Cartazes de Rosa Luxemburgo e Lênin em uma manifestação em Berlim contra a guerra do Vietnã, em 1968 Foto: Rogge, Ullstein Bild/Getty Images

Rosa Luxemburgo e os bolcheviques: dissipando os mitos

Rosa Luxemburgo foi uma notável revolucionária marxista, que desempenhou um papel fundamental na luta contra a degeneração oportunista da social-democracia alemã e na fundação do Partido Comunista Alemão. Infelizmente, no entanto, alguns de seus escritos e discursos são frequentemente usados para criar uma imagem completamente falsa do que ela representava, apresentando-a como uma oponente de Lênin e dos bolcheviques.

Os chamados “luxemburguistas” a apresentam como uma defensora da criatividade e da “espontaneidade” da classe trabalhadora, em oposição ao Lênin “ultracentralista” que, supostamente, procurava esmagar a iniciativa dos trabalhadores e subjugá-los. Ao construir essa imagem de Luxemburgo, reformistas de esquerda, anarquistas, “comunistas libertários” e até liberais burgueses pretendem usar a autoridade dessa grande revolucionária como um aríete contra o leninismo. Com base nisso, o conceito de “luxemburguismo” foi inventado, como se fosse uma tendência distinta dentro da tradição do marxismo.

Esse chamado “luxemburguismo” atrai uma camada de jovens comunistas honestos que buscam uma versão alternativa do marxismo ao qual consideram “leninismo”. A razão pela qual eles estão buscando tal alternativa é porque a caricatura stalinista e burocrática do socialismo – incorporada na URSS sob Stalin, e mais tarde replicada na Europa Oriental, China, Vietnã e outros regimes – foi retratada como “leninista” (ou “marxista-leninista”, como os stalinistas hoje gostam de se descrever).

No entanto, basta ler o Último Testamento de Lênin (Cartas do ‘Último Testamento’ ao Congresso, dezembro de 1922 – janeiro de 1923) para ver que ele já estava ficando preocupado com as tendências burocráticas que estavam surgindo na União Soviética mesmo antes de sua morte, e ele sugeriu medidas para combatê-las. O stalinismo, ao invés de ser o filho natural do leninismo, é uma negação completa do que Lênin defendia. Nossos luxemburguistas de hoje ignoram convenientemente esse fato.

Devemos nos perguntar, portanto, em que consiste realmente esse “luxemburguismo”? É tão diferente do marxismo revolucionário de Lênin e dos bolcheviques? Um estudo sério dos escritos de Rosa Luxemburgo, toda a sua vida e tudo pelo que ela lutou, revela que a verdadeira Rosa foi uma revolucionária. Numa época em que o movimento mundial dos trabalhadores se dividiu nos campos revolucionário e reformista, Luxemburgo esteve do mesmo lado das barricadas que os bolcheviques. Da mesma forma que os bolcheviques lutaram contra a corrente oportunista do menchevismo, Luxemburgo lutou contra a degeneração oportunista dos líderes social-democratas na Alemanha. Apesar desta ou daquela crítica que fez em diferentes momentos, ela apoiou plenamente a Revolução Russa liderada por Lênin e pelos bolcheviques.

No entanto, persistem vários mitos que tentam retratar Rosa Luxemburgo como uma oponente do bolchevismo. O primeiro deles é a ideia de que Luxemburgo apoiava a espontaneidade das massas em oposição ao modelo leninista do partido revolucionário. Podemos ler um excelente exemplo de tais distorções no que está escrito sobre ela pelo ‘Rosa-Luxemburg-Stiftung’ – um think tank na Alemanha afiliado ao partido reformista de esquerda Die Linke:

“Luxemburgo criticou Lênin por sua concepção de uma vanguarda partidária altamente centralizada; segundo Luxemburgo, era uma tentativa de colocar a classe trabalhadora sob tutela. Seus argumentos – característicos de toda a sua obra – incluíam fatores como a iniciativa independente, a atividade dos trabalhadores, sua capacidade de aprender com suas próprias experiências e erros e a necessidade de uma organização democrática de base.”

