Em meio às esperanças esportivas, os cariocas não passam a borracha no sofrimento promovido pelo Estado aliado aos empresários.
Há quase sete anos o Rio de Janeiro vencia a disputa contra Madrid, Tóquio e Chicago para sediar as Olimpíadas de 2016. O orçamento total dos jogos é de R$ 39 bilhões, 27% mais do que o planejado, e, dos quais, 57% foi pago com dinheiro público. O Prefeito Eduardo Paes, que há poucas semanas fez questão de dizer que os incomodados deveriam se retirar da cidade, deixou claro desde o começo a quem serviriam os jogos olímpicos no Rio.
Entre 2009 e 2013, mais de 20.000 famílias foram removidas de suas casas, ou seja, aproximadamente 67.000 cidadãos foram retirados do caminho das obras e dos contratos milionários (e superfaturados). A Vila Autódromo é o símbolo dessa política de tratar os pobres como ratos, que se intensificou após 2014. Hoje, com apenas 20 das 824 famílias pessoas que residiam ali em 2009, a comunidade resiste entre escombros, poeira e máquinas barulhentas num cenário de guerra (criado pelo Prefeito propositalmente), espremida entre o Parque Olímpico e a lagoa de Jacarepaguá.
Além disso, quem viveu diariamente essa “preparação” do Rio para as Olimpíadas tem a sensação que isso durou setenta anos em sete. A Prefeitura negociou a cidade inteira, interditou e demoliu vias expressas importantíssimas para a circulação de quem trabalha na cidade, reduziu e extinguiu linhas de ônibus, modificou e piorou o trânsito de todas as formas possíveis e maquiou essa cidade com obras e serviços imprestáveis, cujo símbolo maior é o VLT, que fechou parte da avenida Rio Branco definitivamente e afunilou o trânsito do Centro inteiro para dar lugar a um elefante branco que leva 55 minutos da Rodoviária ao Santos Dumont, um trajeto que poucas pessoas fazem, mas que serviu para as mudanças paisagísticas que valorizaram os imóveis do chamado Porto Maravilha. Por outro lado, umas das poucas coisas que poderiam ser chamadas de legado foram abandonadas: as despoluições das lagoas e o tratamento do esgoto despejado na Baía de Guanabara.
A verdade é que o espírito olímpico ainda não desembarcou em solos cariocas. É difícil entrar em clima de festa e esquecer que para que esses quinze dias de jogos ocorra muita tragédia aconteceu por aqui. E, para conter o colapso político e social que pode vir à tona diante das câmeras de TV internacionais, foi preciso esquematizar uma olimpíada militarizada, com cerca de 60 mil policiais e 40 mil agentes das Forças Armadas para garantir a segurança dos jogos (não da gente, é claro).
Na Barra, a Vila dos Atletas também foi entregue com infiltrações e vazamentos de gás. A transolímpica tem rachaduras e o novo elevado do Joá tem goteiras. Duas pessoas perderam a vida na ciclovia que desabou na obra superfaturada na Avenida Niemayer. Além disso, como aconteceu durante a Copa e os Jogos Pan-americanos, os números da violência policial extrapolaram no ano olímpico: 151 pessoas foram assassinadas por agentes públicos de segurança em 2016 na cidade do Rio, 40 somente em maio – 135% a mais que no mesmo mês de 2015.
Que venha agosto e vá embora sem mais dramas. Mesmo antes do encerramento dos jogos é possível afirmar sem medo de precipitação que não houve glórias em sediar as olimpíadas no Rio. Esperamos poder comemorar ao menos a vitória do esporte, principalmente das centenas de atletas da delegação brasileira que colecionam histórias inacreditáveis de obstáculos e necessidades para alcançar o sonho de disputar as Olimpíadas.
* Gláucia Almeida Reis é uma colaboradora do site da Esquerda Marxista.