Uma publicação apareceu recentemente no tabloide londrino Evening Standard (10 de fevereiro de 2017), escrita por um certo Victor Sebestyen, a respeito da exposição “Arte Russa de 1917-1920” na Academia Real britânica.
O artigo não poderia iniciar de maneira melhor. De acordo com ele, “essa exibição magnífica é uma oportuna lição histórica sobre um período que parece ter sido há muito tempo, em um lugar distante, mas que ainda tem profunda relevância para nós hoje em dia, em um período de profunda incerteza e rápida mudança política ao redor do mundo”. Nós não poderíamos concordar mais. A Revolução de Outubro é imensamente relevante, especialmente neste ano de seu centenário.
O autor explica que “historiadores de todos os tipos, bem como estudiosos de política, estão comparecendo de Washington a Varsóvia a encontros convocados às presas com títulos do tipo ‘2017: outro ano revolucionário?’. Alguns deles inclusive podem não trazer a interrogação”.
Muito bom até aqui. Mas, é claro, tudo o que é bom pode ter um fim, nesse caso ele acontece no segundo parágrafo.
Bolchevismo x Stalinismo
Logo Sebestyen revela suas verdadeiras cores, lançando-se em um ataque desenfreado contra Lenin e a Revolução, “uma história sobre o trágico século XX na Rússia”. Ele diz que o “admirável mundo novo” (isto é, a Revolução) se transformou em “campos da morte e gulags”. Como todo historiador liberal, todo o seu argumento gira em torno de tentar identificar Lenin com o stalinismo e sua ditadura brutal.
“O marxismo era essencialmente uma fé religiosa”, afirma o nosso autoconfiante historiador. Um argumento desse tipo revela sua completa ignorância. O marxismo não é uma religião, mas uma ciência que, ao contrário de nossos amigos burgueses que louvam o livre mercado, explicou a inevitável crise do sistema capitalista. Isso foi confirmado de maneira bastante clara pela quebra econômica de 2008 e a atual crise em que vivemos. O marxismo é também um manual de ação para mudar a sociedade.
De acordo com Sebestyen, “a Revolução Russa não foi a primeira a ser traída por seus próprios líderes e provavelmente não será a última”. Mas os líderes bolcheviques não traíram a revolução. Foi o arrogante Stalin, apoiando-se na crescente burocracia contrarrevolucionária, que traiu a revolução. Todos os antigos bolcheviques foram assassinados pelos expurgos stalinistas. Isso explica na prática o rio de sangue que separa o stalinismo do bolchevismo.
É claro que nosso historiador burguês sabe tudo isso, mas ele estava muito determinado a distorcer a história para seus próprios interesses. “Permanece na esquerda o mito de que Lenin era decente e queria fazer o bem, mas a revolução foi sabotada por um tirano louco e brutal, Stalin. Essa é uma ideia confortável, porém falsa”, afirma nosso empedernido escritor. “Foi Lenin quem criou um sistema baseado na ideia de que o terror político contra os oponentes era justificado por um bem maior. Ele foi aperfeiçoado por Stalin, mas a ideia era de Lenin”.
O terror vermelho
Esse tipo de propaganda com notícias falsas contra Lenin não tem nada de novo. Sebestyen está apenas revirando o lixo do passado para jogá-lo contra a Revolução de Outubro. É completamente óbvio que a responsabilidade pelo terror durante a guerra civil não é dos bolcheviques, mas da intervenção imperialista. Os bolcheviques queriam defender as conquistas da revolução, que colocou o poder nas mãos da classe trabalhadora e varreu o domínio dos latifundiários e capitalistas, enquanto a contrarrevolução queria restaurar com violência o poder da velha classe dominante e seu brutal sistema de exploração.
Vinte e um exércitos invadiram a Rússia para destruir o poder dos trabalhadores e reintroduzir uma ditadura. Por que razão não deveriam os trabalhadores e camponeses se defenderem? O que mais eles deveriam fazer? O Terror Vermelho eram medidas contra o Terror Branco e as forças contrarrevolucionárias, assim como fizeram os jacobinos na Revolução Francesa. Os partidos de oposição acabaram sendo banidos na Rússia não para que se criasse um estado unipartidário, mas porque eles defendiam abertamente a contrarrevolução com armas em punho. Inicialmente, todos os partidos eram legais, exceto os fascistas das Centenas Negras. Tudo mudou assim que eles passaram a apoiar o Exército Branco e a intervenção imperialista. Eles se transformaram em quinta-coluna e os bolcheviques não tiveram outra alternativa senão bani-los, da mesma maneira que o governo britânico baniu a União Britânica de Fascistas de Oswald Mosley durante a Segunda Guerra Mundial. Em 1921, frações foram banidas dentro do Partido Bolchevique como medida de emergência diante do perigo de uma cisão. Isso foi feito como medida temporária até que o perigo passasse. Em um ano, apesar do banimento, Lenin esta propondo a organização de uma fração com Trotsky contra Stalin e a crescente burocracia. Infelizmente, Lenin foi freado por uma série de ataques que acabaram com sua vida.
