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Segurança pública para quem?

A violência passou a ser a principal preocupação dos brasileiros, segundo pesquisa Quaest. O estado do Rio de Janeiro é, sem dúvida, o lugar onde a situação se apresenta como gravíssima, com um crescimento expressivo, em 2025, no número de tiroteios, mortos, feridos, vítimas de balas perdidas e baleados em roubos.

O sistema capitalista está em crise. E os grandes capitalistas reagem aprofundando a miséria: impõem cortes salariais e atacam direitos trabalhistas. Pressionam também pelo desmonte das políticas de seguridade social, tudo para que o Estado continue priorizando a proteção de seus lucros, mesmo às custas da vida da maioria.

O desemprego crônico, inclusive aquele que escapa às restritas categorias de desemprego das agências de pesquisa, e a substituição de postos de trabalho por outros marcados pela precariedade, como o trabalho por aplicativos, autônomo e contratos “pejotizados”, entregam à influência de chefes do lumpemproletariado milhões de jovens em plena idade produtiva.

A austeridade motivada pela crise, velada ou não, é um tipo de violência. Contudo, uma violência difícil de quantificar, imposta pela classe dominante em nome do seu deus, o capital. Para agradá-lo e obter o máximo lucro da exploração dos trabalhadores, tudo vale — até levar toda a sociedade ao caos.

Um relatório do Conselho Nacional de Justiça de 2024 estima que cerca de 116 mil pessoas integram diferentes quadrilhas no Rio de Janeiro. Diante da ausência de perspectivas de mudança estrutural, e atraídos por rendimentos superiores aos do mercado de trabalho legal (isso quando este sequer oferece oportunidades), uma massa praticamente inesgotável de novos miseráveis se dispõe a ocupar os lugares dos que morrem ou são encarcerados. Como pensar em “segurança pública” dentro desse cenário?

Apesar de rudimentar e contraditória, a criminalidade urbana, como compreendida hoje, é um tipo de reação dos setores mais oprimidos da sociedade ao cenário de decomposição do capitalismo — mas que atenta contra o próprio oprimido. Eis que chegamos à operacionalidade da segurança pública: uma necessidade da classe dominante para proteger a si e seus interesses nesse ambiente em que ela não conseguiria agir de maneira fragmentada. Sua via de atuação é a repressão às ameaças.

No maior jornal da burguesia fluminense, O Globo, o incêndio em uma fábrica de fantasias de escola de samba, que levou à morte e causou ferimentos graves em vários operários, foi noticiado com discrição quanto à responsabilidade dos proprietários. Afinal, inferindo da abordagem da reportagem, eles precisariam de tempo para elaborar uma explicação com o auxílio de seus advogados.

No subtítulo da matéria, lê-se: “Empresa atingida por incêndio (…)”. Atingida por incêndio? O ambiente de superexploração que se revelou pelas entrevistas aos operários — e que, muito provavelmente, está ligado ao incêndio — é tratado como uma realidade paralela e de pouca importância no ocorrido.

Que infortúnio sofrem as empresas que são atingidas por incêndios! O Estado deveria premiar seus proprietários pela benfeitoria de empregar tais pobres-coitados para construir uma festa tão importante quanto o carnaval. Milton Gonzales e Hélio Araujo de Oliveira, proprietários da fábrica, segundo a polícia, são suspeitos de estabelecer uma ligação clandestina de energia elétrica no local. Estão em liberdade até hoje.

Ou seja, os membros da classe dominante — sejam eles os agentes capitalistas da austeridade sob formas legais e cotidianas, ou mesmo suspeitos de crimes graves como o incêndio na fábrica — recebem um tratamento todo cuidadoso por parte da imprensa que eles comandam e pela justiça do seu Estado, isto é, do Estado que é constitucionalmente guardião da propriedade privada dos grandes meios de produção.

Milton Gonzales e Hélio Araujo de Oliveira, proprietários da fábrica, segundo a polícia, são suspeitos de estabelecer uma ligação clandestina de energia elétrica no local. Estão em liberdade até hoje

Se podemos dizer que existe algum tipo de segurança pública operante, esboçaremos a seguir uma encenação, em dois atos contrastantes, sobre como ela é praticada:

Cena um: advogados em ternos impecáveis e carros de luxo escoltam “suspeitos” até delegacias e tribunais. A imprensa noticia o caso com brevidade. O juiz, fiel ao princípio jurídico in dubio pro reo1, dá tempo para a defesa e a escuta com atenção. Caso se comprove um quadro de saúde fragilizado, não há motivo para negar a prisão domiciliar em alguma mansão à beira-mar.

