Em 13 de maio de 1888 foi assinada a chamada “Lei Áurea”, que aboliu legalmente a escravidão no Brasil. Setores do movimento negro se insurgem contra comemorar esta data alegando que foi uma falsa abolição e que serve para dar ares de bondade à princesa Isabel. Esse raciocínio é incrível. Que uma princesa seja reacionária não é surpresa. É de sua natureza social. Mas, não comemorar a assinatura de uma lei que diz que você e teus filhos não podem ser comprados e vendidos, açoitados e mortos ou torturados, isso é absurdo. O que conquistou a abolição foi a luta dos negros e brancos abolicionistas e o desenvolvimento do capitalismo contra as monarquias feudais. Leia a Declaração da Esquerda Marxista sobre a questão.
Enquanto houver capitalismo, haverá racismo
A escravidão moderna nas Américas nasceu da necessidade de mão de obra abundante para a exploração agrícola intensiva das Américas. Era o tempo do desenvolvimento das grandes navegações e da procura de novos mercados da nascente burguesia que culminaram na revolução industrial, ou seja, o período de acumulação inicial do capital. Foi também nesta época que nasceu o racismo.
A burguesia precisava explicar “cientificamente” porque, mesmo após a Revolução Francesa com as bandeiras de “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, seres humanos eram comercializados e tinham sua liberdade roubada.
As “teorias” racistas surgem, então, para resolver a contradição do desenvolvimento capitalista na Europa criando o “exército de homens livres assalariados” e ao mesmo tempo a manutenção do sistema de “Plantations” (as grandes fazendas agrícolas nas Américas baseadas na mão de obra escrava), que era um imenso capital de propriedade dos nobres e burgueses europeus.
Desde o início, o racismo é fundamentado na afirmação que a espécie humana é dividida em famílias raciais e que umas são superiores às outras. Uma delas é amparada na “missão civilizatória do homem branco”, ou seja, na missão do homem branco europeu e cristão. O racismo é uma ideologia fundamentada em pressupostos subjetivos e, hoje sabemos, completamente anticientíficos, para justificar uma exploração e opressão econômica, a acumulação de riquezas de uma classe com base no massacre de outra classe. O nascedouro desta concepção é o sistema capitalista. O racismo não existia antes do capitalismo.
Mas, como explicou Marx, o capitalismo precisa, para sobreviver, se revolucionar constantemente. E no auge do desenvolvimento capitalista da livre concorrência o capitalismo foi obrigado a liquidar mesmo os restos do antigo sistema de produção baseado na escravidão. A expressão mais clara e impressionante disto se viu na Guerra da Secessão norte-americana, a guerra civil do norte industrial contra o sul agrícola escravagista, em que 1,5 milhão de pessoas morreram para que os EUA pudessem se tornar uma potência capitalista plenamente desenvolvida.
Mas, não foi somente o desenvolvimento do capitalismo e as transformações no velho mundo que levaram à abolição no Brasil. Já vinha de longe a luta contra a pilhagem, exploração e opressão. Vinham de longe as lutas dos quilombos, em especial a luta de Zumbi em Palmares, as revoltas dos jangadeiros do Ceará, a Cabanagem, a Balaiada, a Sabinada, a Revolta dos Malês, as fugas das senzalas organizadas massivamente como as de Cosme Bento, os tipógrafos abolicionistas do Rio de Janeiro e São Paulo, a significativa contribuição dos Caifazes e dos ferroviários da antiga Santos-Jundiaí, em São Paulo. Estas lutas crescentes impõem conquistas da luta de classes e surgem como leis contra a escravidão, a Lei Sexagenária, a Lei do Ventre Livre, finalmente a Lei da Abolição da Escravidão. A abolição foi fruto, também, do primeiro grande movimento popular nacional.
Mas, a miserável burguesia brasileira sendo obrigada a renunciar ao seu capital, os escravos, prontamente se fez indenizar pelo Estado com dinheiro público ao mesmo tempo que fazia valer a “Lei de Terras” que impedia o acesso dos ex-escravos às terras. De fato, a Abolição feita pela mão da burguesia brasileira significou a expulsão dos negros do campo. Após a abolição, os ex-escravos, em sua grande maioria lavradores, foram, portanto, expulsos da terra e seu destino era a sobrevivência em quilombos perdidos ou a miséria nas periferias das cidades. Foram estas condições materiais de subsistência que consolidaram o ciclo perverso da pobreza e da miséria na qual vive hoje a maioria da população negra do país. Isto é um fato cujas raízes estendem seus tentáculos na formação econômica e social do Brasil até os dias de hoje.
Seria, entretanto, uma aberração não comemorar a conquista de uma lei de liberdade e “preferir” a velha situação de escravos no campo ou nas casas. O ideal seria a libertação dos escravos junto com uma revolução agrária que lhes desse as terras que trabalhavam e uma revolução política que desse todos os direitos e meios para desenvolvimento dos ex-escravos das cidades. Não foi isso, entretanto, o que aconteceu porque não havia forças sociais capazes de realizar este programa na época. Mas, negar as conquistas arrancadas é negar a história de luta de todos que tombaram pela bandeira da abolição e de todos que se insurgiram contra a escravidão de homens e mulheres usados para acumular riqueza para as parasitárias classes dominantes.