Da mesma forma, Noam Chomsky – que afirma ser um anarco-sindicalista e socialista libertário – pinta Lênin como um sequestrador conspiratório da Revolução Russa que destruiu seu potencial para desenvolver o comunismo. Ele apresenta Luxemburgo como tendo advertido contra isso:

“Embora alguns dos críticos, como Rosa Luxemburgo, apontassem que o programa de Lênin, que eles consideravam bastante de direita, e eu também, a imagem era de que haveria uma revolução proletária, o partido assumiria o lugar do proletariado, o comitê central assumiria o controle do partido e o líder máximo assumiria o controle do comitê central.”

Esse tipo de pensamento ignora completamente as condições em que ocorreu a Revolução Russa e, mais importante, as consequências de seu isolamento em um país atrasado. Assim, de acordo com essas críticas superficiais, as raízes do monstruoso regime stalinista que surgiu posteriormente não se encontram nas condições objetivas, mas nas ideias e métodos de Lênin e dos bolcheviques. Tal análise simplifica tanto que é impossível entender as verdadeiras causas objetivas da degeneração burocrática, ou seja, o isolamento da Revolução Russa em um país muito atrasado. Em vez disso, baseia-se em uma explicação subjetiva das supostas tendências ditatoriais de Lênin.

Espontaneidade e direção

Qual era a verdadeira visão de Rosa Luxemburgo sobre a questão da “espontaneidade” das massas? Como ela via a relação do partido com a ação espontânea das massas? E seus pontos de vista realmente diferiam fundamentalmente dos de Lênin? Seu panfleto, Greve de massas, partido e sindicatos, é uma de suas obras usadas por aqueles que afirmam que ela era fundamentalmente contra ao bolchevismo. Argumenta-se que neste panfleto, que analisa a força do movimento grevista de massas espontâneo da Revolução Russa de 1905, Rosa Luxemburgo descarta o conceito de direção revolucionária. Isso não poderia estar mais longe da verdade e perde completamente o motivo pelo qual ela o escreveu e contra quem ela estava polemizando.

Não era contra os bolcheviques, mas contra os dirigentes de direita do SPD que o panfleto Greve de massas de Luxemburgo estava argumentando / Imagem: domínio público

O panfleto foi escrito justamente no momento em que uma onda de greves varre a Alemanha, inspirada pela revolução de 1905, que era muito popular entre a classe trabalhadora alemã. Ao contrário da Rússia, onde os sindicatos eram muito fracos e as forças do marxismo eram pequenas, a Alemanha tinha sindicatos de massas e o Partido Social Democrata (SPD) era uma força de massas. O problema era que os dirigentes do SPD e dos sindicatos na Alemanha exibiam uma atitude passiva e às vezes até de desdém em relação a essas greves espontâneas.

Enquanto Rosa Luxemburgo e a ala revolucionária do partido saudaram as greves e colocaram a necessidade de intervenção do partido, os dirigentes direitistas do SPD as descartaram como prematuras e fadadas ao fracasso. Muitos dirigentes do SPD afirmavam que apenas as lutas planejadas e organizadas pelo partido com antecedência poderiam ter sucesso. Portanto, todas as outras manifestações vindas de baixo eram fundamentalmente sem sentido. Isso era, na verdade, uma indicação de que esses dirigentes estavam abandonando a ideia de uma luta revolucionária contra o próprio capitalismo.

Era precisamente contra isso que o panfleto Greve de massas de Luxemburgo estava argumentando. Ela não estava argumentando contra os bolcheviques, mas sim contra os dirigentes oportunistas do SPD. Seu objetivo não era descartar a necessidade de direção, mas sim levar os dirigentes do SPD a intervir ativamente nessas lutas espontâneas precisamente porque precisavam de direção política. Como Rosa escreveu:

“Estabelecer de antemão a causa e o momento em que as greves de massas na Alemanha irão estourar não está no poder da social-democracia, porque não está em seu poder provocar situações históricas por meio de resoluções em congressos partidários. Mas o que ela pode e deve fazer é deixar claras as tendências políticas, quando elas aparecerem, e formulá-las como táticas resolutas e consistentes. O homem não pode manter os eventos históricos sob controle enquanto faz receitas para eles, mas pode ver com antecedência suas aparentes consequências calculáveis e organizar seu modo de ação de acordo.”