Cena dois: jovens maltrapilhos empunham fuzis ou radinhos de comunicação para proteger ou ampliar domínios territoriais ligados ao crime. Um helicóptero sobrevoa atirando sobre as casas, enquanto tropas de homens armados pelo Estado, por solo, torturam e matam quem for considerado suspeito. Os que forem capturados, em geral, serão acusados com base exclusivamente na palavra dos próprios policiais e, muitas vezes, já presos em condições precárias, enfrentarão o peso de uma presunção de culpa, com escassos recursos para se defender.

O que é segurança pública? Deixemos que Dario Elias Nassif, delegado de polícia e secretário-geral da Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo, nos responda:

“Segurança pública, em primeiro lugar, não é só a atividade policial em si. Premente a interdisciplinaridade e transversalidade com os setores da educação, saúde, cultura.”

A concepção de Nassif, no entanto, se distancia daquela presente no artigo 144 da Constituição de 1988, que delimita a segurança pública, sobretudo, como responsabilidade das forças policiais e de instituições de controle:

“A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I – polícia federal;
II – polícia rodoviária federal;
III – polícia ferroviária federal;
IV – polícias civis;
V – polícias militares e corpos de bombeiros militares;
VI – polícias penais federal, estaduais e distrital.” (grifo nosso)

A Constituição brasileira, a lei magna do país, considera a segurança pública como sinônimo de eficiência policial. Basta observar os “órgãos” responsáveis por sua execução: todos têm a palavra “polícia”. Para uma abordagem realmente alternativa à lógica vigente, seria necessário, no mínimo, que o delegado se baseasse em uma crítica à própria legislação vigente.

A partir da chamada “PEC da Segurança Pública”, o governo Lula propôs uma alteração na legislação que, no entanto, está longe de ser uma crítica. A PEC visa incluir, especificamente no artigo 144, a Polícia Viária Federal e as Guardas Municipais como órgãos de segurança pública. Concedendo poder de polícia às guardas municipais, a PEC traz diversas medidas para aumentar a participação do Governo Federal na área da segurança em todos os estados.

Trata-se, portanto, de uma proposta de centralização do controle sobre as forças policiais e penais do país nas mãos do Poder Executivo. O que, vale destacar, não implica qualquer ampliação do conceito de segurança, mas sim uma reafirmação de sua lógica repressiva.

O governo diz que a PEC vai ajudar a cuidar da segurança do povo brasileiro. Na verdade, ela aumenta o contingente para a repressão nos bairros proletários pela criação de novas polícias e, de brinde, cria uma estrutura de comando unificada que poderá ser usada contra os movimentos sociais pelo chefe do Executivo nacional.

A PEC é um baita presente para a extrema-direita e vai de acordo com a lógica atual dos governos do Partido dos Trabalhadores (PT). Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, a Bahia, estado governado pelo partido, lidera nacionalmente os índices de mortes por violência policial em números absolutos.

É possível que a polícia da Bahia tenha aprimorado sua capacidade de distinguir “pobre” de “bandido”, conforme proposto por Lula? Caso afirmativo, os tribunais informais nas ruas e as penas de morte não oficiais aplicadas a “bandidos” pela polícia também teriam sido aprimorados?

Em suma, a ordem social do capitalismo brasileiro é mantida sob um tipo de “segurança pública” que, apesar de sua execução pelas polícias extrapolar significativamente a Constituição, cumpre o papel de manter sob controle, em um estado de sítio permanente, a parte da população que vive mais próxima da miséria. Esse aparato repressivo é protegido não apenas pelos detentores do capital, sua imprensa e seus políticos, mas também pelas direções servis dos trabalhadores.

Em frase atribuída a Darcy Ribeiro, ele teria afirmado que a crise na educação brasileira não seria uma crise, mas um projeto. Podemos afirmar, igualmente, que a crise na segurança pública — como muito se tem dito existir nos noticiários — é, igualmente, um projeto. O projeto está em crise devido aos seus “efeitos colaterais” crescentes, mas ainda é efetivo no papel que se propõe a cumprir.