Os socialistas são antirracistas e igualitários por essência
Os socialistas lutam pelos interesses imediatos e históricos do proletariado e, portanto, de todos os oprimidos, e em todas as etapas destes combates sempre encontram o desafio de construir a unidade dos oprimidos e explorados diante dos obstáculos criados pela própria sociedade de classes. Obstáculos que são muitas vezes verdadeiras armadilhas, principalmente ideológicas, que a burguesia cria com o objetivo de manter a sua dominação de classe e evitar a revolta dos explorados e oprimidos.
Desde o início dos anos 1970, uma nova “teoria” que se propõe a “combater” o racismo é desenvolvida de forma ampla nos EUA. Mesmo que as primeiras cotas raciais, ou “ações afirmativas”, tenham sido utilizadas na Índia, logo após a independência para estrangular uma situação revolucionária aberta e estabilizar a situação, como as reservas de vagas nas escolas e estabelecimentos públicos para os chamados intocáveis (dahlits), foi com Lindon Johnson e com Nixon, nos EUA, que surgem as políticas afirmativas (cotas, etc.) como política oficial de governo nos EUA. Era uma reação da burguesia contra às mobilizações pelos direitos civis (movimentos democráticos que exigiam igualdade de direitos) que mobilizavam milhões no início dos anos 60. Era preciso desviar e canalizar um movimento com possibilidades insurrecionais e capaz de levantar o proletariado norte-americano contra todo o sistema.
Essa política tem como centro a aplicação de cotas ou reservas de vagas nas universidades públicas, no serviço público, empresas, programas de televisão, etc., para negros. Chamadas de “ações afirmativas”, estas políticas nada têm a ver com as reivindicações dos trabalhadores, ou com reivindicações democráticas. Elas se destinam a perpetuar a competição inerente ao sistema capitalista e transforma o proletário negro e o jovem negro, individualmente, em cidadãos da corporação cotista sem ligação com sua classe ou origem social.
O imperialismo tenta inventar uma nova forma de evitar a revolta negra, portanto proletária. A partir de fundos de uma das grandes empresas mundiais foi constituída a Fundação Ford com objetivo de promover a “igualdade de oportunidades” (que nada tem a ver com a igualdade de direitos, pois “oportunidade” você pode ou não conquistar, já direito igual você tem conquistado), como principal “doadora” de bolsas para pesquisas que “fundamentem” essas políticas e reneguem a luta de classes, transformando-a em “luta racial”.
Atualmente existe uma indústria e uma forma burguesa de promover “alguns negros” com objetivo de “criar uma classe média negra” o que “estenderia gradualmente melhorias na vida de todos os negros e suavemente faria desaparecer o racismo, um dia. Revistas para negros, universidade para negros, shampoo para negros, cosméticos especiais para negros, remédios especiais para negros, pois existiriam até mesmo doenças “de negros”. O que é uma grande uma falsificação “científica”, pois a “doença de negro”, a anemia falciforme, aparece em todos os povos que sofreram a malária por vários séculos, sejam eles africanos ou asiáticos ou qualquer outro. Portanto, não é “doença de negro”, mas uma doença de povos originários de regiões com malária.
Esta “indústria negra”, sempre apresentada com o objetivo de “elevar a auto-estima”, “valorizar o negro”, etc., tem acima de tudo um objetivo político: tentar criar uma classe média negra integrada ao sistema capitalista e que o defenda, que ajude a burguesia a salvar o capitalismo com a ajuda de uma parte dos próprios explorados pelo sistema. E apenas há espaço para uma pequeníssima parte já que a imensa massa de negros pobres e sofridos nada tem a ganhar neste sistema que está baseado na exploração de classe. As únicas verdadeiras e duradouras conquistas dos negros do Brasil estão intimamente ligadas às conquistas da classe trabalhadora.
A abolição da escravidão, portanto o 13 de maio deve ser comemorado como conquista da luta do povo brasileiro ao mesmo tempo que deve ser um dia de denúncia das atuais condições de vida da população negra e pobre. E a escravidão que temos agora que derrotar é a escravidão assalariada do sistema capitalista e seu regime de guerras, miséria, opressão e exploração, e que usa o racismo e estas políticas racialistas (políticas afirmativas, cotas, etc.) para dividir e reinar.
Em honra a todos os negros que morreram em luta contra a escravidão, aos que morreram como escravos, aos abolicionistas, ao proletariado brasileiro da qual os negros são um importante componente, em honra a todos eles a Esquerda Marxista continua o combate pela verdadeira liberdade e igualdade contra esse sistema econômico baseado na opressão que deve ser enterrado junto com todas as suas miseráveis roupas ideológicas como o racismo.
Nossa luta é para um dia reunir em fraternidade toda a espécie humana fazendo do planeta Terra não mais uma coleção de povos e países, mas apenas a Internacional.
Abaixo a divisão entre os oprimidos. Igualdade total para todos. Abaixo toda discriminação.
Abaixo o racismo. Abaixo a exploração. Abaixo o capitalismo.
Viva a Abolição!
“Racismo e capitalismo são faces da mesma moeda.” (Steve Biko)