Significado e consequências do rebaixamento da nota de crédito do Brasil

A empresa de classificação de risco Standard & Poor’s (S&P) anunciou, na semana passada, o rebaixamento da nota de crédito do Brasil, que passou de grau de investimento a investimento de risco. Essa notícia foi propagada pela mídia burguesa como o maior e mais trágico acontecimento dos últimos tempos. Porém, em primeiro lugar é preciso compreender para que serve esse tipo de agência.

A empresa de classificação de risco Standard & Poor’s (S&P) anunciou, na semana passada, o rebaixamento da nota de crédito do Brasil, que passou de grau de investimento a investimento de risco. Essa notícia foi propagada pela mídia burguesa como o maior e mais trágico acontecimento dos últimos tempos. Porém, em primeiro lugar, é preciso compreender para que serve esse tipo de agência.

A S&P, é uma das três maiores no segmento junto da Moody’s e a Fitch, elas têm a função de avaliar a capacidade de pagamento de países e empresas públicas ou privadas de pagar suas dívidas, a nota que ela atribui não significa exatamente que o governo ou a empresa deu um calote e sim qual o risco de inadimplência com base em modelos pré-determinados e em condições esperadas. A partir dessas avaliações, o mercado financeiro irá determinar a qual taxa de juros vai emprestar dinheiro para as instituições e empresas e definir qual o valor de ações das empresas avaliadas, pela lógica, quanto maior a nota da agência, maior o potencial de pagamento da empresa ou país, as taxas de juros tendem a ser menores, sinalizando que a situação é favorável para aplicações e investimentos. 

Em países como os EUA, por exemplo, há uma classificação de risco inclusive para as pessoas que desejam fazer empréstimos. As taxas de juros variam de acordo com a solidez financeira do cliente, por exemplo: para alguém que paga as contas em dia, não tem empréstimos e tem casa própria, a taxa de juros é menor do que para quem tem o hábito de não pagar as contas em dia e já tem algum financiamento. 

No Brasil, há uma experiência bastante recente que vem sendo testada pelo mercado financeiro nacional, o “cadastro positivo”, que visa seguir o modelo norte americano de classificar o risco de inadimplência das pessoas através de notas de crédito. Então, se um trabalhador desejar comprar um eletrodoméstico a prazo numa loja ele será avaliado de acordo com os critérios das agências de classificação de risco sobre a sua capacidade de pagamento, porém, apesar de parecer interessante já que premia os “melhores pagadores” esse tipo de medida serve apenas para justificar a imprudência e a farra dos bancos ao emprestar dinheiro, se valendo do histórico do consumidor para se isentar de qualquer culpa na concessão do crédito, e apenas cobrando mais juros de quem já enfrenta uma situação financeira complicada. 

Aparentemente, a agência de classificação de risco serve para orientar ou tornar mais fácil a percepção de possíveis maus pagadores, mas a realidade e os fatos mostram que atrás desse discurso há muito mais interesses de grupos ou organizações e pouca relação com a realidade dos fatos. Antes de adentrar nos méritos apresentados pela agência para o rebaixamento da nota do Brasil é preciso ressaltar que a S&P e outras agências, são nada mais do que atores que contribuem para a especulação e para a farra que é o sistema financeiro mundial. 

Não é preciso ir muito longe para saber que a atuação dessas agências é praticamente inútil para prever a inadimplência de um governo ou empresa (ver aqui), os exemplos mais evidentes foram: a quebra do Banco Lehman Brothers, que na manhã do dia 15 de Setembro de 2008, dia em que anunciou a falência, possuía nota grau de investimento das agências de classificação de risco (uma nota maior do que a S&P atribui ao Brasil hoje), outro exemplo é o da falência da empresa Enron em 2004, quando após 5 dias de decretada concordata, ela ainda possuía grau de investimento. A própria Grécia, que está assolada na crise até hoje, demorou muito tempo até que as agências percebessem que estava na iminência de quebrar financeiramente (ver aqui). Esses exemplos ilustram bem a função delas, que servem como auxílio para a especulação no mercado financeiro. 

