação parlamentar do PT e sua implosão como um partido operário independente. No lugar de formar líderes da classe trabalhadora, o parlamentarismo de esquerda formou e continua formando gerações de oportunistas buscando seu “lugar ao sol”.
Os oportunistas mudam ou aderem com grande flexibilidade às palavras de ordem de acordo com a impulsão em número de votos nas próximas eleições, evitando sempre tomar medidas contra a ordem estabelecida, porque elas também ameaçam a ascensão pessoal e seus aparelhos (gabinetes parlamentares, partidos, secretarias de governo, etc.). Em mais ou menos tempo os oportunistas tornam-se adoradores da ordem, do “Estado Democrático de Direito”, e defensores convictos da burguesia e do imperialismo. Vejamos dois trechos com afirmações do presidente do PSOL, Juliano Medeiros3:
“O consenso liberal em torno da austeridade fiscal e do desmonte do Estado levou a humanidade a riscos inimagináveis. No seu lugar, precisamos de um amplo pacto social em defesa do Estado e suas ferramentas de proteção aos mais vulneráveis” (Juliano Medeiros, presidente do PSOL, para a Revista Forum)
O que seria um pacto social em defesa dos vulneráveis? Colocar Trump, Bolsonaro, os empresários e as centrais sindicais em uma mesa de negociação para “defender os vulneráveis”? No momento em que a situação política carrega o potencial de solidificar os laços entre os militantes e impulsionar mais debates – mesmo que online durante a quarentena –, ajudando assim a conquistar novos corações e mentes para o PSOL, o que reina internamente é o caos e a defesa deslavada da ordem burguesa. Pouco há de marxismo e de revolucionário na maneira que se constrói o PSOL.
As organizações reformistas ou centristas que se limitam às fronteiras nacionais e alimentam ilusões neste sistema econômico e político, que pedem “pactos sociais” entre trabalhadores e burgueses, tendem a desaparecer. A fúria que se expressa na luta de classes e nos choques de consciência produzidos pelo desemprego, pela fome ou por acontecimentos conjunturais dramáticos, entretanto, está colocando as massas à esquerda do PSOL. Hoje o partido fala “Fora, Bolsonaro” porque é impossível não chamar essa palavra de ordem diante dos milhões que gritam. Ser publicamente pela permanência do Bolsonaro até as próximas eleições seria hoje um escândalo. Portanto, o “Fica Bolsonaro” precisa ser mais sutil. O discurso do “pacto social”, da unidade nacional, da defesa das instituições e da Constituição serve a esse objetivo como uma luva.
O fogo cruzado interno do PSOL entre os que apostam numa saída institucional para a crise via impeachment e aqueles que são contra o impeachment gritando “Fora, Bolsonaro” não pode distrair os revolucionários. A divisão do partido é a expressão do momento mundial explosivo que entramos. Estamos em um novo período de guerras, revoluções e contrarrevoluções4, fruto da crise aguda do modo de produção capitalista antecipada pela pandemia do novo coronavirus.
A classe trabalhadora, diante dos grandes ataques da burguesia e seu governo, irá sim lutar pelo Fora Bolsonaro, quem mostra por suas medidas estar ao lado dos burgueses e da austeridade. Cabe aos comunistas adicionar a essa luta espontânea contra Bolsonaro o elemento político essencial para a vitória: é preciso construir um Governo dos Trabalhadores, sem patrões nem generais. A Esquerda Marxista, seção brasileira da Corrente Marxista Internacional, prepara-se desde já para a revolução vindoura, atraindo jovens, trabalhadores e operários para construírem um partido internacional da revolução e estudarem a teoria marxista.
A verdadeira linha divisória que está voltando a se desenhar em todo o mundo é entre aqueles que confiam na classe trabalhadora e em seus métodos, os comunistas, e aqueles que defendem abertamente a burguesia e seu velho Estado contra a classe trabalhadora, os contrarrevolucionários de “esquerda” e de “direita”.
Referências:
1 https://www.instagram.com/p/B96fBY9poz2/
2 https://static.congressoemfoco.uol.com.br/2020/03/Impeachment.pdf