Qualquer análise séria mostrará que tanto Luxemburgo quanto Lênin concordavam que a tarefa do partido revolucionário não era impor um esquema preexistente às massas e ditar um cronograma para a revolução de acordo com seus próprios caprichos. Ambos entendiam que as massas se movem em seu próprio ritmo e, quando os eventos irrompem, a tarefa dos revolucionários é compreedê-los e intervir neles para fornecer a direção.

Tomemos, por exemplo, os conselhos de trabalhadores (sovietes) que surgiram durante a Revolução Russa de 1905. Esses novos órgãos de poder dos trabalhadores foram uma criação dos trabalhadores russos, uma expressão da espontaneidade e criatividade da classe trabalhadora. As fileiras dos bolcheviques dentro da Rússia não reconheceram sua importância e até tentaram impor um ultimato aos sovietes para que se submetessem ao controle do partido. Mas Lênin discorda claramente. Em Nossas tarefas e o soviete de deputados operários (novembro de 1905), ele escreveu:

“Acho que é errado colocar a questão desta forma e que a decisão deve ser certamente: ou o Soviete de Deputados Operários ou o Partido. A única questão – e muito importante – é como dividir e como combinar as tarefas do soviete e as do partido operário social-democrata russo. Acho que seria desaconselhável para o Soviete aderir totalmente a qualquer partido.”

Lênin reconheceu que os revolucionários deveriam se juntar aos sovietes para conquistar as massas da classe trabalhadora que os criaram como órgãos de poder dos trabalhadores. Esta foi a mesma estratégia que Lênin manteve até o sucesso da Revolução de Outubro em 1917. Em suas Teses de Abril publicadas em abril de 1917, Lênin resumiu a tarefa dos bolcheviques em relação às massas:

“As massas devem ser levadas a ver que os sovietes de deputados operários são a única forma possível de governo revolucionário e que, portanto, nossa tarefa é, enquanto esse governo ceder à influência da burguesia, apresentar uma explicação paciente, sistemática e persistente dos erros de suas táticas, uma explicação especialmente adaptada às necessidades práticas das massas.”

Aqui não encontramos nenhuma diferença fundamental entre Lênin e Luxemburgo em sua compreensão da natureza necessariamente espontânea da eclosão das lutas, mas também da necessidade de os revolucionários intervirem politicamente.

Havia alguma diferença entre Lênin e Luxemburgo? Claro que havia, mas como Marie Frederiksen mostra em seu trabalho The Revolutionary Legacy of Rosa Luxemburg, não era sobre se uma revolução precisava de organização e direção ou não:

“Um desacordo foi expresso no congresso do Partido Operário Social-Democrata Russo de 1907, no qual Luxemburgo criticou os bolcheviques por colocarem muita ênfase no lado técnico do levante na Revolução de 1905, enquanto acreditava que eles deveriam ter se concentrado em dar direção política do movimento. Nesse sentido, a abordagem de Luxemburgo à revolução foi abstrata: as massas se moverão e, quando o fizerem, caberá ao partido fornecer o programa político correto. Por sua experiência no SPD, o foco no lado prático da organização era a marca de uma direção conservadora que freava o movimento de massas. Em vez de rejeitar o caráter burocrático do SPD, ela rejeitou o lado técnico e prático da organização como um mal em si. Luxemburgo parecia acreditar que o próprio movimento de massas resolveria o problema de organização e direção”.

