O governo do Estado moderno é apenas um comitê para gerir os negócios comuns de toda a burguesia[1].
As classes vão desaparecer, e de maneira tão inevitável como no passado surgiram. Com o desaparecimento das classes, desaparecerá inevitavelmente o Estado[2].
Considerar o Estado uma organização social neutra é uma confusão insuportável para a luta revolucionária. Mas tem muita gente que diz: “mas a Saúde, a Educação, a Previdência, tudo está no Estado”. São conquistas proletárias cravadas no esqueleto desse monstro pela luta revolucionária do proletariado durante […] mais de um século. Nós impusemos reivindicações que eram puramente proletárias e os obrigamos. Quando não estamos fortes o suficiente, eles começam a tirar tudo outra vez. E aparece cada vez mais o esqueleto […] desse morto-vivo chamado Estado burguês, que é o nosso inimigo[3].
Começar um artigo que se propõe ir contra o novo ataque iniciado pelo governo Bolsonaro, concebido pelo Chicago Boy Paulo Guedes e traduzido na pretensamente chamada Reforma Administrativa com citações que demonstram desacordo, inimizade e ânsia pela capitulação do Estado, pode soar contraditório. Contudo, o que pretendemos é deixar claro contra o que lutamos.
Ao se colocar em uma posição intransigente contra a Proposta de Emenda à Constituição nº 32, de 2020 (PEC 32/2020), assumimos a defesa dos direitos não somente da parcela dos servidores públicos que estão expostos a este ataque, mas os da classe trabalhadora e juventude que terão ainda mais serviços públicos precarizados. Essa defesa, no entanto, não diz respeito ao Estado, instituição de repressão e controle das classes oprimidas, mesmo porque esse seu cerne está ileso, uma vez que as propostas deixam incólumes militares e magistrados, mas às conquistas cravadas no esqueleto desse monstro em anos e mais anos de luta, parafraseando o camarada Serge Goulart em sua excelente participação no primeiro módulo da Universidade Marxista Brasil[4].
Basicamente a PEC 32/2020 estende para servidores públicos de Estados, Municípios e Distrito Federal a retirada de direitos já feita contra os servidores federais em 1998 por FHC, além de acabar com as progressões de carreira por tempo de serviço e promover a desregulamentação generalizada no âmbito do serviço público. Muito se tem ouvido e lido acerca da Reforma Administrativa com respeito à estabilidade dos servidores, o fim de planos de carreira e, inclusive, críticas da burguesia de ineficácia no curto prazo por, teoricamente, não ter efeitos sobre os atuais servidores.
Todavia, a leitura pormenorizada da PEC 32/2020 permite ver elementos que não têm sido foco do debate midiático e que apontam para o caráter perverso da proposta. É uma inverdade a questão do fim da estabilidade do servidor público, pois ela ainda existiria para os “cargos típicos de Estado”, a serem estabelecidos segundo critérios dispostos em lei complementar. Mas não salientamos isso de maneira positiva. Além desses cargos típicos de Estado, a proposta introduz o princípio da subsidiariedade que, traduzindo, retira do Estado a obrigação de prestação direta de serviço público sempre que este possa ser substituído. Por um lado, a Reforma Administrativa garante direitos àqueles que forem classificados como essenciais para o exercício das funções estatais, ao mesmo tempo que “flexibiliza” a prestação de serviços que podem ser feitos, inclusive, pela iniciativa privada. Na prática, a proposta garante direitos aos operadores da burocracia e da repressão, os cargos típicos de Estado, enquanto desobriga o Estado de prestar serviços públicos como saúde e educação por meio de servidores públicos capacitados e com estabilidade, inclusive possibilitando a terceirização irrestrita, com ainda mais precarização. Seria a materialização do Estado mínimo para seus objetivos originais: a gestão dos negócios da burguesia, por meio da repressão e controle dos explorados.
Ser contra a PEC 32/2020 não é aceitar o Estado burguês brasileiro. Este só será eficiente para a classe trabalhadora, só prestará os serviços de saúde, educação, previdência, entre outros, quando for tomado das mãos dos burgueses e de seus representantes políticos. Não para torná-lo algo ainda mais monstruoso, mas para cumprir tanto o que Engels diz, conforme supracitado, quanto o que nos diz Lênin: “Nosso objetivo final é a supressão do Estado, isto é, de toda a violência, organizada e sistemática, de toda coação sobre os homens em geral”[5].
[1] MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. O Manifesto do Partido Comunista de 1848 e cartas filosóficas. Tradução de Klaus Von Puschen. São Paulo: Centauro, 2005. p. 53.
[2] ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Tradução de Leandro Konder. 3 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2012. p. 218.
[3] Serge Goulart, durante o Primeiro Módulo da Universidade Marxista Brasil em 05/09/2020.
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[5] LÊNIN, Vladimir Illitch. O Estado e a Revolução: o que ensina o marxismo sobre o Estado e o papel do proletariado na revolução. Tradução de Aristides Lobo. 2ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010. p. 100.