As eleições burguesas – seleção de atores para a encenação do espetáculo da democracia – expressam apenas de maneira deformada a luta de classes, na medida em que os diferentes programas políticos propostos não disputam em igualdade de condições. O programa político dos candidatos da burguesia é propagandeado e agitado perante às massas o tempo todo, muito antes e além do breve período eleitoral oficial, através dos órgãos de imprensa burgueses, da indústria cultural e de todas as instituições burguesas que reproduzem a ideologia dominante em tempo integral na sociedade de classes.
Como se isso já não bastasse, quando tem início o período eleitoral oficial, os candidatos da burguesia dispõem de fortunas milionárias para realizar suas campanhas e buscar convencer o “eleitorado”. Mas, como a exploração de classe é concreta e cotidiana, por mais aparato e recursos que a burguesia tenha a sua disposição para convencer os explorados a aceitarem docilmente sua condição, cada vez mais os explorados buscam resistir. Afinal a luta de classes é o motor da história. Lutam, se organizam e, no processo de eleições burguesas, essa resistência muitas vezes se expressa na votação em candidatos que se colocam como representantes dos interesses das classes exploradas, apesar de o seu programa estar no campo da salvação e manutenção do capitalismo. São os candidatos dos partidos operários-burgueses, como o PT e o PCdoB e a maioria dos candidatos do PSOL.
Ainda assim, esses supostos representantes recebem polpudas contribuições financeiras diretamente de capitalistas e também do Estado burguês (através dos fundos partidário e eleitoral). Essa é uma forma de garantir que a burguesia os terá sob controle no caso de eles serem selecionados pelas urnas para atuar no espetáculo democrático, seja como parlamentares ou chefes do poder executivo. Desta forma, por mais que muitos desses representantes tivessem na origem de suas trajetórias de luta o ímpeto revolucionário, com sua crescente adaptação ao sistema e essas contribuições diretas do Estado burguês, eles vão adequando cada vez mais seu programa político. Há muito eles já não veem mais os capitalistas e o Estado burguês com maus olhos e trabalham pela conciliação de classes, embora muitas vezes mantenham um discurso com tinturas de luta de classes para continuar obtendo apoio dos que sofrem com a exploração e opressão diariamente.
Já os marxistas, que defendem que a única forma de combater a exploração e a opressão é através da via revolucionária, da expropriação da burguesia, quando se utilizam do espaço aberto pela corrida eleitoral burguesa, o fazem mantendo sua independência de classe. Para isso, recusam as contribuições financeiras de empresas, de burgueses e do Estado burguês. Seu objetivo é ganhar novos militantes, trabalhadores e jovens para o programa revolucionário, construindo o instrumento da revolução socialista.
Sem um partido operário de massas e com os partidos que reivindicam representá-los cada vez mais agitando o mesmo programa fundamental da burguesia, a classe trabalhadora e juventude explorada e oprimida, sem organização revolucionária, busca usar o que tiver à mão para se defender. E, entre uma e outra chibatada, agarra aquilo que lhe pareça ser mais útil como arma, mais viável.
Um dado importante é constatar que os grandes aparatos não são invencíveis. Ao contrário. As candidaturas do PSOL, mesmo com orçamento menor que as do PT, receberam mais votos em diversas grandes cidades. Ao mesmo tempo, vemos que o PSOL vem sofrendo a pressão para abandonar cada vez mais a incipiente independência de classe que defendia na sua origem e se render ao capital. É por isso que depende cada vez mais dos fundos partidário e eleitoral e de doações diretas de grandes capitalistas (como no polêmico caso do apoio de George Soros e as doações de Armínio Fraga, João Moreira Salles e Beatriz Bracher a um candidato a vereador do PSOL de Duque de Caxias e a chantagem de Freixo para que o partido não impugnasse essa candidatura). Sem falar de inúmeras outras candidaturas em eleições anteriores.
Fracasso eleitoral do bolsonarismo
Em 2018, bastava identificar-se com Jair Bolsonaro para um candidato a deputado ou governador elevar sua votação. Houve casos de candidatos que usaram “Bolsonaro” como sobrenome, sem serem da família do então candidato a presidente e até o caso do então candidato a governador em São Paulo, João Doria (PSDB), que usou o slogan “BolsoDoria” para surfar na onda bolsonarista.
Agora, o que os resultados do 1º turno das eleições de 2020 mostram é que, embora pesquisas de opinião apontem que Bolsonaro mantenha um apoio em torno de 30%, os bolsonaristas não conseguiram converter o apoio do presidente em votos.
Não estamos falando aqui da média nacional. O bolsonarismo só triunfou em regiões política e culturalmente atrasadas, em geral no interior do país, mas nos grandes centros políticos, que é onde está concentrada a classe trabalhadora e a grande maioria da juventude, e portanto onde a vanguarda das classes exploradas imprimem a tendência a ser seguida pelo restante do proletariado no período seguinte, os candidatos apoiados por Bolsonaro foram varridos! Na cidade do Rio de Janeiro, até mesmo Carlos Bolsonaro (o filho “zero três” do presidente), foi reeleito vereador com sua votação reduzida em um terço se comparado com 2016.
