Uma nova tentativa das massas de impor uma solução para seu confronto de oito meses com o presidente Aleksandar Vučić marcou o último dia 28 de junho. Uma manifestação massiva de 150 mil pessoas varreu Belgrado. Gritos de “Uhapsite Vučića!” (“Prendam Vučić!”) ecoaram pelas ruas e praças. Também foram apresentadas contundentes demandas por eleições antecipadas. A luta tem sido contínua desde o desabamento da cobertura da estação ferroviária de Novi Sad, em 1º de novembro de 2024, que matou 16 pessoas e expôs a falência sistêmica e a corrupção do regime.
A exigência que encabeçou este movimento, de que os responsáveis pela tragédia sejam responsabilizados, tem sido sistematicamente ignorada por Vučić. É evidente que, mesmo uma reivindicação tão básica, não pode ser atendida pelo regime. Há algum tempo, também se tornou cada vez mais claro, para uma grande parcela da sociedade sérvia, que, enquanto Vučić estiver no poder, os responsáveis por este crime, ou por qualquer um dos múltiplos escândalos de corrupção que marcaram indelevelmente o regime, jamais serão responsabilizados.
Após o desastre, os estudantes decidiram que já era o suficiente e ocuparam suas universidades. Desde então, eles têm organizado sua luta por meio de assembleias estudantis democráticas de massa, chamadas de plenárias, uma tradição oriunda de lutas estudantis anteriores. Essas plenárias têm sido a espinha dorsal do movimento desde então, resistindo bravamente a todas as pressões e ameaças, e mobilizando amplo apoio popular em torno delas.
Durante oito meses, ocupações de faculdades, manifestações, bloqueios de estradas e milhares de protestos em todo o país permaneceram pacíficos, apesar das provocações calculadas do regime. Entre elas, está o uso imprudente de um canhão sonoro contra centenas de milhares de pessoas na grande manifestação de 15 de março, em Belgrado. A debandada de pânico provocada pelo impacto da arma sonora poderia ter causado muitas vítimas. Vários manifestantes ficaram feridos, mas as consequências poderiam ter sido muito piores.
No entanto, no sábado, eclodiram confrontos, resultando na prisão de dezenas de manifestantes pela polícia e pelas forças de segurança. No dia seguinte, Vučić, em seu típico estilo ameaçador, declarou que “não haveria perdão” para ativistas antigovernamentais.
“Não se pode derrotar a Sérvia com violência. A Sérvia não parou e nem vai parar”, disse Vučić em uma coletiva de imprensa, transformando o slogan de seu partido — A Sérvia não deve parar — em um mantra. Como de costume, Vučić se equiparou à nação e, de forma nada sutil, insinuou que o movimento contra seu governo é “antissérvio”. Prometeu mais prisões e ignorou os pedidos por eleições antecipadas. Também acusou os manifestantes de fazerem “um apelo direto a conflitos civis e ataques à polícia”.
Aliás, esse comentário confirma até que ponto o regime foi minado por meses de ações em massa — o que não se limitou a manifestações como a de sábado ou à ainda maior de 15 de março. Houve milhares de ações organizadas em todo o país.
Os apelos dos estudantes para expandir o protesto além de sua base estudantil inicial claramente aumentaram a consciência de mais de um milhão de pessoas que participaram ativamente dos protestos, bem como de muitas outras que os apoiaram nos últimos meses.
O papel da classe trabalhadora
Os estudantes compreenderam claramente que o regime só pode ser derrubado por meio da mobilização total da classe trabalhadora. Por isso, há mais de seis meses, têm feito apelos aos líderes sindicais para que convoquem uma greve geral. Esses apelos repercutiram entre as camadas da classe trabalhadora que aderiram ao movimento, mas, até agora, têm caído em ouvidos moucos entre os líderes sindicais.
Em 22 de março, os estudantes organizaram uma reunião com os dirigentes das diferentes confederações sindicais para discutir uma ação conjunta contra a lei trabalhista, conseguindo organizar manifestações conjuntas no Dia do Trabalhador.

No entanto, os estudantes se recusaram, corretamente, a se limitar ao diálogo aberto com os líderes sindicais. No início de março, lançaram um amplo apelo pela formação de assembleias populares de cidadãos nos bairros, chamadas zborovi (plural de zbor, que significa “assembleia”).