É bastante claro que, mesmo quando Rosa Luxemburgo fazia críticas aos bolcheviques, ela não rejeitava a necessidade de uma liderança política em geral, assim como Lênin não rejeitava a espontaneidade das lutas de massas. O que os dois diferiam era no grau de ênfase que os revolucionários deveriam colocar nas tarefas práticas de intervenção nas lutas de massas. Sobre esta questão, no entanto, Luxemburgo provou estar errada em seus primeiros escritos, pois o ato de intervir e conquistar as massas envolve tarefas altamente práticas para ser bem-sucedido. A experiência da Revolução de Outubro provaria que foi precisamente a existência do Partido Bolchevique, uma organização altamente disciplinada e educada com quadros nos principais locais de trabalho e bairros, que permitiu aos trabalhadores russos tomar o poder. Além disso, no final de sua vida, Luxemburgo trabalhou para construir um partido em linhas semelhantes na Alemanha.

A conclusão inescapável do que vimos destacando é que o suposto abismo entre esses dois destacados marxistas nessa questão é altamente exagerado. O objetivo desse exagero é distorcer a verdade para afastar os trabalhadores e a juventude de uma perspectiva genuinamente revolucionária e, em particular, da necessidade de construir um partido revolucionário de massas como pré-requisito essencial para uma revolução socialista vitoriosa.

Bolchevismo, menchevismo e Rosa Luxemburgo

Sempre que as correntes de esquerda começaram a divergir de um ponto de vista revolucionário, elas nunca admitiram abertamente que o que estão fazendo é trair os interesses básicos da classe trabalhadora. Em vez disso, eles frequentemente buscarão esta ou aquela figura com autoridade no movimento cujas palavras eles podem distorcer e exagerar para justificar sua própria falência. Infelizmente, Rosa Luxemburgo tem sido vítima de tais métodos repetidas vezes. Ela é citada fora de contexto, ou as críticas que ela mais tarde abandonou são usadas desonestamente para apresentá-la como sendo fundamentalmente oposta a Lênin e aos bolcheviques.

Na luta entre o bolchevismo e o menchevismo, entre o marxismo revolucionário e o reformismo, Luxemburgo manteve-se firme ao lado de Lênin e dos bolcheviques contra o reformismo / Imagem: Rosa Luxemburg Stiftung, Flickr

Em particular, foi tecido o mito de que Luxemburgo defendia a verdadeira democracia dos trabalhadores em oposição aos métodos ditatoriais do “leninismo”. Esse mito vem de seus escritos em um panfleto de 1904 chamado “Questões Organizacionais da Social Democracia Russa”, onde ela denunciou Lênin e os bolcheviques por seu “ultracentralismo” e até mesmo “blanquismo” – isto é, a ideia de organizar uma revolução socialista totalmente controlada por um pequeno grupo conspiratório de dirigentes revolucionários. Na realidade, Luxemburgo não entendia pelo quê Lênin estava lutando – naquele momento.

Aqueles que usam isso para tentar separar Rosa Luxemburgo de Lênin ignoram o desenvolvimento real de seu pensamento posterior. Apenas alguns anos depois, Luxemburgo abandonou essas visões. Mais tarde, ela se dedicaria, juntamente com Karl Liebknecht, a transformar a Liga Espartaquista no Partido Comunista Alemão – seção da Internacional Comunista liderada, na época, por Lênin e Trotsky. Tentar, com base nisso, pintar Luxemburgo como diametralmente oposta ao leninismo é pura desonestidade.

Essas mesmas correntes falsificam o que Lênin e os bolcheviques realmente defendiam para facilitar essa construção de mito. O Partido Bolchevique é apresentado como tendo um regime monolítico e altamente centralizado sob Lênin, onde nenhum debate era possível e onde não havia democracia interna. A verdade é que a história do Partido Bolchevique revela que havia a maior liberdade de debate interno, com diferentes opiniões sendo livremente discutidas.