Alguns analistas apontam a ida de Crivella ao 2º turno no Rio como uma conquista resultante do apoio de Bolsonaro. Mas o quebra-cabeças não pode ser montado sem entendermos que há peças faltando. Crivella só chegou ao 2º turno porque Freixo desistiu da candidatura pelo PSOL. Se Freixo fosse candidato, o 2º turno agora no Rio seria entre Paes e Freixo. E então Freixo teria que se confrontar ao que ele chama de “setores democráticos” da direita. Ele preferiu desistir para agora sair em apoio a Paes (DEM) contra Crivella, em vez de já derrotar Crivella de saída e confrontar Paes no 2º turno.
Em São Paulo, o candidato de Bolsonaro, Celso Russomano, terminou em quarto lugar. Em primeiro, ficou o atual prefeito Covas, que vinha, junto ao governador Doria (ambos do PSDB), confrontando Bolsonaro abertamente durante a pandemia, buscando se diferenciar quanto às medidas de quarentena. E, em segundo lugar, ficou Boulos, do PSOL, que é visto pelas massas como o partido do “Fora Bolsonaro”.
Derretimento eleitoral do PT nos principais centros urbanos
Em todo o Brasil, dos 5.570 municípios, o PT elegeu 632 prefeitos, em 2012; 254 prefeitos, em 2016, e , em 2020, apenas 179 prefeitos. Em 2012, o PT elegeu 5.173 vereadores, em 2016 caiu para 2.815 eleitos e, agora, elegeu ainda menos, apenas 2.657. O PCdoB elegeu, em 2012, um total de 55 prefeitos e 973 vereadores; em 2016, elegeu 88 prefeitos e 998 vereadores; em 2020, apenas 46 prefeitos e 694 vereadores.
No estado do RJ, dos 80 municípios que tiveram a eleição definida no 1º turno, o PT só elegeu um prefeito. Na cidade do Rio, a candidatura do PT ficou em quarto lugar.
No estado de SP, dos 605 municípios que tiveram a eleição definida no 1º turno, o PT só elegeu prefeitos em dois municípios (em 2016 haviam sido oito). Em São Bernardo do Campo, berço do PT, o ex-prefeito Luiz Marinho, ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos e ex-presidente da CUT, obteve apenas 23% dos votos válidos.
Na maior cidade do Brasil, o candidato petista, Jilmar Tatto, ficou em sexto lugar, com menos da metade dos votos do candidato do PSOL, Guilherme Boulos.
O fato é que as novas gerações de trabalhadores não veem o PT como o seu partido. Cada vez mais o PT é visto pelos trabalhadores e pela juventude como um dos partidos da ordem. E não sem razão. O partido que foi fruto e motor das maiores lutas que a classe trabalhadora brasileira já travou foi colocado à prova e capitulou.
O derretimento do apoio eleitoral ao PT, principalmente nos grandes centros políticos do país (Rio e São Paulo) é um forte indicativo de que as novas gerações da classe trabalhadora estão disponíveis para empreender o caminho de construir uma nova direção que os represente de fato e possa abrir o caminho para liquidar com este sistema.
O crescimento do PSOL
Nos principais centros políticos, diante do derretimento do PT, o PSOL foi utilizado eleitoralmente pela juventude e vanguarda da classe trabalhadora.
Em Belo Horizonte, a terceira capital do país, a candidata do PSOL à prefeitura, ficou em quarto lugar, com 8,33% dos votos válidos, na frente do candidato do PT, que ficou em sexto lugar com 1,88%. O PSOL obteve 51 mil votos para vereador (elegendo dois).
No Rio, mesmo com a capitulação de Freixo e sem uma candidatura majoritária forte, o PSOL ampliou sua bancada de vereadores de seis para sete, obtendo 289.102 votos (contra 117.053 do PT). Obviamente, que o PSOL estaria no segundo turno se Freixo não tivesse desistido da candidatura.
Em São Paulo, Boulos está no segundo turno. O PSOL triplicou sua bancada de vereadores na maior cidade do país, passando de dois para seis vereadores na Câmara. Enquanto isso, o PT que já teve 16 vereadores (de 2000 a 2004), caiu de nove (em 2016) para oito agora. Mas, esse número deveu-se principalmente à votação expressiva de Suplicy, o mais votado da cidade, com 167 mil votos. Sem Suplicy, o PT agora teria uma bancada de seis vereadores, como o PSOL.
Poderíamos falar ainda do desempenho do PSOL em outras cidades importantes, como em Belém, capital do Pará, onde o candidato do PSOL ficou em primeiro lugar e disputa um difícil 2º turno. Mas queremos concentrar nossa análise aqui nos grandes centros políticos do país que é onde está se consolidando a tendência para o próximo período histórico.