Desde então, acompanhando a ascensão da atividade das massas após a grande manifestação de 15 de março, os zborovi têm se multiplicado às centenas por todo o país. Os estudantes também apelaram para que os zborovi dos trabalhadores fossem estabelecidos em todos os locais de trabalho. Sua generalização significaria um envolvimento mais pleno da classe trabalhadora como classe no movimento, o que seria decisivo para sua vitória.
Os zborovi são órgãos por meio dos quais as massas se organizam. Caso o movimento de massas se intensifique, é provável que isso se manifeste por meio de uma onda ainda maior de participação nos zborovi e de tentativas crescentes de centralizá-los e coordená-los. Em outras palavras, o grau de expansão e de coordenação dos zborovi, em nível local e nacional, é um indicativo da profundidade da crise revolucionária em desenvolvimento na sociedade.
A magnitude e a intensidade do movimento de massas podem crescer ainda mais caso Vučić tente recorrer à repressão. Como explicou Marx, uma revolução precisa, de tempos em tempos, do chicote da contrarrevolução para avançar. Este pode muito bem ser o caso da Sérvia.
Um erro de cálculo do regime, como uma tentativa frustrada de reprimir os protestos ou de encerrar as ocupações estudantis, poderia inflamar a raiva e a frustração revolucionárias, transformando-as em uma revolução completa contra o regime. É por isso que, até agora, apesar de toda a arrogância de Vučić, o regime tem sido extremamente cauteloso ao evitar o uso aberto da repressão estatal. Isso também pode ser resultado de divisões internas na classe dominante sobre como lidar com a crise em curso.
Por outro lado, o clima desafiador nos bloqueios de estradas, iniciados no domingo e intensificados na segunda-feira após a prisão de vários estudantes, indica que o movimento está longe de ter esgotado sua energia. Uma dúzia de bloqueios foi erguida em Belgrado, sendo o principal em Zemun, alvo das prisões pelas forças de segurança. Vários outros foram montados em Novi Sad e Kragujevac, espalhando-se de lá para o restante do país.
As imagens dos bloqueios de estradas sendo montados em Kragujevac demonstram o caráter massivo dessas ações e a confiança dos manifestantes. Recebemos relatos de que o governo tomou medidas para remover contêineres e cercas das ruas, e, por isso, os manifestantes recorreram ao bloqueio com seus próprios corpos.
Quando a polícia intervém para dispersar um bloqueio, as pessoas simplesmente se deslocam para a calçada, esperam a polícia sair e, em seguida, montam outro. Tudo isso mostra que as pessoas comuns perderam o medo das autoridades e não se intimidam com as ameaças do regime.
Estará Vučić preparando-se para um confronto?
As ameaças de Vučić não são novas e já serviram, anteriormente, para radicalizar os protestos. No entanto, é evidente que o regime está cada vez mais inquieto e que Vučić aposta no cansaço e na frustração crescentes entre as camadas mais avançadas, que estão na vanguarda dos protestos há oito meses. Ele estuda o terreno para um possível confronto, buscando uma oportunidade para desferir um golpe decisivo e desmoralizar as massas, levando-as à passividade.
Uma das características mais marcantes desse movimento de massas é sua longa duração. Para os estudantes e trabalhadores que se mobilizam, tornou-se claro que a luta para derrubar um regime que consolidou seu poder por mais de uma década exige um movimento capaz de resistir por mais tempo do que ele.

O regime desenvolveu uma série de táticas para fabricar provocações. Uma delas foi a criação de acampamentos pró-Vučić protegidos pela polícia, como o que se localiza próximo ao prédio da Assembleia Nacional. Esses acampamentos têm sido fontes constantes de ataques e provocações antes de grandes manifestações. Por exemplo, foram utilizados pelo regime para interromper os preparativos para a grande manifestação de 15 de março, o que claramente fracassou.
Desta vez, os estudantes deram um ultimato ao acampamento para que se dispersasse até as 21h de sábado. A medida foi ignorada, levando um contingente considerável de manifestantes a tentar evacuar o acampamento e a entrar em confronto com a polícia.
Esse episódio foi hipocritamente aproveitado pela mídia internacional como forma de lançar uma sombra sinistra sobre o movimento, classificando-o como “violento”. É claro que essa mesma medida não é aplicada aos bandidos pró-Vučić reunidos no acampamento, nem às forças de segurança que os protegem.
