“Na sua grande maioria, eles são filhos, irmãos ou parentes dos meus próprios operários, que trabalham portanto na mesma fábrica (…) Elas só prestam serviços leves e compatíveis com a sua idade e forças; além disso é-lhes permitido levarem consigo certos alimentos, como pão, frutas, etc., e, quando querem, a qualquer hora, comem o que consigo levam…
“Na sua grande maioria, eles são filhos, irmãos ou parentes dos meus próprios operários, que trabalham portanto na mesma fábrica (…) Elas só prestam serviços leves e compatíveis com a sua idade e forças; além disso é-lhes permitido levarem consigo certos alimentos, como pão, frutas, etc., e, quando querem, a qualquer hora, comem o que consigo levam. (…) é de surpreender ver-se essa pequenada trabalhar e sempre tenho a impressão que eles o fazem sem grande esforço, impressão esta confirmada pelo modo como é feita a saída, depois do trabalho terminado. É uma verdadeira revoada alegre e gritante que sai à frente dos maiores, correndo e brincando (…)” – Discurso de Jorge Street, no início do século passado, proprietário da fábrica Maria Zélia, que se vangloriava de empregar grande quantidade de trabalhadores infantis “livrando-os do vício e da delinquência”. Eram cerca de trezentos meninos e meninas trabalhando, como os adultos, dez horas diárias.
Os jornais anarquistas, entretanto, noticiavam algo bem diferente: as crianças eram obrigadas a executar “trabalhos superiores às suas forças” e, muitas vezes inexperientes devido à sua idade, “deixam-se fatalmente despedaçar pelas máquinas, ou, com medo dos castigos dos contramestres, limpam as máquinas com elas em movimento, do que resulta ficarem despedaçados nas engrenagens.” Os trabalhadores infantis eram frequentemente açoitados com correias pelos contramestres, trabalhavam tanto quanto os adultos, em péssimas condições e, assim como as mulheres, ganhavam menos da metade do pouco que recebiam os homens operários.
O emprego de crianças nas fábricas era tão naturalizado que Francisco Matarazzo chegou a adquirir máquinas de tamanho menor, adaptadas aos pequenos, para equipar suas fábricas. Os jornais burgueses defendiam os bens morais e pedagógicos consequentes do trabalho infantil.
Se hoje o discurso de Street nos parece absurdo, muitos foram convencidos por ele nas primeiras décadas do século XX. Muitos viam, em homens como ele, grandes benfeitores que tiravam crianças pobres e órfãs das ruas para lhes dar uma oportunidade e salvá-las dos “perigos” e imoralidades da vida “solta” na cidade.
Hoje, quais discursos igualmente desprezíveis, sob a fala doce dos burgueses, são igualmente eficientes sobre os homens e mulheres de nosso tempo? Quais os interesses escusos que passam desapercebidos sob discursos repletos de “boas intenções”? Em quais entrelinhas esconde-se a perversidade ideológica que as linhas não deixam entrever?