Um rebaixamento ou um aumento da nota de uma empresa, por exemplo, pode significar milhões ganhos ou perdidos na bolsa de valores. Mais que avaliar risco, essas agências se valem muitas vezes de fatos subjetivos para alterar a realidade (ao menos aparente) de um país ou empresa, atendendo ao interesse de diversos segmentos do mercado financeiro. Travestidas de uma visão “técnica” dos fatos, essas agências vão buscar entre seus critérios mecanismo que afastem as “decisões políticas” valorizando decisões de burocratas e técnicos, porém o que se mostra presente nessa linha é que as decisões técnicas sempre pendem aos interesses de determinados setores e segmentos que historicamente nunca foram da classe trabalhadora. Os critérios técnicos nada mais são que medidas que tornam impessoal as decisões políticas, afastando com isso qualquer possiblidade de que essas decisões deixem de beneficiar o Capital. 

Essa noticia do começo desse ano evidencia os interesses e como procedem as empresas de classificação de risco, assim como o documentário “Inside Job” que retrata como se iniciou a crise de 2008, e fala sobre o papel fundamental dessas agências nas especulações e na expansão desenfreada do crédito nos EUA.  

As contas nacionais são muito mais complexas que as contas de pessoas e empresas, há nos quesitos avaliados uma série de imposições do capital aos países do terceiro mundo como forma de coação para que esses adotem a linha de defesa do capitalismo à risca. É feita uma análise do cenário macroeconômico respaldado pela capacidade do país em “economizar” para pagar os juros da divida pública, os esforços que o país faz para cortar gastos, o nível da inflação, etc. Nesses esforços, os gastos a serem cortados podem ser os da saúde, educação, etc.. conforme anunciou um grupo em que estavam os maiores capitalistas do Brasil em reunião com a presidente Dilma (ver aqui), o importante é economizar para pagar os juros da impagável dívida pública. Há, portanto, mais que uma avaliação sobre a realidade do país, o que se avalia é se o país se encaixa e quais os esforços que ele faz para se encaixar nas receitas ditadas pelo Consenso de Washington, que veio com uma série de imposições vindas dos EUA a partir da década de 1980 para os países da América Latina que deveriam seguir uma cartilha elaborada por economistas do FMI e do Banco Mundial, para resolver seus problemas de “subdesenvolvimento”, entre os pontos estão a privatização total da economia, o corte de gastos em programas sociais, o fim de qualquer barreira que vise proteger a economia local e o combate a qualquer barreira cultural que impeça os avanços de multinacionais e da cultura dos países capitalistas. Ao mesmo tempo, é preciso dizer que nenhum dos países capitalistas, chegaram ao nível de desenvolvimento das forças produtivas adotando essas medidas, inclusive os economistas burgueses mais coerentes admitem isso [1]. 

O Brasil passa por um período conturbado na economia, com um crescimento negativo e com a inflação alta se comparada aos anos anteriores. O segundo mandato de Dilma seguiu a risca praticamente toda a receita imposta pelas agências de classificação de risco e por órgãos como o FMI e o Banco Mundial, inclusive com a nomeação de Joaquim Levy (um banqueiro e conhecido defensor dos interesses do mercado), para ministro da fazenda, e com isso imaginava-se que estava atenuada qualquer possibilidade de revisão de nota do Brasil, o governo acreditava que com essas medidas impopulares seria possível “acalmar” os bancos e capitalistas para recuperar o otimismo e reestabeler o crescimento econômico dos anos do governo Lula. 

É possível observar no relatório da S&P que os “problemas políticos” para fazer o ajuste fiscal proposto por Joaquim Levy prevaleceram como determinantes para a redução da nota, já no primeiro parágrafo que fundamenta o rebaixamento a S&P diz:

Em nossa opinião, o perfil de crédito do Brasil enfraqueceu-se desde 28 de julho, quando alteramos para negativa a perspectiva do rating do país. Nessa data, sinalizamos um aumento nos riscos de execução relativos às correções nas políticas em andamento, principalmente aqueles gerados pela fluidez das dinâmicas políticas no Congresso, associadas aos efeitos indiretos das investigações de corrupção na Petrobras. Percebemos agora uma redução na convicção quanto à política fiscal no gabinete da Presidente.