No Brasil, as polícias matam mais do que os 15 países do G20 somados. Nosso sistema carcerário só é menor do que os dos Estados Unidos e da China. Mesmo assim, como mostra o Mapa dos Grupos Armados, em 16 anos, a área do estado do Rio de Janeiro controlada por grupos criminosos cresceu 105,57%. Em 2008, 8,8% dos territórios do estado eram controlados por eles. Já em 2023, são 18,2%. O que está dando errado?

Quanto mais as polícias atuam em ambientes de instituições democráticas frágeis, devido a uma economia capitalista igualmente frágil, mais constroem relações ambíguas com traficantes, contraventores, milicianos, assaltantes, matadores de aluguel etc. Precisamos entender por que isso ocorre.

Parte dos seus comandantes, com as mãos sujas de sangue da população pobre — considerada dispensável pelo grande capital —, assim como dos seus próprios agentes caídos, vai reivindicar uma recompensa da sociedade burguesa. Como o Estado não pode premiar seu “nobre esforço” na forma de um salário que garanta um estilo de vida burguês, buscam outros meios.

A burguesia brasileira, cada vez mais dependente das forças de repressão para continuar aplicando sua austeridade, até preferiria uma força de segurança pública republicana, disciplinada e bem remunerada para lidar com as consequências da desigualdade. Mas, não havendo condições objetivas para tal, ignora os “excessos” do atual modelo militarizado de ordem pública, desde que, de alguma maneira, a sua “segurança pública” seja mantida.

Caso ultrapassem certos limites — como foi com o assassinato da vereadora Marielle Franco e as inúmeras chacinas em operações nas favelas —, algo é feito. Foi assim que o ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro e um vereador conhecido por sua atuação em milícias acabaram presos, ambos suspeitos de envolvimento no assassinato da vereadora. De igual modo, em virtude das sucessivas chacinas perpetradas por operações policiais em favelas, que configuram punições coletivas à população, o Supremo Tribunal Federal viu-se compelido a aprovar medidas para reduzir a letalidade policial.

Existe um delicado mecanismo de pesos e contrapesos para se manter toda a velharia de guerra interna — que daria inveja a monarcas absolutistas do passado — funcionando. Desta forma, a degeneração policial é um desdobramento da decadência do sistema capitalista, que torna, pouco a pouco, a classe dominante incapaz de governar apenas por vias democráticas.

Os capitalistas de todo o mundo olham com atenção para a experiência em El Salvador. Após uma crise aguda de segurança, em que uma guerra de gangues ameaçava o próprio governo, o presidente Bukele tomou uma decisão drástica. A partir de um estado de exceção formal, com uma burocracia estatal forte sob seu controle e a opinião pública favorável a medidas drásticas, construiu enormes presídios e meteu neles milhares de pessoas do dia para a noite, fazendo presidiária 2% da população adulta do país. Os índices de homicídios despencaram e tudo indica que sua aprovação cresceu vertiginosamente. Bukele, capa da revista americana Time, é referido como o “líder autoritário mais popular do mundo”.

Se a burguesia brasileira propusesse, por meio de seus políticos, algo semelhante hoje, poderia causar um tremendo rebuliço político contra si. Apesar de alguns demagogos terem coragem de ir nessa direção, aproveitando o pânico entre a população causado pelos grupos armados, o caminho mais seguro ainda é usar o aparelho de Estado degenerado e corrompido a seu favor. Caso a situação se agrave como em El Salvador, não faltarão candidatos a bonapartes para aplicar todo o “rico” aprendizado.

No livro intitulado Oficiais do Crime (Matrix Editora, 2024), escrito em coautoria com um ex-sargento da Polícia Militar do Rio de Janeiro, lê-se o seguinte:

“Um ponto interessante a ser notado: no juramento dos praças, prestamos o compromisso de obedecer às autoridades, mas em nenhum momento se faz menção ao cumprimento das leis. Para a alta cúpula da PM, é mais importante um policial de baixa patente cumprir as ordens de superiores hierárquicos do que obedecer ao sistema normativo.

(…)

Existe um sistema estrutural arquitetado para encobrir e facilitar o cometimento de crimes praticados por oficiais corruptos de alta patente da polícia militar. Esses argentes públicos criaram uma verdadeira facção criminosa, a maior do Rio de Janeiro, talvez do Brasil, e, agindo nas sombras, utilizam toda a força e o aparato estatal em benefício próprio.”