A que os críticos reformistas realmente se opõem em relação ao Partido Bolchevique é o fato de que o partido não era um clube de debates, mas uma organização revolucionária de luta das camadas avançadas da classe trabalhadora. Sua tarefa era esclarecer questões de programa, métodos e táticas e construir um partido disciplinado cujo objetivo era a derrubada do sistema capitalista. Sua vida interna era regida pelos princípios do centralismo democrático: uma vez que houvesse um debate interno sobre qualquer questão, uma votação seria realizada e a opinião da maioria se tornaria a política do partido. Com base nisso, todos os membros deveriam assumir as posições democraticamente acordadas no movimento operário mais amplo.

Isso nada tem a ver com a caricatura do bolchevismo desenhada pelos reformistas. Sua mentira sobre o bolchevismo como nada mais que uma conspiração e uma ditadura em forma de partido é complementada pela mentira sobre Luxemburgo como alguém que se levantou contra Lênin em nome da democracia. Ao fazê-lo, eles ignoram convenientemente o que ela escreveu apenas dois anos depois, em 1906, em Blanquismo e social-democracia, no qual ela defendeu Lênin contra as acusações de blanquismo e atacou os mencheviques por seu oportunismo:

“Se hoje os camaradas bolcheviques falam da ditadura do proletariado, nunca lhe deram o velho significado blanquista; nem jamais cometeram o erro do Narodnaya Volya, que sonhava em “tomar o poder para si” (zachvat vlasti). Pelo contrário, eles afirmam que a presente revolução terá sucesso quando o proletariado – toda a classe revolucionária – tomar posse da máquina estatal.

“Já é hora de acabar com esse escolasticismo e todo esse alvoroço para identificar quem é um ‘blanquista’ e quem é um ‘marxista ortodoxo’. Em vez disso, precisamos saber se a tática recomendada pelo camarada Plekhanov e seus camaradas mencheviques, que visa trabalhar através da duma tanto quanto possível, está correta agora; ou, pelo contrário, se a tática que estamos aplicando, assim como os camaradas bolcheviques, está correta – a tática baseada no princípio de que o centro de gravidade está situado fora da duma, no aparecimento ativo das massas revolucionárias populares.”

E um ano depois, em um discurso que proferiu em 1907 no Quinto Congresso do Partido Operário Social-Democrata Russo – onde tanto mencheviques quanto bolcheviques estavam presentes em um partido reunificado – ela novamente defendeu os bolcheviques das acusações de “rigidez” e “estreiteza” em termos de organização:

“É possível que os camaradas poloneses, que estão acostumados a pensar mais ou menos da maneira adotada pelo movimento da Europa Ocidental, achem essa firmeza particular [dos bolcheviques] ainda mais chocante do que vocês. Mas vocês sabem, camaradas, de onde vêm todas essas características desagradáveis? Essas características são muito familiares para quem conhece as relações partidárias internas em outros países: elas representam o caráter espiritual típico dessa tendência dentro do socialismo que tem que defender o próprio princípio da política de classe independente do proletariado contra uma tendência oposta, também muito forte. (Aplausos.)

“A rigidez é a forma assumida pela tática social-democrata de um lado, quando o outro lado representa a consistência informe da gelatina que se arrasta em todas as direções sob a pressão dos acontecimentos. (Aplausos dos bolcheviques e partes do Centro.)”

A conclusão aqui é clara. O que Rosa Luxemburgo, Lênin e os bolcheviques defendiam, mais do que qualquer outra coisa, era precisamente “a política de classe independente do proletariado”. Na luta entre o bolchevismo e o menchevismo, entre o marxismo revolucionário e o reformismo, Luxemburgo manteve-se firme ao lado de Lênin e dos bolcheviques contra o reformismo, que é justamente a política que os chamados “luxemburguistas” hoje tentam atribuir a ela. Como Lênin comentou mais tarde: “Em 1907 ela participou como delegada da socialdemocracia da Polônia e da Lituânia no congresso londrino do POSDR, apoiando a facção bolchevique em todas as questões básicas da revolução russa”.