A proposta orçamentária de 2016, apresentada em 31 de agosto, incorporava ainda outra revisão das metas fiscais do governo em um curto período de tempo. O orçamento proposto tem como base um déficit primário de 0,3% do PIB, ante a meta de superávit anteriormente apresentada de 0,7% do PIB, anunciada em julho. Esta mudança reflete os desacordos internos acerca da composição e da magnitude das medidas necessárias para reparar o deslize nas finanças públicas. (Rating soberano em moeda estrangeira do Brasil rebaixado para ‘BB+/B’; perspectiva negativa)

Logo nas primeiras linhas, entre outras coisas, aparece o “pecado original” do governo federal, que mesmo diante de todos os esforços enviou ao congresso nacional o orçamento para 2016 com previsão de déficit primário e isso pode ser considerado um crime para a linha mais ortodoxa da economia, pois significa que mesmo após todos os cortes anunciados, o governo ainda irá ter um gasto/investimento de 30 bilhões de reais a mais do que arrecadará, excluindo os gastos com pagamentos de juros da dívida pública, ou seja, o saldo que o governo irá usar para realizar o pagamento dos juros da dívida pública está negativo, o que o governo terá de fazer são novos empréstimos para conseguir fechar o orçamento no próximo ano, o problema para a agência não é o que o país gasta com a dívida pública, mas com saúde, educação, moradia, saneamento básico e etc. O ministro Joaquim Levy já sinaliza que é preciso alterar e atacar direitos trabalhistas, como forma de cortar mais gastos. Durante toda a justificativa do relatório há muito mais questões “politicas e subjetivas” do que a realidade econômica, não que ela esteja boa, mas dados os parâmetro das agências para outras empresas ou países, é fácil perceber que a situação política é que está de fato interferindo na decisão da S&P. 

Tudo indica que quando o governo Dilma Roussef enviou ao congresso a proposta de orçamento com déficit, tentou pressionar o congresso a auxiliar o governo em mais cortes no orçamento, porém a pressão política e os desgastes públicos entre o executivo e o legislativo tornam essa tarefa difícil de ser aceita. Com isso, a possibilidade de novos cortes em áreas como a saúde e a educação não estão descartados, bem como ataques ainda mais duros à CLT e aos direitos conquistados pelos trabalhadores. 

Além do corte de investimentos e gastos, o governo federal cogita o aumento de impostos sobre o consumo, sem em nenhum momento falar em taxação de grandes fortunas ou mesmo numa mudança da estrutura tributária. Portanto, o governo age em duas linhas para atacar os trabalhadores, aumenta os impostos sobre o consumo e corta direitos. 

O rebaixamento da nota do Brasil pode servir ao governo como mais uma justificativa para que esses ataques sejam aplicados. Com o respaldo de uma agência internacional e toda a pressão da classe dominante. A solução apresentada também não é o que parece, uma vez que o dito “ajuste fiscal” nada mais é do que uma política que irá contrair a economia, a tendência é que nos próximos anos, com a economia desacelerada, menos pessoas trabalhando, consumindo e pagando impostos, haverá uma redução na arrecadação, a pressão por mais cortes será cada vez maior. Além disso, há uma volatilidade no câmbio, que numa análise simplória, faz com que haja um aumento no preço de produtos importados (como o trigo, por exemplo) e pode até contribuir para o equilíbrio no saldo da balança comercial, já que auxilia nas exportações e desincentiva as importações, mas que prejudica ainda mais o controle da inflação.

O que fica claro com isso é que na burguesia e na elite todos ganham mesmo com uma notícia ruim. O mercado financeiro ganha, pois o rebaixamento da nota faz com que o Brasil se veja obrigado a pagar mais juros para refinanciar sua dívida pública e conseguir novos financiamentos, sem que esse novo cenário represente de fato um aumento do risco de o Brasil não pagar a dívida e os empresários ganham, pois com esse cenário ganha força a ideia de reduzir ainda mais os direitos trabalhistas. O cenário que se avizinha é claro, mesmo que o governo e a própria presidente ainda mantenham uma linha e um discurso voltado para a lógica de desenvolvimento nacional atrelado à burguesia produtiva e da necessidade de sacrifícios momentâneos, a realidade é que o capital financeiro ganha cada vez mais espaço. E dessas disputas internas da própria burguesia, os trabalhadores são os únicos que perdem e são de fato atacados.

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[1] Ver o livro do Economista sul coreano quHa-Joon Chiang que utiliza uma paródia para dizer que os países capitalistas se utilizaram dos métodos que agora criticam e quando chegaram ao topo “chutaram a escada” para que os outros países não chegassem la.: CHANG, Ha-Joon. Chutando a Escada – a estratégia do desenvolvimento em perspectiva histórica. Trad. Luiz Antonio de Oliveira Araujo. São Paulo: UNESP, 2004.