“O pior dos males [de Lenin] foi deixar um homem como Stalin em posição de liderar a Rússia após sua morte. Esse foi um crime histórico”, afirma o superficial Victor. Mas essa é uma flagrante invenção. A verdade é que Lenin cortou relações pessoais com Stalin no início de 1923 e pediu sua remoção do posto de secretário-geral. Esse pedido estava em seu testamento, mas foi suprimido por Stalin e seus apoiadores. Nosso autor, é claro, faz completo silêncio a respeito desse crime.
Após a morte de Lenin, Trotsky tomou para si a luta contra o stalinismo e sua teoria antimarxista de “socialismo em um só país”. Infelizmente, as derrotas internacionais da classe trabalhadora, em grande parte culpa de Stalin e seus aliados, fortaleceu o controle da burocracia. A desgastada classe trabalhadora russa, exausta após anos de sacrifícios, foi deixada de lado. Stalin se tornou o representante de uma verdadeira burocracia. Como parte de sua contrarrevolução, Stalin manobrou para expulsar Trotsky, líder da Oposição de Esquerda, e depois mata-lo. Isso foi parte de uma contrarrevolução política contra a Revolução de Outubro. Para isso, Stalin armou uma monstruosa ditadura burocrática que não tinha nada em comum com o regime democrático de Lenin e Trotsky.
É claro que o perigo de falar a verdade sobre a Revolução Bolchevique iria simplesmente legitimar as ideias de Lenin e Trotsky. Isso os defensores do capitalismo não podem fazer. Eles têm outro papel a cumprir. Para eles, as verdadeiras ideias de Outubro devem ser caluniadas e ocultadas a fim de que não ofereçam um exemplo para os trabalhadores e a juventude de hoje em dia, que estão enfrentando o peso da crise capitalista.
Apoio aos sovietes
“A temida mão do líder da Revolução Russa, Vladimir Illyich Lenin, está sempre presente na exposição”, afirma com pesar nosso grande sábio. A descrição da influência de Lenin como “temida” simplesmente revela o quanto o nosso liberal teme a Revolução, a qual ele personifica em Lenin.
Novamente, nosso historiador liberal tenta ao máximo pintar Lenin como uma espécie de fanático sedento por sangue ao atribuir-lhe palavras falsas supostamente ditas a seus companheiros de “conspiração”: “Vocês acham que conseguimos fazer isso sem pelotões de fuzilamento?”. Isso é simplesmente um conto de fadas, uma invenção, apesar das afirmativas de nosso “imparcial” historiador.
“Houve repressão desde o início, uma guerra civil que custou ao menos três milhões de vidas”, afirma ele, o que novamente é uma completa distorção. Para início de conversa, a Revolução “desde o início” foi bastante pacífica porque não havia ninguém preparado para defender o impopular governo provisório. Apenas cinco pessoas morreram em Petrogrado durante a insurreição e menos de uma centena em Moscou, diferentemente dos milhões que perderam suas vidas durante a guerra mundial imperialista. A guerra civil russa levou à morte de milhões, mas foi causada pela intervenção imperialista e o bloqueio econômico contra a Rússia.
O apoio ao governo soviético foi admitido pelo General Gough, um dos líderes das forças intervencionistas. Ele reconheceu que “os russos estão determinados a impedir o retorno ao poder das antigas classes oficiais e, se forçados a escolher, o que basicamente está acontecendo agora, eles preferem o governo bolchevique”.
Tempos perigosos
Sebestyen lançou um novo líder, chamado “Lenin, o ditador: um retrato íntimo”. Após ler o lixo que ele escreveu no Evening Standard, eu não recomendaria a ninguém perder seu tempo com outra invenção venenosa contra o pobre Lenin.
No entanto, vale a pena citar o penúltimo parágrafo do artigo. “Se em 2017 nós estamos em um momento revolucionário, como muitos pensadores sérios acreditam diante do surgimento de Trump e do novo populismo, não seria exagerado enxergar a exposição na Academia Real como um aviso oportuno sobre o perigos que estão por vir”.
Esse deve ser um aviso sério para os poderes estabelecidos. Para nós, no entanto, é o reconhecimento da nossa análise marxista de que uma nova revolução é inteiramente possível e necessária.
Artigo publicado originalmente em 14 de fevereiro de 2017, no site da seção norte-americana da Corrente Marxista Internacional, sob o título “Answering fake news about the Russian Revolution”.
Tradução Felipe Libório.