Rosa Luxemburgo e a Revolução Russa

Outro texto de Rosa Luxemburgo que é usado para colocá-la contra os bolcheviques é um que ela escreveu de modo privado, mas que nunca decidiu publicar em vida, intitulado A Revolução Russa (1918). Neste artigo ela faz várias críticas às ações dos bolcheviques durante a Revolução Russa. No entanto, o que os “luxemburguistas” convenientemente ignoram é que Luxemburgo estava na prisão quando escreveu este artigo. Ela estava na prisão desde 1916 e ainda estava encarcerada quando ocorreu a Revolução Russa. Ela só tinha acesso a informações muito parciais sobre a Revolução de Outubro e escrevia suas observações de modo privado. Depois que ela foi libertada da prisão em 1918, ciente do fato de que sua análise escrita no confinamento seria inevitavelmente imperfeita, ela se recusou a publicar qualquer coisa que tivesse escrito sobre a Revolução Russa enquanto estava na prisão. Isso porque ela sabia muito bem que seria distorcido pelos inimigos da revolução.

Após ser libertada da prisão, Rosa Luxemburgo afirmou que suas opiniões anteriores sobre a revolução de outubro estavam erradas e baseadas em informações insuficientes / Imagem: domínio público

Clara Zetkin, que tinha um relacionamento próximo com Rosa Luxemburgo, mais tarde testemunhou que, depois que ela foi libertada da prisão em novembro de 1918, ela afirmou que suas opiniões estavam erradas e baseadas em informações insuficientes. Rosa Luxemburgo foi capaz de reconhecer quando cometeu um erro, e aqui não pode haver confusão sobre a posição de Rosa Luxemburgo em relação à Revolução de Outubro: ela a apoiou totalmente e ao partido que a dirigiu!

Aliás, o texto de 1918 só foi publicado mais tarde, em 1922, por Paul Levi, três anos após a morte de Rosa. Ele o publicou após sua expulsão do Partido Comunista Alemão e da Terceira Internacional por violar gravemente a disciplina partidária. Ele nunca teve a permissão de Rosa para publicar o texto – um detalhe muito importante que é preciso ter em mente.

No entanto, mesmo neste texto, ainda se vê que ela apoiou totalmente a Revolução Russa e os bolcheviques do início ao fim. A crítica feita por ela era uma crítica camarada, e não uma denúncia de Outubro. Se ela realmente acreditava que Lênin estava estabelecendo um regime ditatorial monstruoso, é difícil imaginar por que ela se deu ao trabalho de oferecer sugestões críticas. Em vez disso, ela teria convocado os trabalhadores russos a se oporem aos bolcheviques. Este claramente não era o caso. O artigo começa com as palavras: “A Revolução Russa é o evento mais poderoso da Guerra Mundial”. E é assim que ela termina a primeira seção do artigo:

“Além disso, os bolcheviques imediatamente estabeleceram como objetivo dessa tomada do poder um programa revolucionário completo e de longo alcance; não a salvaguarda da democracia burguesa, mas uma ditadura do proletariado com o propósito de realizar o socialismo. Assim, eles conquistaram para si a imperecível distinção histórica de terem proclamado pela primeira vez o objetivo final do socialismo como o programa direto da política prática.

“O que quer que um partido possa oferecer de coragem, perspicácia revolucionária e consistência em um momento histórico, Lênin, Trotsky e todos os outros camaradas deram em boa medida. Toda a honra e capacidade revolucionárias que faltavam à socialdemocracia ocidental foram representadas pelos bolcheviques. Sua insurreição de outubro não foi apenas a salvação real da Revolução Russa; foi também a salvação da honra do socialismo internacional.”

E ela conclui seu artigo assim:

“O que está em pauta é distinguir o essencial do não essencial, o cerne das excrescências acidentais na política dos bolcheviques. No período atual, quando enfrentamos lutas finais decisivas em todo o mundo, o problema mais importante do socialismo foi e é a questão candente de nosso tempo. Não se trata desta ou daquela questão secundária de tática, mas da capacidade de ação do proletariado, da força de ação, da vontade de poder do socialismo como tal. Nisso, Lênin e Trotsky e seus amigos foram os primeiros, aqueles que seguiram adiante como exemplo para o proletariado do mundo; eles ainda são os únicos até agora que podem exclamar com Hutten: ‘Eu ousei!’