Aliás, o notável movimento que se desenvolveu nos últimos oito meses tem sido amplamente ignorado pela mídia europeia e internacional até agora. Seria de se esperar que a mídia europeia prestasse atenção ao que está acontecendo na Sérvia, após meses de mobilização massiva. Em vez disso, porém, observamos um silêncio conspícuo. Na melhor das hipóteses, são divulgadas reportagens insossas e rotineiras por agências de notícias, desprovidas de qualquer detalhe. É como se acreditassem que esse movimento pode ser ignorado e extinto. A atitude da chamada “imprensa livre” reflete o medo da revolução que permeia as classes dominantes europeias.
As táticas violentas aplicadas pelo regime demonstram a necessidade da organização sistemática de órgãos de autodefesa do movimento, sob o controle dos zborovi e de outras organizações de massa por meio das quais o movimento se estrutura. Esses órgãos de autodefesa já existem e estão bem organizados, tendo surgido da necessidade de proteger os bloqueios de estradas, as ocupações e as manifestações contra provocadores e ataques violentos. Na maioria dos casos, essas unidades de autodefesa são formadas por estudantes, com o apoio de veteranos do exército sérvio que apoiam o movimento, bem como de outros simpatizantes, incluindo grupos de motociclistas.
Desde o início dos protestos, há oito meses, Vučić tem tentado constantemente miná-los, desencadeando uma campanha massiva na mídia para criminalizar os estudantes e qualquer pessoa que os apoie. O objetivo central é galvanizar e mobilizar seus próprios apoiadores. Ele chegou a afirmar, sem a menor evidência, que potências estrangeiras não especificadas estavam por trás dos protestos, com o intuito de provocar uma “revolução colorida”. É difícil conceber quais “potências” estariam por trás dessa conspiração, dado que o regime é apoiado pela União Europeia, pelos Estados Unidos e até mesmo pela Rússia e pela China.
Essa campanha provocativa levou a vários ataques violentos contra o movimento. Em 16 de janeiro, um motorista, possivelmente um apoiador de Vučić ou alguém afetado pela campanha de ódio contra os protestos, atravessou com seu carro um bloqueio rodoviário, ferindo gravemente uma estudante. O episódio provocou uma explosão de indignação, que Vučić tentou apaziguar pressionando pela renúncia do primeiro-ministro. Trata-se também de um sinal de fragilidade nos alicerces do regime.
Qual o caminho a seguir?
Os estudantes pedem eleições antecipadas e anunciaram que apoiarão uma lista de candidatos. Essa demanda já conquistou apoio massivo. A principal razão para a ampla adesão à reivindicação por eleições antecipadas é que, oito meses após o início do movimento, parece não haver solução para romper o impasse de forças. A desconfiança generalizada tanto em relação ao governo quanto à oposição parlamentar oficial é evidenciada pela atitude das massas, que empurram os políticos da oposição para o lado do movimento, mas sem lhes conceder liderança.
No entanto, é evidente que o regime não tem intenção de conceder eleições que não acredita poder vencer. A única maneira de forçá-lo a ceder nessa, como em todas as outras, reivindicação é intensificar o movimento, generalizar os zborovi para todos os bairros e locais de trabalho, e coordená-los nacionalmente. Só assim será possível usar toda a força da classe trabalhadora para derrubar o regime. Vučić deve sair — e com ele, o regime do Partido Progressista Sérvio.

Oito meses de mobilização demonstraram, sem sombra de dúvida, que os trabalhadores e os jovens da Sérvia conquistaram o direito de escolher seu próprio destino. Não é apenas um presidente ou um primeiro-ministro que precisa ser mudado. Todo o sistema podre que criou e alimentou Vučić e seus comparsas deve ser derrubado junto com eles.
Como comunistas, apoiamos o direito de todos os povos de decidirem democraticamente seu próprio destino. Para isso, devem estabelecer o controle sobre os bancos, o sistema financeiro, as empresas de mineração e os monopólios — sejam eles de propriedade de capitalistas sérvios ou estrangeiros. Isso não poderá ser alcançado a menos que os saqueadores da riqueza de toda a nação sejam expropriados, e as principais alavancas da economia sejam colocadas sob o controle e a gestão democrática da classe trabalhadora, com a produção planejada para atender às necessidades da vasta maioria.
TRADUÇÃO DE FABIANO LEITE.