O PSOL tem a possibilidade, outra vez, de ser a primeira opção eleitoral da juventude em São Paulo, no Rio de Janeiro e outros grandes centros. Mas, isso não é suficiente para consolidar esta posição. A grande batalha é ganhar a classe trabalhadora que abandonou o PT ou nunca votou nele, sua parcela mais jovem, e que recusa este sistema instintivamente. Nas bases há uma inflexão à esquerda de toda uma camada dos explorados que agora rejeitam a velha política do PT de colaboração de classes. Mesmo que a direção atual do PSOL e figuras como Freixo e Boulos estejam dando largos passos no mesmo caminho da conciliação de classes que levou à degeneração do PT, não é assim que o PSOL é visto por amplos setores da juventude e setores das massas. O PSOL é visto como um partido à esquerda do PT e que se coloca contra os interesses da classe dominante.
Abstenção, nulos, brancos e voto para derrotar Bolsonaro
Um elemento a ser levado sempre em conta é a participação eleitoral. Nestas eleições há resultados contraditórios. Se, por um lado, as abstenções bateram recordes, especialmente nos grandes centros, não houve um crescimento significativo da soma de brancos, nulos e abstenções, como vinha acontecendo progressivamente nas eleições anteriores.
Uma parte das abstenções deve ser creditada aos que se recusaram a ir aos locais de votação por causa da pandemia. Mas, o fato maior é o comparecimento de eleitores que foram votar para derrotar Bolsonaro e seus bolsonaristas. Por isso, de 70 candidatos abertamente apoiados por ele só um se elegeu. Esses eleitores, muitos dos que recusam o apoio a qualquer partido do sistema, utilizaram-se de diferentes meios para derrotar Bolsonaro e seus seguidores. Por essa razão a soma de brancos, nulos e abstenção não cresceu geometricamente em uma eleição completamente morna e insonsa. E, onde foi possível, setores importantes da vanguarda utilizaram o PSOL como seu canal de expressão.
O 2º turno
Nas eleições, está fora de questão para ao os revolucionários votar em qualquer candidato burguês ou de partido burguês. O apoio e voto dos marxistas é para os candidatos dos partidos operários-burgueses ou pequeno-burgueses que dizem falar em nome da classe trabalhadora e, ao menos formalmente, reivindicam o socialismo. Isto significa apoiar e votar nos candidatos do PT, PCdoB e PSOL, onde eles estão no 2º turno, independentemente e apesar de seus programas, que não apoiamos e combatemos adequadamente.
Entretanto, nenhuma ilusão deve ser destilada nestes candidatos e seus partidos. Combatemos estas ilusões publicamente. A história dos reformistas é por demais evidente para permitir a qualquer revolucionário consciente nutrir ilusões. A história recente mostra que as massas colocaram nas mãos de “reformistas de esquerda”, como Tsipras, Pablo Iglesias e Corbyn, suas esperanças, seus votos e seu apoio militante massivo. O resultado se conhece claramente. Cada vez que são confrontados à questão do Estado e do Capital, eles capitulam vergonhosamente. E isto é o mesmo quando são prefeitos, governadores ou presidente da república ou qualquer tipo de parlamentar. É preciso ter consciência de que estes reformistas, assim que eleitos, se transformam nos nossos piores inimigos, como sempre aconteceu. Eles temem e odeiam mais a revolução e os revolucionários do que o Capital e os capitalistas aos quais já se adaptaram há muito tempo.
Não é outro o caminho de todos os reformistas atuais no Brasil, basta ver o programa e a disposição de colaboração de classes dos que disputam estas eleições. O apoio eleitoral crítico da Esquerda Marxista não implica nenhum apoio aos seus programas e muito menos à retirada de todas as críticas que fazemos publicamente. Nosso combate de Frente Única contra a burguesia e o capital implica e exige ajudar a vanguarda das massas, dos militantes, a fazer a experiência com estes dirigentes em que estão, neste momento, depositando sua confiança. Nossa principal exigência a estes dirigentes é que rompam com a burguesia e entrem na via do socialismo.
A Esquerda Marxista apresentará seu voto com uma declaração exigindo, dos candidatos que apoia, que assumam suas responsabilidades junto à classe trabalhadora e à juventude, agitando, desde já, um programa revolucionário de mobilização e combate ao governo Bolsonaro e todos os seus aliados burgueses nas prefeituras, governos estaduais e Congresso Nacional. Assim como, de atendimento das reivindicações e necessidades imediatas mais sentidas do povo trabalhador e da juventude, abrindo um caminho de mobilização e organização para um verdadeiro governo dos trabalhadores, sem patrões nem generais. A base deste programa é o Programa Emergencial da Esquerda Marxista.
É nesta situação que a Comissão Executiva da Esquerda Marxista convoca todos os militantes a entrarem neste combate no 2º turno eleitoral, junto a todos os seus contatos e apoiadores, tendo como norte a derrota de Bolsonaro e o capital, e realizando seus objetivos para a construção da organização revolucionária.