Este é o essencial e duradouro na política bolchevique. Neste sentido, é deles o serviço histórico imortal de terem marchado à frente do proletariado internacional com a conquista do poder político e a colocação prática do problema da realização do socialismo, e de terem avançado poderosamente no acerto de contas entre capital e trabalho em todo o mundo. Na Rússia, o problema só poderia ser colocado. Não poderia ser resolvido na Rússia. E nesse sentido, o futuro em todos os lugares pertence ao ‘bolchevismo’.”

Somente a Revolução Alemã poderia ter salvado a Revolução Russa

Luxemburgo, porém, não se limitou a apoiar a Revolução Russa. Ela também estava ciente do fato de que as falhas no regime soviético não eram produto das intenções ou ideias de Lênin e Trotsky, mas do isolamento da Revolução Russa e das condições atrasadas do país. A solução era quebrar o isolamento da revolução realizando a Revolução Alemã:

“Tudo o que acontece na Rússia é compreensível e representa uma cadeia inevitável de causas e efeitos, cujo ponto de partida e fim são: o fracasso do proletariado alemão e a ocupação da Rússia pelo imperialismo alemão. Seria exigir algo sobre-humano de Lênin e de seus camaradas se esperássemos deles que, em tais circunstâncias, evocassem a melhor democracia, a mais exemplar ditadura do proletariado e uma florescente economia socialista. Por sua posição revolucionária determinada, sua força exemplar em ação e sua lealdade inquebrantável ao socialismo internacional, eles contribuíram com tudo o que poderia ser feito sob condições tão diabolicamente difíceis.”

Ela também denunciou os dirigentes social-democratas na Alemanha que se recusaram a apoiar a Rússia soviética porque era uma “ditadura”:

“Que os socialistas do governo alemão gritem que o domínio dos bolcheviques na Rússia é uma expressão distorcida da ditadura do proletariado. Se foi ou é assim, é apenas porque é um produto do comportamento do proletariado alemão, em si uma expressão distorcida da luta de classes socialista. Todos nós estamos sujeitos às leis da história, e é apenas internacionalmente que a ordem socialista da sociedade pode ser realizada.” [grifo nosso].

Se lermos este artigo na íntegra, em vez de selecionar citações fora de contexto para deturpar seus pontos de vista, é impossível para um comentarista honesto interpretar Rosa Luxemburgo como oposta a Lênin e Trotsky. Ela concordava com Lênin em todas as questões importantes. Ela concordou com a forma como a Revolução de Outubro foi conduzida. Ela concordou com o que Lênin e Trotsky deveriam fazer para defender a jovem República Soviética. E como uma genuína internacionalista, ela entendeu que a Revolução Alemã tinha que ter sucesso para salvar (não derrotar) a Revolução Russa.

O mito em torno da Assembleia Constituinte

Conservadores, liberais burgueses, reformistas e até alguns de esquerda criticam o governo bolchevique por ter dissolvido a Assembleia Constituinte após a revolução – um ato considerado como prova de que Lênin e Trotsky eram “antidemocráticos” e “autoritários”. Os chamados apoiadores de Rosa Luxemburgo também se juntam a esse movimento, novamente citando seu texto de 1918:

“Mas a Constituinte e a lei do sufrágio não esgotam o assunto. Não consideramos acima a destruição das mais importantes garantias democráticas de uma vida pública saudável e da atividade política das massas trabalhadoras: a liberdade de imprensa, os direitos de associação e reunião, que foram proibidos para todos os oponentes do regime soviético.”

Ao apresentar a situação enfrentada pelos bolcheviques após a revolução de outubro e usar a citação de Rosa Luxemburgo dessa forma, os “luxemburguistas” ignoram um fator crucial da situação: a existência dos sovietes como órgãos democráticos do poder dos trabalhadores.

