Está nas mãos do presidente da Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 3887/2020. Esse documento propõe a criação de uma Contribuição Social sobre Operações de Bens e Serviços, apelidada de CBS. Sua abrangência incluiria a venda de livros, que de isentos passariam a ter uma tributação de 12%. O questionamento a essa iniciativa do governo Bolsonaro tem sido feito em duas frentes: a defesa do mercado editorial brasileiro e da Constituição de 1988. Entretanto, há pelo menos outros dois aspectos que interessam aos trabalhadores. Vamos abordar um deles neste artigo.
Ao contrário do que busca fazer crer o senso comum, a Reforma Tributária apresentada pelo ministro Paulo Guedes nada tem de apolítica. Utilizando a linguagem dos números, a medida faz avançar os interesses da burguesia imperialista e dos setores mais próximos a ela da burguesia brasileira. A economia mais uma vez se mostrando como política concentrada, como tão bem explicou Vladimir Lenin. Por isso que, enquanto se preveem 12% de tributação para impressos em geral, pagariam apenas 5,9% os bancos, financeiras e planos de saúde.
Há outros aspectos políticos decorrentes dessa proposta econômica. Sua aplicação levaria a uma recomposição do mercado editorial brasileiro. Editoras e livrarias sofreriam um duro impacto, depois de engolir um encolhimento de 20% nos últimos anos. Isso levaria a uma concentração de capital sob o comando de empresas com capilaridade para explorar um setor de lucratividade mais difícil. Seria um prato cheio para Jeff Bezos e outras empresas imperialistas como a Amazon.
Do monopólio do conhecimento pela Igreja Católica rumamos para o monopólio do mercado pela Amazon. Do controle sobre a distribuição da informação por parte de um séquito de padres, avançamos para o controle da mesma por parte de editores, programadores e CEOs. Trata-se de uma completa negação da liberdade de expressão, um dos valores filosóficos mais avançados concebidos pela burguesia e trazidos à humanidade. Essa foi a base sob a qual essa classe social impôs suas repúblicas e aposentou as velhas monarquias absolutistas, e com elas o domínio obscurantista do clero e do Papa.
Contraditoriamente parte de Paulo Guedes a proposta que acaba com a imunidade tributária de livros no Brasil. Um ministro que diz ser a encarnação viva do capitalismo e de seus valores. Porém, é uma contradição apenas na aparência. A mesma burguesia que pode se orgulhar de originar personalidades como Thomas Jefferson e John Milton, que trouxe ao mundo os valores iluministas e que unificou a economia mundial agora precisa renegar seus ideários originais para continuar existindo.
Ideias obscurantistas e totalitárias são necessárias para as atuais classes dominantes. Elas são expressas em uma linguagem direta por Jair Bolsonaro e Donald Trump, em economês por Paulo Guedes e Milton Friedman. Fazem parte do conjunto ideológico correspondente à manutenção da sociedade moderna. Alguns erroneamente definem isso como neoliberalismo, pressupondo haver outro tipo de capitalismo possível, mais humano e menos cruel. A tributação de livros é apenas uma das táticas da burguesia para períodos de crise.
A equação que busca resolver permanentemente é como manter a dominação sobre uma sociedade em que os trabalhadores compõem a maioria esmagadora da população. Questionam-se os meios de manter respirando um regime econômico em crise permanente. Um sistema capaz de sobreviver apenas por meio de aparelhos fornecidos pelos Estados nacionais na forma de empréstimos, crédito e dinheiro dos trabalhadores. A completa incapacidade do capitalismo para atender as necessidades da sociedade moderna ficou escancarada com a pandemia da Covid-19.
Por isso que a resposta a que chegam está tão longe dos nobres ideais que levantava em sua luta contra a sociedade feudal. Por isso que, no lugar de liberdade de expressão e Estado laico, temos ameaças de tributação de 12% sobre jornais, revistas e livros, ao mesmo tempo em que se mantêm a imunidade tributária das igrejas e Bolsonaro vai a público se comprometer com mais fomentos estatais às instituições religiosas.
O Estado autoritário da burguesia brasileira ameaça dessa forma remover até mesmo os enxertos democráticos que nele foram colocados pela luta de classes. A atual isenção para jornais, revistas e livros foi inscrita na legislação do Brasil em 1946, como obra política do então deputado Jorge Amado, eleito pelo Partido Comunista. Assim como as ideias e ações de Thomas Jefferson nada tem a ver com o sentido das ideias e ações de Donald Trump, em nada pode-se comparar John Milton com Milton Friedman. A não ser pelo elo histórico de ambos serem líderes e representantes da mesma classe social. Os primeiros no período de ascensão histórica da burguesia; os segundos, em seu período de falência.
PUBLICADO ORIGINALMENTE EM LIVRARIAMARXISTA.COM.BR