O ponto mais interessante do livro é quando o ex-sargento descreve a Polícia Militar como uma força de segurança privada, um grupo armado que fornece “proteção” a quem pode pagar. Se, por R$ 500 mil mensais, é possível virar rei de um bairro e garantir proteção contra facções rivais, por R$ 1 milhão pode-se alugar o próprio veículo blindado da polícia, vulgo “caveirão”.

O delegado aposentado Hélio Luz, ex-chefe da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, concedeu entrevista ao podcast Fala Guerreiro Cast (YouTube), em 21 de agosto de 2024, na qual discorreu sobre as polícias.

A polícia foi feita para ser corrupta. Foi feita para ser corrupta por quê? D. João nunca botou um centavo da corte para formar a polícia. Passou um chapéu, catou de todo mundo que estava aqui morando e montou a polícia. Ele nunca botou um centavo. O Estado nunca botou. Nessa época que eu estou falando de Realengo, lembra? O bicheiro que mantinha a viatura, o bicheiro que fazia a limpeza da delegacia. Então, isso já é uma tradição desde 1808, desde o início do jogo. Então, a polícia sempre foi mantida por fora. Ela foi feita para ser corrupta. (…) Então, como é que faz a segurança, entende? O controle. Essa que é a função. Como é que faz o controle dos excluídos? Num país que a desigualdade é absurda. É o oitavo país em PIB e um dos maiores países em desigualdade. (…)”

A “tradição” de receber por fora do Estado, como afirma o ex-delegado Hélio Luz, se mantém. Um exemplo dessa situação ocorre em áreas mais nobres de bairros, onde a presença de bares, casas noturnas, mercados e lojas atrai um público maior ou com maior poder aquisitivo. Nessas áreas, é comum que os proprietários de estabelecimentos comerciais contratem policiais, estejam ou não em serviço, para proteger o local. A contradição se torna evidente: viaturas policiais são facilmente avistadas em frente a comércios, mas não em frente a escolas e hospitais, que se tornam vulneráveis a roubos, furtos e tiroteios entre grupos rivais.

Os limites morais para tal prática quase inexistem. Caso organizações ligadas a jogos ilegais, exploração sexual, tráfico de drogas, garimpo ilegal, grilagem e outras atividades criminosas também possam financiar a proteção de agentes públicos uniformizados, farão isso. Em casos como as chamadas “milícias”, policiais podem assumir diretamente o comando de operações criminosas. A população mais pobre se vê em uma situação de insegurança, sem saber se deve temer ou sentir terror diante da polícia.

A necessidade de proteção move também um gigantesco mercado de empresas de segurança em todo o Brasil. Em 2024, somaram-se 530 mil vigilantes em atuação nelas, com previsão de que esse número chegue a 1 milhão até o final de 2025. Se levarmos em consideração que há pelo menos três vezes mais empresas clandestinas de segurança do que legalizadas, estamos falando em algo próximo a 0,5% a 1% da população brasileira empregada nesse setor. A presença de membros ativos e inativos das polícias realizando atividades remuneradas irregulares, ou de ex-policiais atuando como proprietários, consultores, palestrantes etc., estabelece uma relação de proximidade entre empresas de segurança e as forças policiais.

No Rio de Janeiro, a Confederação Nacional do Comércio (CNC) estabeleceu um sistema de parceria com as polícias para intensificar o patrulhamento em áreas de grande circulação, denominado Operação Segurança Presente. A iniciativa conta com significativo financiamento da entidade, que aloca recursos superiores até mesmo aos destinados pelo próprio Estado ao programa.

Em um cenário de crescimento da criminalidade urbana comum, tudo indica que esse programa busca evitar uma “segurança ausente”. Ou seja, impedir que centros comerciais, onde circulam grandes volumes de capital, sejam tomados pelo caos causado por golpistas, batedores de carteira, ladrões de equipamentos urbanos, vendedores de produtos falsificados, traficantes de drogas, entre outros — tudo enquanto a polícia se ocupa, digamos, de assuntos “mais importantes”.

Enquanto isso, o trabalhador brasileiro, ao ter um bem subtraído ou ser vítima de algum outro crime, dificilmente poderá contar com a atuação eficiente da polícia ou com o apoio do Judiciário, historicamente lento quando se trata do proletariado. Na delegacia, o trabalhador comum se sente um grande incômodo, a estragar as estatísticas da criminalidade do bairro. Mesmo diante de crimes graves, como o homicídio, considerado um dos mais brutais, as perspectivas são desanimadoras, pois cerca de 61% dos casos não são solucionados.