Luxemburgo ficou do lado da Revolução Russa, do lado dos bolcheviques e fez tudo ao seu alcance para replicar a revolução socialista na Alemanha como um passo em direção à revolução socialista mundial / Imagem: domínio público

Ao longo de sua história, os bolcheviques apoiaram a convocação de uma Assembleia Constituinte – que é essencialmente um parlamento burguês – cuja convocação seria um grande passo à frente do despotismo czarista. No entanto, na época de sua dissolução em 1918, a Assembleia Constituinte na Rússia não era mais representativa das massas russas, que gravitavam em direção a uma forma mais elevada de governo – os sovietes baseados no poder da classe trabalhadora. Nenhum parlamento burguês é capaz de expressar as opiniões em rápida mudança das massas trabalhadoras no curso de uma convulsão revolucionária. A Assembleia Constituinte, portanto, que estava atrasada em relação aos eventos revolucionários, tornou-se um ponto focal das forças contra-revolucionárias trabalhando para defender a essência do regime czarista reacionário.

A Assembléia Constituinte surgiu quando sua existência foi ultrapassada pelos eventos revolucionários vivos reais, e isso justificava sua dissolução pelo governo bolchevique. Ao fechar a Assembleia Constituinte, os bolcheviques não estavam dissolvendo a democracia. Em vez disso, eles estavam defendendo a verdadeira democracia dos trabalhadores representada pelos sovietes!

Os “luxemburguistas” tentam retratar Rosa Luxemburgo como uma defensora do parlamentarismo burguês em oposição ao poder soviético. Mais uma vez, isso é absolutamente falso. Apenas alguns meses depois de terminar de escrever A Revolução Russa (que, novamente, não esqueçamos, nunca foi publicado em vida), ela escreveu um artigo intitulado “A Assembleia Nacional” em novembro de 1918 (que ela publicou no Die Rote Fahne). A revolução havia acabado de estourar na Alemanha, e os liberais e reformistas estavam convocando uma “Assembleia Nacional” (o equivalente alemão da Assembleia Constituinte). Ao mesmo tempo, conselhos de trabalhadores estavam surgindo em toda a Alemanha. Isto é o que Luxemburgo tinha a dizer sobre a Assembleia Nacional:

“A Assembleia Nacional é um legado antiquado das revoluções burguesas, uma casca vazia, um requisito do tempo das ilusões pequeno-burguesas de um ‘povo unido’ e da ‘liberdade, igualdade, fraternidade’ do Estado burguês.

Recorrer hoje à Assembleia Nacional é, consciente ou inconscientemente, fazer a revolução voltar ao estágio histórico das revoluções burguesas; quem a defende é um agente secreto da burguesia ou um porta-voz inconsciente da ideologia pequeno-burguesa.”

Estas palavras de Rosa são totalmente ignoradas pelos nossos “luxemburguistas” de hoje. E a razão é evidente: ela está claramente pedindo a abolição da “Assembléia Nacional” democrática burguesa. Isso significa que Rosa Luxemburgo pretendia “destruir a democracia”? Pelo contrário! Luxemburgo, exatamente da mesma maneira que Lênin e Trotsky, estava defendendo as verdadeiras instituições da democracia operária – os conselhos operários, ou seja, os sovietes – da distração e confusão que a Assembleia Nacional teria criado para a revolução.

Longe de ser então a “defensora da espontaneidade” e adversária do bolchevismo, como nos é apresentada por todos aqueles que negam a necessidade de construir um partido revolucionário genuíno, vemos que Luxemburgo ficou do lado da Revolução Russa, do lado dos bolcheviques e fez tudo ao seu alcance para replicar a revolução socialista na Alemanha como um passo em direção à revolução socialista mundial. Esta é a verdadeira Rosa Luxemburgo, cujo legado reivindicamos. Nas palavras de Leon Trotsky, dizemos a seus falsos amigos: “Tirem as mãos de Rosa Luxemburgo!”

TRADUÇÃO DE TAISA LEONARDO.