Interligando forças públicas e privadas, a segurança pública no capitalismo constitui um sistema voltado à proteção dos burgueses, de seus interesses e dos indivíduos mais próximos a eles. Como afirma o ex-delegado da Polícia Civil Orlando Zaccone, dentro da lógica vigente, alguns parecem ser mais dignos de vida do que outros.2

As ilusões democratizantes que sustentam propostas de reforma das polícias, como as famigeradas câmeras nos uniformes, as aulas de direitos humanos nos cursos de formação policial ou o mantra “inteligência no lugar de violência”, desmancham-se conforme são aplicadas. Continuam as abordagens arbitrárias, as punições coletivas nas favelas, a corrupção generalizada e os arranjos informais que sustentam a governabilidade dos territórios.

A dissolução completa da instituição policial, em especial da Polícia Militar, e sua substituição por uma força interligada a uma economia socialista é condição para qualquer avanço civilizatório — a única solução definitiva para o crescimento dos grupos armados criminosos. A guerra continua porque é lucrativa, não porque inexistem forças sociais para encerrá-la.

Como já abordamos, a burguesia brasileira não pode prescindir da sua polícia, tampouco ameaçar a sua própria existência organizando e armando os trabalhadores nos seus locais de trabalho e moradia. Logo, a tarefa histórica de superar a polícia burguesa recai inteiramente sobre os ombros da classe trabalhadora. Sempre que possível, os trabalhadores devem se auto-organizar para garantir a segurança de suas atividades e realizar investigações independentes sobre os crimes cometidos contra si. A crítica às direções oportunistas precisa ser implacável.

Em entrevista à Rádio Metrópole, no dia 20 de dezembro de 2023, o governador petista da Bahia, Jerônimo Rodrigues, disse o seguinte sobre as chacinas no seu estado:

“Eu dou a ordem, eu quero operações, vá buscar o criminoso, vá buscar droga, aí a inteligência… eu não posso ficar no detalhe, mandando, até porque eu não entendo do detalhe do que é uma estratégia de segurança. Eu sei o que eu quero, e o que eu quero está acontecendo. (…)”

E o que Lula fez ao ser confrontado sobre as chacinas promovidas por Jerônimo e por seus aliados da Frente Ampla, Cláudio Castro (RJ) e Tarcísio de Freitas (SP)? Desconversou, seguido pelo então ministro da Justiça indicado por ele, Flávio Dino, a quem carinhosamente apelidou como o primeiro ministro comunista.

Para os agentes da conciliação de classes, o encarceramento em massa — que fornece um fluxo constante de mão de obra barata para grupos criminosos nas prisões brasileiras — pode continuar. As punições coletivas, chacinas e torturas, também. Fazer o quê? De mãos dadas com a burguesia, não há muito o que fazer. Além do mais, agora morando em bons bairros, comendo boa comida, a marcha fúnebre prossegue longe demais para se tornar um incômodo para os antigos representantes legítimos da classe trabalhadora.

“Queria que a vida fosse igual na novela
Jet Ski na praia, esqui na neve europeia
Sem pai de família gritando assalto ou sendo feito de escravo
Com 1-5-1 por mês de salário
Que não enche nem metade de um carrinho no mercado
Não paga a luz e água, o aluguel do barraco 
Aqui pro cidadão honesto ter um teto
Só pondo o fogão na cabeça, invadindo o prédio
Saindo na mão com o PM do choque
Sobrevivendo ao tiro da reintegração de posse
Pergunta pro tio do terreno invadido no escuro
O que é um trator transformando tua goma em entulho
Arrombado que me critica, me mostre o povo sorrindo
De carro, casa própria, churrasco no domingo”3

  1.  In dubio pro reo é uma expressão em latim que significa “na dúvida, a favor do réu”. Trata-se de um princípio jurídico segundo o qual, diante da incerteza sobre a culpa de um acusado, a decisão deve favorecê-lo, garantindo que ninguém seja condenado sem provas suficientes. ↩︎
  2.  ZACCONE, Orlando. Indignos de vida: a forma jurídica da política de extermínio de inimigos na cidade do Rio de Janeiro. 1. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2015 ↩︎
  3. Trecho da música “A Marcha Fúnebre Prossegue”, de álbum com igual nome, do grupo de rap paulista Facção Central. ↩︎